Edição 215 | 16 Abril 2007

Nos Passos de Hannah Arendt; Hannah Arendt - Ética Política e Hannah Arendt

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Nos Passos de Hannah Arendt
Autora: Laure Adler
Tradução: Tatiana Salem Levy e Marcelo Jacques
Editora: Record

Hannah Arendt - Ética Política
Autora: Eugênia Sales Wagner
Editora: Ateliê

Hannah Arendt
Autor: Adriano Correia
Editora: Jorge Zahar


Newton Bignotto, professor de filosofia política na Universidade Federal de Minas Gerais comenta os três livros acima em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 15-04-2007. Ele ressalta, como o fez também o jornalista Elio Gaspari, na coluna que publicou nos jornais desta semana, a excelente análise da vida da autora de Eichmann em Jerusalém, feita pela francesa Laure Adler. Eis o artigo.

A safra atual de publicações sobre Hannah Arendt  no Brasil mostra como suas obras passaram a ocupar um lugar de destaque no interior das ciências sociais e da filosofia nacionais. Até o início dos anos 1980, ela era praticamente desconhecida entre nós.

Além dos trabalhos pioneiros de Celso Lafer  e dos seminários e escritos de Eduardo Jardim , as referências à pensadora eram escassas e pouco informadas.

Esse quadro, aliás, se repetia na França e em outros países, que até então não haviam dado o devido valor ao conjunto de suas obras.

O livro de Adriano Correia é uma amostra de como a filosofia de Arendt se converteu em objeto de interesse para além das fronteiras dos especialistas. Correia é autor de uma tese de doutorado sobre a filósofa e se dedicou, em seu pequeno livro, a apresentar a trajetória intelectual da pensadora judia desde sua tese sobre santo Agostinho até seu último livro.

A estratégia adotada pelo autor tem o mérito de guiar o leitor ao longo de uma vida marcada por seu tempo e em permanente diálogo com seus problemas e transformações.

Como se trata, no entanto, de uma obra de introdução, algumas vezes as exposições são por demais sumárias, o que não nos permite apreender toda a complexidade da “démarche” de Arendt. Essa limitação, imposta pela natureza da coleção na qual o livro foi publicado, é compensada pela clareza do texto e pelo domínio conceitual do autor.

O trabalho de Eugênia Sales Wagner é uma demonstração do vigor da produção brasileira atual sobre o pensamento arendtiano. Originariamente uma tese de doutorado, o livro é tecido em torno das idéias do amor e da liberdade, o que o leitor não descobre de imediato dado o título por demais genérico escolhido. Mas o livro não se resume a uma exposição burocrática dos conceitos, longe disso.

Escrito de forma clara e agradável, ele se propõe demonstrar uma tese ousada, que só se revela em toda sua extensão no último capítulo.

Em primeiro lugar, a autora toma o conceito de amor, presente na tese de doutorado de Arendt, como fio condutor de sua exposição. No lugar da tipologia de origem agostiniana, a autora fala de amor da sabedoria, do próximo, da liberdade, da vontade e do mundo.

Esse movimento vai levá-la a concluir que, mesmo não sendo visível em todas as etapas do percurso da autora, o amor deve ser compreendido como o fio da trama conceitual da obra arendtiana. Sua essência só se revela inteiramente quando é reconhecido como a finalidade última da ação humana e se transforma em amor ao mundo.

Eugênia Wagner corre riscos ao tentar, na parte final do livro, deduzir o que seria a filosofia de Arendt sobre a faculdade de julgar a partir apenas de fragmentos. Embora esse passo não destrua a coerência da argumentação, é sempre complicado dizer, no lugar do autor, como teria terminado sua obra.

Tarefa delicada
De natureza muito diversa é o livro de Laure Adler. Diretora por alguns anos da prestigiosa Radio France Culture, ela é autora de uma biografia da escritora Marguerite Duras [Marguerite Duras, inédito no Brasil].

Dessa vez enfrentou uma tarefa delicada ao propor uma nova biografia de Arendt, pois tinha diante de si o trabalho de Elisabeth Young-Bruehl, referência entre os especialistas.
Adler, que se serviu bastante dos trabalhos da antecessora, acrescentou um bom número de testemunhos e fontes, até aqui inéditos, o que por si só já seria um trabalho meritório.
Mas ela foi capaz de ir mais longe ao propor uma leitura da vida e da obra de Arendt na qual se misturam paixão e identificação com a filósofa, com a busca de uma posição equilibrada e lúcida, que leva a biógrafa a apontar os traços arrogantes da personalidade da filósofa e suas contradições ao mesmo tempo em que esclarece as condições difíceis que presidiram o nascimento de sua obra.

Caso de amor
Embora o objetivo não seja apresentar ou resumir os trabalhos mais importantes de Arendt, a análise dos principais argumentos e do contexto no qual nasceram certamente ajudam em sua compreensão.
Esse impulso de compreender a vida da filósofa a partir da mistura entre acontecimentos históricos e fatos pessoais se mostra inteiro quando Adler examina a relação de Arendt com Heidegger , a quem dedica muito espaço no livro.

Sem se deixar levar por conjecturas, a biógrafa tenta mergulhar nos meandros de um caso de amor que reuniu dois dos maiores pensadores do século XX, separados, no cenário político, por posições inconciliáveis.

O enigma desse encontro é vasculhado à luz de uma documentação que, ao mostrar de forma inconteste o pertencimento de Heidegger ao Partido Nazista até 1945 e a incapacidade de refletir sobre as conseqüências de seu engajamento pós-1945, só aguça a curiosidade sobre a trajetória de dois seres cuja relação ultrapassou fronteiras quase intransponíveis.

Mas Adler não cede à tentação do sensacionalismo nem da facilidade. Não enuncia teses sem comprovação ao mesmo tempo em que não deixa de manifestar sua antipatia pelo filósofo alemão e sua perplexidade diante do comportamento de Arendt em algumas ocasiões.

Não se trata de julgar o comportamento dos personagens do livro, mas a biógrafa também não se esconde por trás de uma máscara de neutralidade. Mesclando ironia, compaixão e admiração, Adler produz um mosaico cativante de uma vida que se misturou inteiramente com seu tempo.

O resultado é não apenas uma biografia rica e nuançada de Arendt mas um passeio vivo e bem informado pelo cenário intelectual do século XX.

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