Edição 215 | 16 Abril 2007

Além das mudanças climáticas

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IHU Online

Graduado em Meteorologia pela Universidade Federal do Pará (1993), Williams Pinto Marques Ferreira é mestre em Agronomia (Meteorologia Agrícola) pela Universidade Federal de Viçosa (1997) e doutor em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (2004). Na entrevista que segue, concedida por e-mail a IHU On-Line, Ferreira diz que por causa das mudanças climáticas, nos próximos dez anos, “muito mais do que experimentar sensações físicas decorrentes das mudanças do clima, serão percebidas mudanças no cenário geográfico e social brasileiro”.

Ferreira atualmente é pesquisador brasileiro da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Milho e Sorgo. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Modelagem Agrometeorológica, Climatologia Urbana e Rural Biogeografia, atuando principalmente nos seguintes temas: mudanças climáticas, efeito estufa, aquecimento global, Protocolo de Kyoto e impacto ambiental.

IHU On-Line - Que cenário geográfico o senhor projeta para daqui a 10 anos?
Williams Pinto Marques Ferreira –
Primeiramente, é preciso esclarecer um fato já definido cientificamente. Alguns dos gases participantes do efeito estufa  tem longo tempo de residência na atmosfera (acima de 100 anos). Logo, mesmo se as emissões fossem interrompidas hoje, ainda assim sofreríamos as conseqüências das emissões anteriores por muitos anos.

Isso significa dizer que as mudanças continuarão a acontecer pelos próximos séculos de qualquer forma, ou seja, o cenário geográfico num curto espaço de tempo, 10 anos, tanto para o Brasil como para grande parte do mundo, sofrerá transformações e adaptações, as quais já estão acontecendo. A diferença é que atualmente isso é mais visível, e a população pobre e miserável sempre foi afetada em primeiro plano pelas mudanças do clima. Fenômenos como as migrações serão um dos aspectos sociais mais evidentes desses nos novos tempos. Na verdade, já ocorre a migração no Brasil há muitos anos: é a dos refugiados da seca do nordeste, cada vez mais intensa. O Estado de São Paulo é a maior prova dessa migração, pois concentra a maior parte de nordestinos fora de sua região de origem. Hoje, porém, ocorre outro movimento, principalmente na classe média alta que busca fugir do alto índice de violência dos grandes centros urbanos, seguindo para o interior, apesar de a violência ter migrado também para as pequenas cidades do interior, que vêm registrando a cada dia aumento no índice de violência. Enfim, nos próximos dez anos, muito mais do que experimentar sensações físicas decorrentes das mudanças do clima, serão percebidas mudanças no cenário geográfico e social brasileiro.

IHU On-Line - Qual a porcentagem de culpa da raça humana neste aquecimento global? O que fazer com a população que aumenta a cada dia?
Williams Pinto Marques Ferreira –
Fato concreto é que nos só dispomos de dados de clima à bem pouco tempo. Estudos sobre o clima passado são feito com base de amostras de ar presentes em núcleos de gelo retirados de diferentes profundidades do solo nas regiões polares. E o que hoje os estudo indicam é que, a partir da revolução industrial , que aconteceu em 1870, o clima vem sofrendo mudanças de modo mais acelerado. Como não há dúvidas de que os gases  participantes da intensificação do efeito estufa, com exceção do vapor d’água, são emitidos em grande parte pelo homem, é certo que temos boa parcela de contribuição na situação atual do clima.

Como a população mundial continua crescendo, com previsão de um aumento de 2,5 bilhões nos próximos 43 anos, e com projeções de alcançar mais de 9,2 bilhões de pessoas em 2050, segundo a Organização das Nações Unidas, há uma preocupação de fato com relação ao futuro. Porém, o crescimento populacional mundial tem diminuindo muito, e, segundo os estudos dos demógrafos, esse crescimento cessará durante este século.

Espaço limitado
Com relação à convivência num espaço “limitado”, acredito que a capacidade de adaptação resolverá em grande parte o problema, pois os estilos de vida e as culturas são os maiores “problemas”. Hoje percebemos que mesmo em pequenas cidades há sempre um local onde as pessoas costumam se aglomerar, no caso das cidades grandes um exemplo disso são os shoppings. Basta lembrarmos das torres gêmeas   de Nova Iorque, que abrigavam mais pessoas do que certos interiores do Brasil.

O maior problema do crescimento populacional está associado à alimentação mundial. Assegurar alimento de maneira igualitária no mundo é uma utopia. Os governantes são, de maneira particular, responsáveis por assegurar o alimento as suas respectivas nações, porém devem primeiramente legislar de forma a assegurar a harmonia social, a paz e a estabilidade econômica em seus países.

Crescimento populacional e desenvolvimento sustentável
A questão do crescimento populacional está diretamente ligado ao termo desenvolvimento sustentável. As mudanças climáticas são o reflexo de um modelo econômico predador do meio ambiente, que possibilita o aumento da riqueza para alguns países em detrimento da pobreza em outro. A busca pelo desenvolvimento econômico sem degradar o ambiente sempre foi discutida, porém o que sempre aconteceu foi tão somente o crescimento econômico de alguns poucos, não considerando os aspectos das igualdades sociais. O desenvolvimento por sua vez é possível, pois embora busque a geração de riquezas, busca também a divisão desses bens com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de todos, considerando, assim, as questões ambientais, ou seja, a saúde do planeta para as gerações futuras. Um programa de desenvolvimento econômico é fundamental para viabilizar, de maneira sustentável, a melhoria de vida dos menos favorecidos. Porém, a proteção do meio ambiente deve ser vista como parte fundamental e não como parte secundária do processo de desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento só deveria ser possível caso fosse sustentável, ou seja, não deveria haver degradação na produção dos alimentos, além de toda a riqueza produzida ser distribuída por toda a população de forma igualitária.

IHU On-Line - No Brasil, o que as conseqüências do aquecimento global podem acarretar? E para a agricultura especificamente?
Williams Pinto Marques Ferreira –
Em termos de Brasil, nossa maior dificuldade deve-se ao fato de ainda não termos um plano de adaptação e, principalmente, de mitigação para a mudança climática. Um exemplo a nível internacional é a Holanda, país que tem a maior parte de seu território abaixo do nível do mar, e atualmente dispõe de um plano de redimensionamento territorial e agrícola, pois em pouco tempo deverá ter parte de seu território submerso para se adequar às novas realidades de sua geografia, cada vez mais ameaçada pelo mar.

No Brasil, as decisões das políticas públicas ainda são insuficientes para assegurar mudanças no âmbito cultural de modo a envolver as mudanças do clima na vida do cidadão brasileiro. Ainda falta uma consciência capaz de mudar hábitos do dia-a-dia, principalmente nas grandes cidades, maiores consumidores de água e produtoras de lixo por pessoa, devido ao grande consumo de produtos industrializados.
As atuais mudanças experimentadas pelo clima nos conduzirão em pouco tempo ao aumento dos extremos mínimos alcançados em todas as estações do ano, ou seja, as  madrugadas serão as mais quentes. A intensidade dos vendavais e das chuvas deverá aumentar na região sudeste, principalmente no outono. Nessa região, onde freqüentemente ocorrem o encontro de massas de ar com características opostas, embora ocorra aumento da intensidade das chuvas, não deve, a princípio, haver aumento no volume anual das chuvas. Na primavera e no inverno, por sua vez, deverão ocorrer reduções na ocorrência das chuvas.

Atividades agrícolas
Tanto o aumento quanto a redução das chuvas certamente representarão grande risco às atividades agrícolas nessa região. Os cultivos de verão também deverão ser comprometidos, principalmente nas regiões Sul e Centro-Sul. Culturas como o milho, a soja e o trigo sofrerão mudanças no tempo de duração do seu ciclo (redução), na produção de biomassa aérea e possivelmente no rendimento de grãos.
Não se deve descartar a grande possibilidade do aumento na freqüência das secas na região do semi-Árido o que certamente acarretará migração da população daquela região, aumentando o número de refugiados do clima no Brasil.

Outra real dificuldade é que hoje temos uma visão da vulnerabilidade do impacto do clima nas atuais doenças. Entretanto, é quase impossível fazer-se um prognóstico, nesse caso, para daqui a 50 anos.

IHU On-Line - Que efeitos práticos a variação de 3ºC na temperatura global média implicará até 2100?
Williams Pinto Marques Ferreira -
Muitas são as projeções diante do aumento de 3 oC até o final desse século, o que deve causar um total desequilíbrio em vários ambientes do nosso planeta. Porém, ocorre diante dessas mudanças o fenômeno da retoalimentação climática. Nesse ponto encontra-se a maior dúvida dos cientistas, afinal os modelos, por mais sofisticados que possam ser, ainda têm muita limitação na representação dos efeitos da retoalimentação climática, que poderá intensificar ou não as mudanças do clima ao longo desse período. Atualmente, o maior efeito prático visível é o derretimento parcial da água presente no manto de gelo dos continentes gelados, capaz de contribuir para a elevação do nível dos oceanos e modificar as correntes marítimas, como convecção termohalina e, conseqüentemente, alterar a produtividade biológica, modificando, com isso, o processo de troca de CO2 entre os oceanos e a atmosfera. Mudanças nos padrões atuais certamente também acontecerão. De modo geral, os efeitos são ainda imprevisíveis, pelo menos com certa margem de segurança. A terra já passou por mudanças de temperaturas superiores aos 3 oC ao longo dos seus 4,5 bilhões de anos. O difícil é considerar que as mudanças serão semelhantes uma vez que nessa escala de tempo muita coisa no planeta mudou.

IHU On-Line - O Protocolo de Kyoto e o mercado de carbono são suficientes para estancar as mudanças perigosas?
Williams Pinto Marques Ferreira -
Não podemos esquecer que o Protocolo de Kyoto  é o resultado de uma série de outras conferências, inclusive a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC) na ECO-92   em junho de 1992 no Rio de Janeiro, do qual o Brasil foi o primeiro signatário.

Definido em Kyoto, no Japão, em 1997, o protocolo de Kyoto só passou a vigorar em 16 de fevereiro de 2005, após a ratificação pela Rússia em Novembro de 2004. O principal objetivo foi assegurar diante de um tratado internacional que os que mais emitem carbono para a atmosfera reduziriam suas emissões em no mínimo 5,2% até 2012, em relação aos níveis de 1990.

Diante da realidade verificada nas conferências anteriores a Kyoto, ficou claro que as boas intenções dos países envolvidos não seriam suficientes para garantir a palavra empenhada na redução das emissões de carbono para a atmosfera. O discurso bem intencionado ia muitas vezes de encontro aos interesses econômicos daqueles países. Surgiu então um mecanismo capaz de compensar ou punir a ocorrência ou falta de ações concretas benéficas à saúde do planeta. O mercado de carbono veio para envolver os países capazes de reduzir a emissão de carbono para a atmosfera, e aqueles “cheios de boa vontade de reduzir as emissões”, porém não capazes de realizar tal tarefa por conta própria.

Frente aos fatos, o protocolo de Kyoto não assegura uma solução definitiva, afinal, precisa evoluir muito. Como qualquer negócio comercial, precisa excluir os interesses obscuros e não se tornar uma ferramenta oficial, capaz de assegurar o direito de poluir àqueles mais desenvolvidos, com maior poder econômico.

Por outro lado, houve grande progresso ao longo das inúmeras conferências internacionais que já ocorreram desde a década de 1980, sendo o protocolo de Kyoto e seus mecanismos a maior conquista em benefício da saúde do planeta. Não se deve esquecer que se trata de um acordo internacional não entre três ou quatro países, mas sim entre mais de uma centena de países que possuem culturas, desenvolvimento econômico e interesses bastante diversos.

IHU On-Line - O que virá após Kyoto, uma vez que os próprios cientistas o consideram limitado? Quais serão os desafios políticos do acordo pós-Kyoto?
Williams Pinto Marques Ferreira -
O Pós-Kyoto já está em plena negociação e representa um novo desafio, tão grande quanto foi o próprio Kyoto. Como se supunha, mais cedo ou mais tarde os Estados Unidos participariam dessa discussão, afinal naquele país existe a política interna, assim como em qualquer parte do mundo, e isso chegaria um dia a se tornar um problema de política interna do próprio país. Entretanto, mais difícil do que mudar hábitos dos maiores poluidores do planeta será frear o crescimento do consumismo na China. Como o mundo irá convencer os chineses que, justamente agora que a economia deles cresce, precisarão abrir mão de benefícios e hábitos consumistas, ou seja, na oportunidade deles, eles não poderão desfrutar daquilo que os americanos desfrutam há décadas?
Eis ai o maior desafio do Pós-Kyoto: envolver países em pleno desenvolvimento como o Brasil, a China e a Índia, que resistem à idéia de pagar, agora, as contas ambientais feitas no passado pelos países desenvolvidos.

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