Edição 214 | 02 Abril 2007

Georgescu-Roegen, criador da bioeconomia, revisitado

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Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, autora do livro A real História do Real, em artigo publicado no jornal Valor, 29-03-2007 comenta a obra do economista Nicolas Georgescu-Roegen.  Eis o artigo.

Há algo de instigante em alguns dos fatos deste início de século que nos remete aos escritos do economista romeno Nicolas Georgescu-Roegen. Estes fatos estão inter-relacionados. São, por assim dizer, resultante do processo de liberalização que o mundo passou novamente a experimentar a partir da década de 1990, combinado desta vez com os benefícios do rápido avanço tecnológico que lançou a humanidade nos braços da chamada sociedade da informatização. 

O que instiga é a percepção de que este período de franca supremacia do uso da tecnologia a favor do bem-estar e do progresso econômico também tem se revelado como um período de proeminência daqueles que historicamente têm sido classificados como os bens mais primários à disposição do homem, os recursos naturais. E, mais interessante, enquanto caem os preços dos bens, serviços e sistemas alimentados por atualizadas descobertas técnicas, sobem os preços dos bens mais elementares e básicos.

Um verdadeiro paradoxo, impensável nos tempos do auge da corrente estruturalista, que nas décadas de 1950 e 1960 entendia estar a América Latina em permanente desvantagem com os países mais desenvolvidos. O que a diferenciava era justamente o fato de ser abundante em recursos naturais e carente de uma indústria sólida que garantisse agregação de valor ao sistema de produção. Uma coisa parecia vir colada à outra. Daquela escola de pensamento, como se sabe, nasceram as iniciativas de substituição de importações com o objetivo de proteger o processo de industrialização dos efeitos danosos dos desequilíbrios da balança comercial. A perpetuação destes desequilíbrios refletia-se na diferença entre a baixa receita cambial obtida com a venda dos produtos primários, de baixo valor agregado, e as despesas cambiais geradas com a compra dos produtos industrializados, cujos preços eram ditados pelos chamados centros do poder econômico internacional.

Cinqüenta anos depois, países como o Brasil tiram proveito dos altos preços das commodities, tanto agrícolas quanto minerais, praticados no mercado externo, enquanto que importam bens a preços relativamente mais baixos. É como se a relação de troca tivesse se tornado mais favorável ao país, sem que muito esforço precisasse ter sido feito no campo da industrialização. No caso brasileiro, pesa ainda a valorização do real frente ao dólar, que acentua o favorecimento da atual relação de troca.

De fato, quando se olham os elevados preços do minério de ferro, um produto que não valia praticamente nada há não muito tempo; quando se toma conhecimento dos baixos estoques disponíveis para consumo do níquel e de outros metais; quando se acompanha a escalada ocorrida nos preços do petróleo; e, finalmente, quando se depara com a corrida desenfreada dos investidores em direção aos biocombustíveis, em especial o etanol, dá para pensar seriamente que Georgescu-Roegen estava coberto de razão ao chamar atenção, ainda nos anos 1960 e 1970, para o fato de que, no fundo, o que é efetivamente escasso não é o capital e nem a mão-de-obra, mas os recursos naturais.

Ele se valeu de conceitos da física, como a segunda lei da termodinâmica, para exaustivamente defender a idéia de que todo o progresso tecnológico possível não seria suficiente para contornar as principais características de finitude e de esgotamento inerentes aos recursos naturais e à terra arável, conforme colocou claramente em um de seus artigos, intitulado "Energy and Economic Myths" ("Energia e Mitos Econômicos"), publicado em janeiro de 1975 no Southern Economic Journal, 41, nº 3. Cita, como exemplo, para justificar sua tese, o fato do consumo per capita de aço ter aumentado em 44% em apenas uma década, entre 1957 e 1967.

Se vivesse hoje, Georgescu (faleceu em 1994) mais motivos encontraria para reafirmar sua posição que encontra hoje, sem dúvida, ressonância entre os ecologistas e ambientalistas, não apenas junto aos que se preocupam com os efeitos das emissões de gás carbônico, mas também aqueles que já começam a chamar atenção para os reflexos nocivos da projetada expansão da área plantada de cana-de-açúcar com vistas à produção de etanol. Além da possível conseqüência da erosão da terra, uma massiva produção de cana tende a deslocar para espaços menos nobres em termos de acessibilidade o cultivo de outras commodities.

Na época de Georgescu, a grande fonte energética alternativa ao petróleo era a energia nuclear, que foi fartamente implantada na Europa e chegou a ser introduzida nos países menos desenvolvidos, como o Brasil, a custos de instalação astronômicos. Antes disso, predominava o carvão. O tema energético atravessa gerações há séculos e o preço acaba acomodando as diferenças entre demanda e oferta, através da alocação de recursos que considera custos, disponibilidade e sustentabilidade. Só não tem conseguido acomodar o custo do efeito deletério da exploração dos recursos naturais, não só pela faceta poluente, mas também pela perspectiva de perecimento. E esse era justamente o ponto que passou a separar o pensamento do economista romeno, naturalizado norte-americano, dos seus colegas.

Hoje, o Brasil é auto-suficiente em petróleo e se apresenta, além disso, como o maior e melhor produtor potencial de etanol, graças à tecnologia desenvolvida para tornar o álcool utilizável como combustível. Neste ponto, Georgescu parece ter subestimado a capacidade do homem de reinventar as possibilidades de uso dos recursos naturais, o que não invalida a essência de sua tese no sentido de que os recursos naturais são finitos.

O Brasil é sem dúvida um grande privilegiado neste novo processo porque tem o que é escasso no mundo. A pergunta que se faz é se a valorização dos minerais e das commodities agrícolas veio para ficar. Ou seja, estamos falando de uma vantagem comparativa duradoura ou passageira? Se a resposta for passageira então pode-se estar cavando um problemão, pois muito tempo iria demorar para recolocar o setor industrial em condições de competir internacionalmente.

Georgescu-Roegen, criador da "bioeconomia", chegou a prever que os residentes dos países mais desenvolvidos deveriam aceitar a perda de parte dos seus altos padrões de vida para que os países em desenvolvimento pudessem escapar da pobreza. Por enquanto, a valorização dos recursos naturais tem ajudado os mais pobres.

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