Edição 215 | 16 Abril 2007

Nanotecnologia e filosofia

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A programação completa dos eventos pode ser conferida no sítio do IHU – www.unisinos.br/ihuDia 19-4-2007Filosofia e nanotecnologia(s)IHU IdéiasProf. Dr. Ricardo Timm de SouzaSala 1G119 - IHU - 17h30min às 19h

A IHU On-Line conversou com o professor da PUC, atuando principalmente como professor dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia e Ciências Criminais e coordenador do escritório de Ética em Pesquisa da PRPPG/PUCRS, Ricardo Timm de Souza. Souza vai falar sobre Filosofia e nanotecnologia(s) no IHU Idéias desta quinta-feira, dia 19 de abril.

Na entrevista que segue, o professor diz que a função da filosofia não é apontar direções de desenvolvimento às ciências, “mas, no que diz respeito especificamente ao desenvolvimento acelerado de tecnologias sofisticadas, de alertar para a possibilidade e o perigo de que tais tecnologias se autonomizem e localizem em si mesmas o sentido de seu trofismo”. Confira.

IHU On-Line - Quais são as principais limitações e possibilidades apontadas pela Filosofia às nanotecnologias?
Ricardo Timm de Souza -
A função da filosofia não é apontar direções de desenvolvimento às ciências, mas, no que diz respeito especificamente ao desenvolvimento acelerado de tecnologias sofisticadas, de alertar para a possibilidade e o perigo de que tais tecnologias se autonomizem. Em outros termos: novas tecnologias, tecnociência, o desenvolvimento da própria ciência como tal, advêm, em princípio, da procura racional da solução de problemas que afligem a humanidade, o ecossistema etc. Quando isso não ocorre, temos ao menos duas possibilidades: ou a racionalidade científica estatuiu-se em razão instrumental, no sentido da Escola de Frankfurt , e assumiu como sua, de certo modo, a tarefa de legitimação do status quo , referendando lógicas de exploração e poder injusto, ou – o que, em certo sentido, é até pior – ainda não se descolou da idéia moderna de progresso que via no próprio desenvolvimento da razão o seu sentido mais profundo, num penoso processo de totalização suicida. Ora, as gravíssimas questões sociais e ecológicas que vivenciamos mundialmente nos provam que isso não é o caso: o sentido da técnica e da ciência só pode ser entendido contemporaneamente como tentativas de respostas responsáveis – “responsas-(ha)bilidades” – a essas questões.


IHU On-Line - Leonardo Boff disse que as nanotecnologias são um “tsunami tecnológico”. Como essas tecnologias podem alterar a concepção atual de ser humano? O ser humano está se reinventado a partir desse tipo de tecnologias?
Ricardo Timm de Souza -
Vivemos ultimamente uma sucessão frenética de revoluções tecnológicas, mas eu concordo que a potência da “revolução nanotecnológica”, já em curso, deverá empalidecer até mesmo a “revolução informacional” ou a “revolução genética” ainda em curso, o que significa que, inevitavelmente, a questão do humano terá de ser profundamente reproposta em novas bases e que, se não quiserem obsoletizar imediatamente, terão de ser bases éticas.

IHU On-Line - Com o advento das novas tecnologias recebemos um poder criador semelhante a Deus e já não há sequer ele como instância a que recorrer em busca da legitimidade do uso desse poder. Como essas idéias do filósofo alemão Marc Jongen  se aproximam do panorama já expresso no século XIX por Nietzsche? De que forma podemos fundamentar eticamente o agir desse homem como experimento de si mesmo (Jongen), e que constrói sua vida como uma obra de arte (Nietzsche)?
Ricardo Timm de Souza –
A compreensão da fundamentação ética do agir, neste início de século XXI, passa essencialmente por uma refundamentação da própria idéia de ética como fundamento da realidade, como tenho detalhado em meus escritos. Sem isso, estaremos vivendo e sofrendo as conseqüências de uma cruel desproporção entre os fatos que efetivamente ocorrem e uma tábua argumentativa ou axiológica elaborada em outros tempos e para outros mundos.

IHU On-Line - E quanto às populações que não têm acesso a tecnologias como a nano? Não ocorreria uma colonização tecnológica da humanidade com a concomitante objetificação da pessoa humana?
Ricardo Timm de Souza –
A questão do super-desenvolvimento de determinadas tecnologias não está absolutamente descolada das grandes opções geopolíticas assumidas especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Já existe tanto um vasto leque de modalidades de colonização tecnológica como uma evidente objetificação da pessoa humana que, para os desígnios macropolíticos hegemônicos determinados pelas atuais circunstâncias socioeconômicas globais, tem apenas valor enquanto cadeia no processo de produção e consumo de bens e mercadorias.

IHU On-Line - Como analisa o paradoxo de que a tecnologia confere, ao mesmo tempo, autonomia e aprisiona o homem a ela? Não estaríamos nos enredando cada vez mais numa sociedade niilista?
Ricardo Timm de Souza –
A análise parte do próprio conceito de “homem”. O que é o humano, hoje? Quem é o humano que é aprisionado e quem é o humano autonomizado por efeito de novas tecnologias? Onde está a singularidade da alteridade? Sem responder a esta questão, ainda não conseguimos, no meu entendimento, equacionar adequadamente os verdadeiros impactos da tecnologia na vida humana em termos verdadeiramente contemporâneos, o que pode nos impedir, inclusive, de aplicar adequadamente uma expressão como “niilismo” à trepidação socioecológica contemporânea. Pois vivemos, como disseram Kafka , Levinas e muitos outros, em uma era onde o ontem não mais nos apóia e o amanhã ainda balbucia.

IHU On-Line - Seriam as nanotecnologias o “pequeno irmão”, podendo controlar as pessoas e seus atos “de dentro”, ou há uma dose de exagero nessa idéia? Como fica a questão da autonomia do sujeito frente a essas inovações?
Ricardo Timm de Souza –
Toda nova tecnologia, ao surgir, traz consigo uma boa dose de temor ante o desconhecido. Talvez no caso das nanotecnologias, este temor seja mais fundamentado do que em outros casos que conhecemos. Mas tudo dependerá da resposta que dermos à primeira questão, acima. Desta resposta – qual o sentido que se deve imprimir não apenas ao desenvolvimento nanotecnológico, mas da ciência e da tecnologia como tais – é que depende a possibilidade de transformação ou não de qualquer tecnologia em “pequeno irmão”.

IHU On-Line - O sociólogo alemão Ulrich Beck  fala que vivemos em uma sociedade do risco cimentada pelas incertezas fabricadas, em grande medida, pelas rápidas mudanças tecnológicas. Qual é o papel das nanotecnologias dentro desse contexto?
Ricardo Timm de Souza –
As nanotecnologias se inserem perfeitamente na lógica ampla, por exemplo, da sociedade de risco (Beck) e de aceleração (Virilio). Cumpre à lucidez de quem tem a responsabilidade de pensar a temática do sentido do agir assumir o ônus de denunciar a violência implícita ou explícita da contemporaneidade e de investigar alternativas à “língua geral da violência”, no dizer feliz do antropólogo Hélio R. S. Silva . Nem a nanotecnologia nem a ciência ou tecnologia alguma são entidades semovente; não passam, em última análise, da expressão de opções e estratégias muito específicas de quem as pensa, conduz e determina. É destes que depende o que elas são agora e o que elas serão no futuro.

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