Edição 212 | 19 Março 2007

Pecado: ainda tem sentido?

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IHU Online

Este é o tema que apresentará O Prof. Dr. Luis Carlos Susin nos Encontros de Ética da segunda-feira, 26 de março.



Encontros de Ética é uma atividade, aberta a toda comunidade acadêmica, tem entrada franca e vai das 17h30min às 19 horas, na sala 1G119 do IHU. Confira abaixo a entrevista concedida por e-mail a IHU On-Line.

Luíz Carlos é graduado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É mestre e doutor em Teologia pela Pontificia Universidade Gregoriana (PUG), da Roma. Trabalha como professor da graduação e pós-graduação na PUCRS, ministrando disciplinas da área de Teologia.

IHU On-Line- O conceito de pecado original ainda cabe nos dias de hoje?
Luiz Carlos Susin
- O “pecado original” é uma doutrina que teve notável função por séculos, e não pode ser simplesmente descartado. Há necessidade de nova interpretação, como tudo o que é linguagem e cultura humana com longa história. E para interpretá-lo de forma adequada e responsável, é necessário levar em conta diferentes aspectos: a) o problema do mal e da sua origem, um estudo que ganha muito quando se confronta diferentes vertentes interpretativas desde diferentes culturas humanas. b) a forma como a Escritura judaico-cristã retoma e dá a sua própria interpretação desta questão crucial das origens do mal. Na Escritura encontramos já uma progressão na compreensão e, inclusive, uma certa pluralidade de visões. c) O contexto dos primeiros séculos da Igreja em que a doutrina foi elaborada, sobretudo o discernimento diante da influência gnóstica e a necessidade, por parte dos pensadores cristãos como Agostinho e Pelágio, de esclarecer a visão especificamente cristã. e) finalmente, em que consistiu a resposta doutrinal cristã. Terminada esta primeira parte, é necessário empreender uma segunda parte, a de reinterpretar a mesma doutrina no contexto contemporâneo, o que levanta um número igual de itens: o atual conhecimento a respeito das origens do mal, utilizando de forma interdisciplinar sobretudo as ciências humanas; Há também necessidade de um conhecimento exegético atualizado do Gênesis e do desdobramento dos primeiros onze capítulos no conjunto das Escrituras. Estou trabalhando com a interpretação de Paul Ricoeur , de Franz Hinkelammert  e de outros, que distinguem entre mal e pecado, e que distinguem entre transgressão como forma de autonomia necessária e como violência. Finalmente, entre Adão e Eva que assumem a condição humana com seus males e Caim que realmente comete o primeiro pecado humano e desencadeia uma descendência de violência.

IHU On-Line- Em que diferentes situações podemos estar transgredindo a lei de Deus?
Luiz Carlos Susin-
A resposta a esta pergunta supõe muito saber prévio. João Paulo II acrescentou à célebre afirmação de Pio XII – “o maior pecado de nosso tempo é a perda da consciência de pecado” – que, na verdade, o maior drama do nosso tempo está na perda da consciência de “valor”. A transgressão só pode ser percebida quando se tem consciência do que seja um valor e da transgressão desse valor. Valores muito gerais não são problema. Por exemplo, a vida, o amor, a justiça. Disso ninguém duvida. Mas estes valores se concretizam em normas, eventualmente até em leis jurídicas. Por exemplo, a fidelidade conjugal. Dentro da norma há um valor. Mas pode haver dissociação entre valores e leis. Pode acontecer que, para realizar certos valores, seja necessário transgredir leis inadequadas. Até com Jesus aconteceu isso. Um discernimento e uma liberdade de espírito são absolutamente necessários em termos morais.

IHU On-Line- Com tratar a culpa e o arrependimento?
Luiz Carlos Susin-
A culpa resulta de uma consciência que se sente responsável por um mal feito. Evidentemente as ciências humanas desvendaram muito condicionamento das consciências, e inclusive muita patologia: sentimentos de culpa que não são culpa real. Tudo isso precisa ser discernido. Mas a culpa faz parte de nosso caminho de amadurecimento humano, de nossa responsabilidade por nós mesmos, de nossos riscos e de nossa dignidade que está na medida de nossa responsabilidade. Já se disse de forma muito grotesca que os monoteísmos do oriente Médio – o judaísmo, o cristianismo e o islamismo – são as religiões da culpa. Ou do “dever”. Na verdade são religiões da responsabilidade e da interlocução pessoal com um Deus pessoal. É claro que se pode decair em culpas doentias e se pode explorar e abusar da culpa. Mas isso não retira o que há de positivo e de humano na admissão de culpa, no arrependimento. O arrependimento tem uma conotação de “voltar atrás”, de dar marcha ré. Supõe que se está consciente de um caminho errado, de um excesso ou de uma extrapolação. Ele é acompanhado do sentimento de vergonha, que pode ter os mesmos equívocos da culpa, mas também revela a mesma grandeza e as mesmas possibilidades da culpa: baixar os olhos para purificá-los e levantar depois com nova luminosidade.

IHU On-Line- O que é o pecado social e qual a sua diferença para o pecado mortal?
Luiz Carlos Susin-
O “pecado mortal” tem uma antiga tradição no discernimento do que seja mais grave ou não em termos de erros cometidos com consciência e liberdade. O pecado mortal é sempre o mais grave, o que produz alguma forma de ‘morte’ em algum ponto. A expressão “pecado social” veio, ultimamente, corrigir a redução do pecado ao foro quase exclusivamente individual. Trata-se de considerar a responsabilidade conjunta por erros que todos, como sociedade inteira, cometemos. Não importa, nesse caso, se estou individualmente praticando um erro, como uma injustiça diante de uma minoria social, por exemplo. Enquanto membro da sociedade que pratica esta injustiça, eu assumo junto este “pecado social”. De acordo com a modo do erro se discerne também o modo de reparação. No caso de um pecado social, somente engajando-se na mudança da sociedade se supera este pecado.

 

 

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