Edição 213 | 26 Março 2007

Páscoa 2007 - Cultura, Arte, Esperança

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IHU Online

O artigo a seguir foi escrito com exclusividade por Décio Andriotti a pedido da IHU On-Line. Nele, Andriotti faz uma reflexão sobre as missas solenes, em ocasião da exibição pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) promove uma intensa agenda de eventos musicais, conduzidos pela Prof.ª Dr.ª Yara Borges Caznok, docente na Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Andriotti realiza palestras sobre história da música a convite de diversas instituições. Produz o Európera, um relatório sobre cada viagem que faz à Europa a respeito das óperas, concertos e outras apresentações musicais a que assiste, distribuído a interessados, inclusive maestros. Quando da vinda do tenor italiano Luciano Pavarotti a Porto Alegre em 1997, Andriotti foi convidado pela Rádio Gaúcha para ser comentarista. É membro da Confraria Mozart de Óperas e escreve sobre a história da música do Rio Grande do Sul. Um de seus inúmeros artigos está publicado na coletânea Missões Guarani: impacto na sociedade contemporânea. São Paulo: EDUC, 1999, organizado por Regina Gadelha. É formado em Humanidades (Letras) pela antiga Formação de Humanidades dos Jesuítas, bacharel em Filosofia pela Faculdade Cristo Rei, hoje Unisinos, e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduou-se em História da Arte pela antiga Faculdade Palestrina, em Porto Alegre. Andriotti concedeu a entrevista Mozart: o apogeu da história da ópera?, na edição 174 da IHU On-Line, de 03-04-2006. Em 27-09-2006, dentro da programação do Seminário Internacional A Globalização e os jesuítas: origens, história e impactos palestrou na Tarde Missioneira com o tema Óperas e principais composições das missões jesuíticas. Em 17-09-2006 concedeu ao sítio  do IHU (www.unisinos.br/ihu) a entrevista “A música nos Sete Povos das Missões”, refletindo sobre o minicurso Valor da educação musical nos Sete Povos das Missões, que ofereceu no Seminário de 25 a 28 de setembro.

Missas solenes

A música sacra atingiu seu apogeu de perfeição e emoção com as missas cantadas em latim, compostas pelos mais insignes compositores eruditos. Por dezenas de séculos, a missa foi rezada nessa língua. As partes fixas (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, Benedictus, Agnus Dei) começaram a ser musicadas e cantadas ainda na Idade Média. As partes móveis eram entoadas em cantochão (gregoriano), nessas mesmas missas. O exemplo mais antigo que se tem desse modo é a Missa de Notre Dame (1364?) de Machault. Criou-se o padrão da missa solene. Mudava o estilo sonoro conforme a época: renascentista, barroco, clássico, romântico etc.

O Concílio Vaticano II , num inexplicável equívoco dele mesmo – ou de seus intérpretes – alijou as missas em latim, restando quase que somente as de língua vernácula, e, como conseqüência, a supressão do latim na formação do clero parecendo “matar um mal pela raiz”. Bispos radicalizaram. Houve cisma dentro da Igreja. Contudo, as tradicionais missas solenes continuaram com as partes fixas em latim. Como eliminar Palestrina, Biber, Vivaldi , Bach , Haydn , Mozart , Schubert , Beethoven , Rossini , Liszt , Gounod , Bizet , Verdi , Puccini e muitos mais outros célebres e amados pelo povo? Excomungá-los? Hoje o Vaticano parece retroceder, mas pisando timidamente sobre pegadas passadas, como se estivesse em campo minado.


Desafio para a unidade texto-música

As missas solenes nem sempre têm todas as partes fixas musicadas. Aquelas que só o fizeram com o Kyrie e o Glória chamam-se de “missas breves”. O requiem, missa dos mortos, exclui as passagens de júbilo, mas recebe o cântico Dies irae. Algumas missas solenes são tão longas que só são apresentadas em concertos. É o caso da Missa em Si Menor , de Bach (BWV 232 ) e da Missa Solemnis, de Beethoven, ré maior (op. 123). A Missa em Dó Maior de Mozart KV 317  (da Coroação), de duração normal para o gênero, é a mais afetiva e a mais executada, quer liturgicamente, quer em forma de concerto.
Considerando os textos das partes fixas, conclui-se que o compositor encontrará, no Kyrie, Gloria, Sanctus e Benedictus, relativa facilidade para dar unidade à partitura. O Credo, entretanto, possui texto variadíssimo: viaja desde a criação até a vida eterna. Aí reside o maior desafio para a unidade texto–música não perdendo a homogeneidade. Em compensação, o Agnus Dei, trazendo a humildade, devoção e o pedido de “Dai-nos a paz!”, oferece ao compositor grande fonte de inspiração. Não é, Mozart?

Viena, capital das missas solenes
Viena é a capital musical no assunto. Nenhuma outra cidade no mundo se lhe aproxima. Em todos os domingos e dias de festa, realizam-se missas solenes em diversas igrejas. Estando na Europa em dezembro último (2006) decidi fazer pequena e relativa cobertura da liturgia natalina de Viena nos dias 24, 25 e 26. Tomando como ponto referencial a Catedral de Santo Estevão, descobre-se que, num raio de pouco mais de mil metros, a partir dela, ficará incluída uma dezena de igrejas realizando missas solenes com orquestras, coros, solistas, órgãos, em horários quase coincidentes; ou outras manifestações litúrgicas. Para assistir o quanto possível, voei rasteiro nos deslocamentos. E assim consegui estar em: Vesperae Solemnes de Confessore, de Mozart KV 339; Theresienmesse, sibemol maior, de Haydn; Missa em si maior, de Schubert D324,; Missa Solemnis, de Viktor Keldorfer; e Missa em dó maior, de Mozart KV 317 (da Coroação). Esta última foi a “missa do galo” do dia 24 na Igreja dos Jesuítas (Jesuitenkirche). Fiquei quase todas as vezes em pé, porque as igrejas estavam sempre lotadas. Se não se chegar bem antes...

As igrejas ao natural provocam desatenções pela suntuosidade ambiental e artística. O cerimonial é envolvente. Em certo sentido, um “show” que agrada fiéis, curiosos, interessados só na música, turistas. Para melhor percepção dos valores musicais dessas missas, é indispensável ouvi-las também em casa, através de gravações, ou em pequenos recintos, em grupos e com comentários.

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