Edição 218 | 07 Mai 2007

“Nós fomos ultrapassados pelos outros, o que não quer dizer que isso seja um fenômeno insuperável”

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IHU Online

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, editor da revista Carta Capital, “estamos vivendo um processo complicado de perda de substância industrial em muitos setores”. Em entrevista concedida à IHU On-Line, Belluzzo diz que a indústria brasileira está estagnada, cada vez mais dependente dos insumos importados, o que, segundo ele, leva os empresários a optarem pela importação de produtos estrangeiros.

Luiz Gonzaga Belluzzo é formado em Direito, mestre em Economia Industrial pelo Instituto Latino-Americano de Planificação-Cepal e doutor em Economia pela Unicamp. Belluzzo foi assessor da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo entre 1969 e 1971, assessor de Economia Política da presidência do PMDB de 1974 a 1992, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 1985 e 1987 e secretário de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo. Foi o fundador da Facamp (Faculdades de Campinas). Atualmente, Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e editor da revista Carta Capital.

Entre algumas de suas obras, destacamos Valor e Capitalismo (São Paulo: Brasiliense, 1980); O senhor e o unicórnio – A economia dos anos 80 (São Paulo: Brasiliense, 1984); A luta pela sobreviência da moeda nacional (São Paulo: Paz e Terra, 1992); Poder e dinheiro (Petrópolis: Vozes, 1997); Estados e moedas (Petrópolis: Vozes, 1999); e Depois da queda (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002).

IHU On-Line - Do capitalismo brasileiro já se falou de tudo um pouco: que ele é dependente, tardio, emergente... Em sua opinião, o Brasil tem ou não tem um padrão de desenvolvimento capitalista? Considerando o cenário internacional, como o senhor caracteriza o nosso capitalismo?
Luiz Gonzaga Belluzzo -
Claro que o Brasil tem um padrão de desenvolvimento capitalista. Todas as estruturas das relações de produção e a natureza das forças produtivas são capitalistas. É um padrão de desenvolvimento capitalista periférico e dependente porque não tem autonomia tecnológica e financeira. Na verdade, nós já estivemos mais próximos de fazer a aproximação com os países desenvolvidos do que estamos agora. Acontece que nós temos que olhar o capitalismo brasileiro no processo de desenvolvimento de reprodução do capitalismo internacional. O Brasil é uma dimensão desse capitalismo que, durante certo tempo, conseguiu realizar a sua trajetória de perseguição aos países mais desenvolvidos com a industrialização. O Brasil já teve num ritmo melhor nos anos 1950, 1960 e mesmo no regime militar. Agora nós sofremos um retrocesso. Segundo o conceito de desenvolvimento capitalista, o Brasil não é um país tão importante quanto era no conjunto das relações de profissão, de desenvolvimento do acesso produtivo.

IHU On-Line - Alguns consideram que a era FHC significou um desastre para a indústria brasileira. Outros avaliam que o seu governo inseriu o Brasil na nova ordem econômica internacional e obrigou o capitalismo nacional a se reestruturar. Qual é a sua avaliação?
Luiz Gonzaga Belluzzo -
Eu acho que o governo Fernando Henrique fez um diagnóstico equivocado da natureza do processo de globalização. Na verdade, a integração de Fernando Henrique reduziu nossa participação no comércio mundial, tornou o Brasil um país vulnerável e provocou a crise de 1999, da qual ainda nós não nos recuperamos inteiramente, além de ter dificultado a desobstrução do caminho para que o país fizesse uma integração mais virtuosa. O que aconteceu foi que, devido à emergência da China, fomos salvos por nossos recursos naturais e pela mudança da estrutura da demanda no comércio internacional, o que favoreceu muito as commodities. Além disso, favoreceu outros países, sobretudo, os que exportam commodities que, de certa forma, viraram clientes, principalmente na América do Sul, das manufaturas brasileiras. Mas a indústria brasileira sofreu um retrocesso enorme desde o período do Fernando Henrique e continua até agora, por conta dos desalinhamentos no câmbio dos juros, causados por uma política monetária fiscal e cambial desastrosa do período Fernando Henrique, que teve seqüência no governo Lula até agora.

IHU On-Line - O Brasil é considerado um país emergente. Entretanto, alguns afirmam que este conceito está superado, considerando-se que temos indústrias como a Vale do Rio Doce, a Petrobras e a Embraer, entre outras, que disputam o mercado internacional de igual para igual com as grandes transnacionais. O que o senhor pensa disso?
Luiz Gonzaga Belluzzo -
Algumas indústrias brasileiras não estão nos setores mais dinâmicos, como a Vale . A Embraer , sim, está. Para quem estuda processo de industrialização, a Embraer é considerada um caso singular e excepcional no desenvolvimento da indústria brasileira nos últimos anos. O Brasil não está entre os países que têm suscitado interesse dos investidores em novos empreendimentos industriais no mundo. Já esteve, mas atualmente não está mais. A indústria brasileira ainda é de média intensidade tecnológica, com raras exceções, como a Embraer, que, mesmo assim, tem pouco valor agregado, porque ela importa a maior parte dos componentes que utiliza. Ela tem potencial para se transformar numa espécie de centro difusor de progresso tecnológico, se o Brasil tivesse uma política macroeconômica mais adequada.

IHU On-Line - O senhor acha que estamos saindo da era industrial, que estamos vivendo uma crise industrial, ou, na verdade, o que ocorre é um processo de reestruturação industrial? Em qual desses caminhos o senhor aposta? Se for a primeira opção, que alternativas podemos vislumbrar em substituição a isso?
Luiz Gonzaga Belluzzo -
O processo de reestruturação industrial supõe que estejamos avançando nos setores mais dinâmicos e intensivos da tecnologia, mas nós sequer temos uma fábrica de chips aqui no país... Nós, na verdade, dependemos cada vez mais dos insumos importados. Com o câmbio valorizado, os empresários preferem importar e colocar sua marca, vendendo produtos estrangeiros a se preocupar com a produção. Então, estamos vivendo um processo complicado de perda de substância industrial em muitos setores. Há 25 anos, o Brasil parou de crescer, modificando muito pouco o seu setor industrial e importando também muito pouco para ele. Então, nós fomos ultrapassados pelos outros, o que não quer dizer que isso seja um fenômeno insuperável, mas não será uma coisa simples de ser transformada, pois perdemos muita posição em relação aos países vizinhos ditos emergentes, que se industrializaram. Nós temos, por exemplo, uma estrutura setorial de indústria e de agricultura que é característica de país desenvolvido, mas nossa indústria é atrasada, por isso nós somos atrasados relativamente. É preciso recuperar os instrumentos de fazer política industrial. Nós fomos, na verdade, traídos por essa política econômica desastrosa dos anos 1990. A economia está quase que exclusivamente apoiada nas atividades primárias ou nos seus vícios. A indústria não tem nenhum dinamismo, e isso é grave, porque um país industrializado deve chegar a um nível de renda per capita muito elevado, e o Brasil não chegou. Está longe ainda. O Brasil tem 4.800 dólares de renda per capita. Portanto, ainda não tem condições de se permitir ao processo de perda de substância do setor manufatureiro.

IHU On-Line - A desindustrialização, de alguma maneira, pode ser positiva para o País?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Não. Não acho que pode ser positiva. É muito grave porque o avanço da indústria permite que se estabeleça uma série de relações dentro da economia que provavelmente vão se desfazer. As cidades vão piorar do ponto de vista das condições de vida, do padrão de vida. Será uma coisa complicada. Nós já estamos assistindo a isso em todos os centros urbanos grandes e médios brasileiros. Se compararmos com 30 anos atrás, a violência, a favelização, tudo aumentou muito, porque o agronegócio é importante para a balança comercial, mas ele não é importante para o emprego; pelo contrário, ele destrói empregos. Então, é muito importante para a balança comercial, é bom que exista para nós, mas desde que tivéssemos uma política econômica que não defendesse também a regressão industrial. Não há escolha para um país do tamanho do Brasil. Não há escolha, infelizmente, entre industrializar-se ou não. 

IHU On-Line - De acordo com a análise do IEDI (Instituto Econômico de Desenvolvimento Industrial), o Real tende a fazer a indústria brasileira se concentrar na produção de mercadorias de baixo teor tecnológico, além de limitar a capacidade de o País desenvolver e incrementar setores baseados em inovação tecnológica. Qual a sua opinião referente a essa avaliação do IEDI? O senhor concorda?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
A indústria brasileira faz tempo que está estagnada, ou seja, não avança, está travada. Ela não avança para os setores de maior intensidade tecnológica e, quando nós pensarmos em fazer isso, o espaço já estará ocupado. Os chineses estão fazendo isso com grande intensidade.

IHU On-Line - O senhor disse que a estrutura industrial brasileira pode ser comparada a uma nebulosa em que se sobressaem algumas grandes e médias empresas em cada setor. Essas grandes empresas resistiram até agora. Elas irão resistir à desindustrialização por muito tempo ou tendem a se reestruturar ou ainda migrar para outros países onde a política econômica seja mais favorável?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Se continuar essa combinação de juros elevados, de câmbio valorizado, certamente muitas delas não vão resistir muito, porque há um limite para fazer a situação regressiva. Quer dizer, as empresas mandam gente embora, cortam linha de produção, terceirizam alguns processos, mas têm um limite. Se, na verdade, a economia não tem dinâmica, ela não cresce, não estanca o valor agregado e será difícil manter isso. Então, acontece que muitas empresas estão migrando, e a sensação é como se estivesse acontecendo um desmonte. Muitas delas estão fechando, deixando de produzir ou importando direto. Então não sei até que ponto as empresas vão resistir, mas imagino que não muito. 

IHU On-Line - China, Índia e Coréia do Sul exibiram taxas de crescimento do produto interno nos últimos anos. O que se observa nesses países é a prática de uma política macroeconômica, pró-desenvolvimento, com estabilidade de preços, baixas taxas de juros e câmbio desvalorizado para estimular as exportações. Por que o Brasil não consegue adotar esse tipo de rumo?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Porque, na verdade, os asiáticos fazem isso há muitos anos. Eles sempre foram muito persistentes nas políticas que fizeram. Sempre se endividaram pouco em dólar e foram muito cuidadosos com isso. O Brasil teve os choques dos anos 1980, determinado pelo colapso do endividamento externo. Depois, teve a má condução da política econômica dos anos 1990. Por sua vez, os asiáticos sempre tiveram mais continuidade e foram mais cuidadosos com tudo isso, conseguindo manter o câmbio estável, sem adotar o câmbio flexível. Além disso, cuidaram de estabilizar o câmbio num nível que lhes fosse muito favorável.

IHU On-Line - Para muitos especialistas, esse segundo mandato do Lula será ainda mais conservador. Se ele mantiver essa posição, causará mais desindustrialização no País? Qual a sua avaliação?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Se as condições internacionais se mantiverem como estão com liquidez excessiva, e o Brasil não conseguir se livrar dessa combinação juros e câmbio, as coisas vão certamente se agravar. 

IHU On-Line - Qual a sua opinião sobre o Programa de Aceleração do Crescimento – o PAC? O que ele tem de melhor e no que é insuficiente? Qual a influência do PAC para as transformações industriais no País?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Acho que ele aponta para as questões certas, mas falta definir quais são as condições de financiamento. Não está muito clara a definição da política industrial ou se toda a definição da indústria é que pode ser considerada prioritária. Agora o governo está querendo fazer a defesa dos setores mais intensivos de mão-de-obra, mas não está muito clara qual é a estratégia industrial nem quais são os instrumentos a serem utilizados.

IHU On-Line - Celso Furtado sempre afirmava que a obsessão do Brasil deveria ser a de se constituir como uma nação. Pensando na perspectiva de um projeto de nação furtadiana, o governo Lula está no rumo certo?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
O Brasil não tem esse projeto faz tempo. Isso não é uma coisa que cai do céu, e sim um processo social. Quando o Brasil tinha um projeto de industrialização, que decorreu da crise dos anos 1930, dos arranjos políticos, social e econômico, da crise violenta da cafeicultura, o País conseguiu arranjar essa resposta. Agora parece que a sociedade não está sofrendo esse desafio. Eu acho que o governo não está certo ou errado. Na verdade, as forças sociais que levaram o Lula ao governo não têm capacidade de mobilização suficiente nem articulação suficiente para impor esse projeto.

IHU On-Line – Aconteceu, na última semana, no Rio de Janeiro, o 2º Workshop Internacional do projeto Brics. Nesse Workshop, alguns economistas estiveram empenhados em estudar elos entre as economias do Brics em busca de caminhos para a superação do atraso econômico. Basear-se na economia dos países do Brics pode ser uma alternativa para a abertura de novos mercados?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Eu não sei por que inventaram esse negócio de Brics , porque eles estão falando de coisas diferentes, não são economias parecidas. São grandes em termos de território, mas não são as mesmas economias. Essas economias são muito heterogêneas. Talvez elas sejam até em certo sentido complementares. Mas as duas únicas que têm mais inclinação para inovação, para caminhar nessa direção, são a Índia e a China. O Brasil, por enquanto, está muito atrasado, até porque um país sem perspectiva de crescimento industrial não inova. Precisa haver uma relação muito sinérgica entre inovação e crescimento industrial, ou seja, O Brasil é um país que não está no mesmo grau e na mesma intensidade de dinamismo. A África do Sul tem basicamente os mesmos problemas que o Brasil: uma política macroeconômica muito mal desenhada, uma massa de pobreza enorme, além de um desempenho econômico ruim. Desempenho econômico medíocre, eu diria. Já a Índia e a China não. São países que estão caminhando na direção de perseguir uma cena de desenvolvimento mais rápido e mais acelerado. A Rússia é um país complicado porque vive da exportação de petróleo, gás, minerais, de produtos naturais, portanto. Eu não sei se essas economias são modelos, mas são elas que possuem, agora, maior capacidade e velocidade de crescimento, ao contrário de outros países que não possuem o mesmo desempenho.

IHU On-Line – O senhor diz que o Brasil está crescendo abaixo da sua marca histórica e ao mesmo tempo investindo pouco na área industrial. Qual é a tendência para os próximos anos? O senhor tem uma visão pessimista em relação ao crescimento econômico no País?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Eu não tenho uma visão nem pessimista nem otimista. Eu tenho uma visão um pouco cética por causa dos últimos 25 anos. Eu diria que nós temos poucas chances de sair dessa situação. Talvez o País cresça num ano 4,5%, no outro 5%, mas tenho minhas dúvidas em relação a uma continuidade de crescimento. Não creio que o Brasil vá apresentar o mesmo desempenho dos anos 1950, 1960 e 1970. E não é só por causa da economia, e sim por causa da sociedade brasileira que não tem mais energia e vitalidade. É uma sociedade acomodada.

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