Edição 213 | 26 Março 2007

Maria Antonieta

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Ficha técnica
Nome: Maria Antonieta
Nome original: Marie Antoinette
Cor filmagem: Colorida
Origem: EUA-Fr-Jap
Ano produção: 2006
Gênero: Drama
Duração: 124 min
Classificação: livre
Direção: Sofia Coppola

Sinopse:
Maria Antonieta não passa de uma adolescente austríaca quando é levada para a França, onde se casará com o príncipe Luis XVI, selando a aliança entre as duas nações. Porém, negligenciada pelo marido, a nobre se torna uma pessoa infeliz, e busca alegria em prazeres mais fugazes, como roupas e comidas. No entanto, aproxima-se a Revolução Francesa.

 

A enigmática rainha austríaca que ridicularizou a corte de Versailles

O comentário a seguir é de Luiz Carlos Merten, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 16-03-2007.

Já virou maldição - os filmes que Cahiers du Cinéma escolhe para colocar na capa de sua edição especial sobre Cannes não têm feito muito boa figura na Croisette. Em 2005, foi The Last Days, de Gus Van Sant. No ano passado, Marie Antoinette, de Sofia Coppola. A filha de Francis Ford Coppola chegou a Cannes com pinta de campeã, mas, no fim, foi-se embora sem nem mesmo um prêmio de consolação para sua Maria Antonieta. O filme é bom. E é até mais político do que a própria Sofia talvez quisesse que fosse.

Em Cannes, na coletiva após a exibição do filme para a imprensa, a diretora divertiu-se com as analogias feitas pelos críticos. Ela teria se projetado na personagem da rainha da França por ser, ela própria, membro da realeza de Hollywood. Seu novo filme, como o anterior (Encontros e Desencontros), também conta a história de uma mulher - jovem - lost in translation. Scarlett Johanssen manifestava o estranhamento da americana perdida não apenas no fuso horário de Tóquio, mas na complexidade da cultura japonesa, tão diferente da dela (e do astro que grava um comercial sobre uísque, interpretado por Bill Murray). Marie Antoinette, a austríaca, é uma estranha na corte de Versalhes.

Sofia disse que, antes de fazer o filme, Marie Antoinette representava, para ela, a imagem da decadência. Quando leu o livro de Antonia Fraser , ela percebeu que a personagem era muito mais complexa e fascinante. Estimulada, pesquisou para ver se conseguia captar o verdadeiro sentido da experiência humana da rainha. Foi o que tentou expressar na tela. 'É uma personagem muito interessante, com múltiplas facetas. Quis me concentrar no foco mais pessoal dessa figura histórica cujo enigma até hoje nos persegue. E queria que o filme transmitisse uma energia adolescente, porque a rainha, o rei são pouco mais que crianças.'

Marie Antoinette tinha 14 anos quando chegou à corte, para se casar com o futuro rei Luís XVI. Como uma garota, mesmo uma princesa, criada numa corte menos protocolar, ele acha ridícula toda aquela encenação, o que provoca uma ríspida observação da árbitra da elegância, interpretada por Judy Davis - 'Ça, Madame, c'est Versailles.' Sofia admite que o que a atraiu foi a possibilidade de mostrar que a rainha foi uma mulher moderna, avant la lettre. A seu lado, na mesa, Kirsten Dunst, trabalhando com a diretora pela segunda vez, após As Virgens Suicidas, acrescentou - 'Achei interessante fazer o papel porque Sofia deixou claro que não queria que eu simplesmente criasse uma personagem histórica. Ela me deu liberdade para ser quem sou. Para mim, foi uma experiência visceral, sensual. Em vez de me debruçar sobre o passado, busquei coisas pessoais, minhas, que pudessem servir para a compreensão de Marie Antoinette.'

Revelar a dimensão humana de uma figura tão controvertida implicou em certos riscos. Marie Antoinette é mimada, é fútil, mas surpreende duplamente o espectador que vai ver o filme baseado nos preconceitos que os livros de história (e o próprio cinema) veiculam sobre ela. A Marie Antoinette de Sofia Coppola acha ridícula a frase que lhe atribuem - 'Se o povo não tem pão, que coma brioche' - e se revela uma mãe dedicada. Curva-se diante do povo, numa cena que precede a derrocada, com a morte do delfim, simbolicamente a morte de todo aquele estilo de vida. Nada disso a absolve, mas contextualiza a história de uma mulher que, como as heroínas anteriores da diretora, não tem controle sobre sua vida. A alienação dá o tom, bem de acordo com aquela gente que considerava seu poder divino. Uma cena curiosa mostra a discussão do conselho, na qual o rei concorda em fornecer ajuda aos revolucionários americanos, enquanto o povo francês está morrendo de fome nas ruas de Paris.

Nada é simples em Marie Antoinette. Sofia, acostumada às críticas - foi demolida, como atriz, em O Poderoso Chefão 3 -, deixou claro, em Cannes, que seu filme não nasceu com o propósito de se transformar num documento histórico (embora não deixe de sê-lo). Sofia, conscientemente, procurou as ressonâncias contemporâneas dessa história. O que essa mulher tão polêmica ainda tem a nos dizer, mais de 200 anos depois de sua execução? Seria interessante o que a diretora teria a dizer sobre A Rainha, de Stephen Frears, mas o filme que deu a Helen Mirren o Oscar de melhor atriz surgiu bem depois. São diversos, mas expõem a face humana (e os erros históricos) da nobreza, mesmo que Elizabeth II, com sua intransigência, não tenha nada a ver com essa adolescente despreparada para a inutilidade de sua representação do poder.

A música, desde logo, foi uma preocupação da diretora, que já havia integrado o pop à trilha de Encontros e Desencontros. Sofia recorre agora a The Strokes, New Order, the Cure e Bow Wow Wow. 'Desde o início achei que devia misturar música contemporânea à música do século 18. Acho que essa mistura provoca uma qualidade emocional que me interessava criar, uma espécie de tensão que permanece ao longo de todo o filme. Quando Marie Antoinette chega ao baile de máscaras, a música expressa todas as emoções que a consomem. Acho que a música me permite dar uma real modernidade à história.' A preocupação com o figurino também foi muito grande e Marie Antoinette terminou dando a Milena Canonero, veterana colaboradora de papai Francis Ford, o Oscar da categoria. Milena também participou da coletiva em Cannes. 'Segui as indicações de Sofia. Ela tinha muito claro o que não queria. Sofia não queria um quadro vivo (tableau vivant) da época. Queria alguma coisa de contemporâneo, um frescor. Fugimos à representação tradicional de Marie Antoinette. Meu trabalho consistiu em buscar um equilíbrio, nos figurinos, entre a reconstituição histórica e o que melhor servia à visão de Sofia como diretora.'

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