Edição 548 | 07 Junho 2021

O Natal Solidário da Jaqueline

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Thariany Mendelski*

Moradora inicia ação que visa contribuir para as comemorações de final de ano das pessoas com poucas condições financeiras

* Reportagem publicada originalmente no jornal Enfoque, produzido por alunos de jornalismo da Unisinos.

O Natal se aproxima e, junto com ele, a solidariedade, o desejo de querer o bem do próximo e realizar boas ações. É com esse pensamento que o projeto Natal da Vila Progresso surgiu, com a esperança de proporcionar um final de ano mais alegre para moradores da ocupação Steigleder, na Vila Progresso.

Tudo começou há dez anos, quando Jaqueline dos Santos Rodrigues, 37 anos, recicladora e moradora da comunidade, precisou de ajuda. Seu pai — já falecido — tinha sofrido um acidente vascular cerebral - AVC e foi proibido pelos médicos de fazer esforço físico. “Nós trabalhávamos de carreta catando material, eu, ele e meu marido e não tínhamos condições financeiras de comprar os remédios e mais a comida para ele. Na época, eram oito tipos de remédios, eu estava grávida, então decidi colocar uma carta nos correios pedindo ajuda para ele”, relembra.

A Campanha Papai Noel dos Correios é realizada, anualmente, pelos Correios do Brasil. A adoção de cartas da campanha é sempre feita da mesma forma. As cartas são enviadas por crianças e por pessoas que precisam de ajuda e depois são lidas e selecionadas. Em seguida, são disponibilizadas para adoção. Jaqueline conta que escreveu a sua carta e deixou no correio, quando foi no dia 24 de dezembro uma mulher chamada Lula Ávila apareceu na sua casa com os pedidos e com presentes para seus filhos: “Ela chegou com o porta-malas do carro cheio, e como o pessoal aqui quase nunca ganhava nada, quando eles viram o carro já estavam vindo para perto. Ela toda sem jeito me explicou que só tinha trazido coisas para mim e para as crianças e na próxima vez ia trazer para os outros. Mas para não deixar ninguém triste eu pedi que a Lula escolhesse um presente para cada um dos meus filhos e o resto poderia distribuir para todos que estavam ali”, explica a líder comunitária.

No ano seguinte, Jaqueline precisou escrever outra carta, mas dessa vez foi para sua cunhada que estava passando por uma situação difícil com seus filhos. Sua carta foi escolhida pela mesma mulher novamente, que trouxe os pedidos da sua cunhada e também para ela. Ela conta que um ano depois foi procurada por Lula, a mulher que vinha ajudando-a ao longo dos anos. Nessa visita, Lula propôs a Jaqueline a ideia de reunir as cartinhas das crianças e das mães das crianças para que um grupo de professores, ao invés de ir aos correios, pegassem direto com ela as cartinhas.

O projeto Natal da Vila Progresso foi criado pela Jaqueline, que é líder da comunidade, e pela Lula Ávila. O projeto reúne um grupo grande de professores e amigos que todos os anos pegavam cartas nos Correios para ajudar diferentes comunidades. Todo ano a Jaqueline mobiliza a comunidade a escrever suas cartas para o Papai Noel. Assim que ela recebe essas cartas, lê uma por uma e organiza todos os pedidos para que o grupo de professores consiga se organizar para atender.

Jaqueline relata que em média são recebidas até 300 cartinhas por ano: “É feito um cadastro de todas as pessoas que escrevem as cartas sendo crianças de 0 a 18 anos, ao completar 18 anos a gente retira do projeto para dar lugar a outras crianças. Mães, pessoas com problemas de saúde e idosos também podem participar, o único critério para escrever a cartinha é escrever seus três pedidos, seu nome, idade e contar um pouco da sua história”, ressalta.

Os pedidos mais frequentes são leite, fralda, alimentos, roupas, calçados, brinquedos, materiais escolares e doces. As entregas desses presentes são realizadas no dia 25 de dezembro pela manhã, os presentes são colocados no caminhão, todos identificados. Cada pessoa recebe uma etiqueta com o nome completo, de modo a ser chamado pelo nome e conferido antes de receber o presente.


Devido à pandemia do novo Coronavírus, a maioria dos eventos foi cancelada, mas a programação de Natal da Vila Progresso segue firme: “Pensamos em não fazer, mas como todos os anos acontece, as crianças já estavam ansiosas na espera de um presente. Então, decidimos fazer em tamanho menor, diminuindo a quantidade de presentes para dois. Muitos pais aqui na ocupação não têm dinheiro para comprar um presente para o seu filho. No começo da pandemia as crianças já estavam me perguntando se ia ter cartinha”, acrescenta Jaqueline.

Segundo Lula Roberta Avila, 47 anos, professora, atualmente são realizados outros projetos com o mesmo objetivo na comunidade. Em épocas de Dia das Crianças e páscoa também são arrecadados presentes e doces para as crianças. O grupo de voluntários, que faz a entrega das doações, não possui nenhum tipo de auxílio financeiro, cada voluntário pode escolher uma ou mais cartinhas e decidir se vai presentear com todos os presentes que a criança pediu ou se vai poder contribuir com menos.

“A sensação de poder ajudar essas pessoas é muito boa, inclusive temos um grupo no WhatsApp de medicamentos, lá nenhum medicamento vai para o lixo. Sempre repassamos para quem precisa. Também, temos um outro de pedidos de ajuda e assim vamos trabalhando. A Vila Progresso ficou marcada no nosso coração”, conta a professora.

Para Lula, o sentimento de poder ajudar é uma coisa que já nasceu com ela, visto que sempre fez trabalhos voluntários. Antes de conhecer a Vila Progresso, Lula retirava cartinhas do correio para ajudar outras comunidades, mas, depois que ela conheceu a Jaqueline, ficou impressionada e sentiu que precisava continuar ajudando a comunidade: “As pessoas que participam do projeto gostam bastante e se sentem bem em ajudar. É uma das melhores sensações do mundo”, descreve.

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