Edição 546 | 16 Dezembro 2019

O difícil e rico encontro com o Outro

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Ricardo Machado

Mauro Lopes pensa o diálogo inter-religioso como uma forma necessária, apesar de difícil, para encontrar um caminho de bondade e generosidade

Dialogar. Mais do que um verbo, tomar o termo “dialogar” como um imperativo é um gesto ético que se abre à alteridade. Evidentemente isso não se dá de uma forma absolutamente tranquila, mas é importante encarar a empreitada. “Grande desafio foi o de – não sem custo para mim – abdicar de uma visão de catolicismo que estava impregnada pelos limites da institucionalidade. Abrir as portas do coração para acolher os outros sem preconceito foi um passo difícil no começo, mas fundamental”, pontua Mauro Lopes, jornalista e editor do site Paz e Bem, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. “Sinto-me bem no meu caminho. Sinto-me bem em outros, admiro-me deles, em alguns sinto mais dificuldade, estranhamento. Creio que o primeiro passo é a abertura para conhecer. Tememos o que não conhecemos. Na medida em que conhecemos, tudo se torna próximo, amigável”, complementa.

Lopes ainda ressalta que é importante se emocionar com a poesia de uma humanidade profunda, que, no fundo, torna-se mais relevante que nossa própria religiosidade. “Quem deseja um caminho de profundidade amorosa, de paz, em algum momento questionará aqueles e aquelas que a cercam num ambiente de superficialidade, rancor e ódio”, avalia. Mas ser capaz de ouvir o outro requer alguns passos fundamentais. “A primeira demanda do diálogo é paciência. Esperar que cada qual faça seu caminho. A segunda – e fico com essas duas – é, como diz o Papa Francisco, a do diálogo pelo exemplo”, pondera. “É na cultura do encontro que se planta humanidade. Mas é preciso cuidado e respeito. É preciso, repito, paciência, para esperar o tempo propício do outro-outra”, conclui.

Mauro Lopes é jornalista e editor do site e canal no YouTube Paz e Bem.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como tem sido o trabalho no campo das espiritualidades que o senhor tem realizado no Brasil?
Mauro Lopes – Não tenho propriamente um "trabalho" de espiritualidade. Apenas tomei a iniciativa de fundar um canal no Youtube, o Paz e Bem , que tem um projeto simples: abrir-se a uma espiritualidade plural e de paz. Cabe todo mundo no canal, menos os que não quiserem caber. Todas as jornadas de espiritualidade entendidas como jornada de humanidade ou, melhor, como jornadas de ser-estar no multiverso são acolhidas e têm seu espaço no Paz e Bem.

IHU On-Line – Quais os principais desafios ao diálogo inter-religioso e como esse trabalho vem sendo feito?
Mauro Lopes – Creio que o primeiro e grande desafio foi o de – não sem custo para mim – abdicar de uma visão de catolicismo que estava impregnada pelos limites da institucionalidade. Abrir as portas do coração para acolher os outros sem preconceito foi um passo difícil no começo, mas fundamental. Sinto-me bem no meu caminho. Sinto-me bem em outros, admiro-me deles, em alguns sinto mais dificuldade, estranhamento. Creio que o primeiro passo é a abertura para conhecer. Tememos o que não conhecemos. Na medida em que conhecemos, tudo se torna próximo, amigável.

IHU On-Line – E como tem sido esse trabalho nas plataformas digitais?
Mauro Lopes – Fundei o Paz e Bem com a ideia de ter um programa diário de espiritualidade. Virou um canal. Nosso desejo é que o Paz e Bem seja um bom “canto” de encontro e olhares cruzados, e não apenas na dimensão digital. A experiência do Brasil 247, a árvore frondosa e generosa que acolhe e distribui nossa programação, indica que há demanda e possibilidade de uma dimensão digital-presencial que terá seu tempo e lugares. Nosso trabalho é o de receber, conversar, rezar juntos, refletir, meditar, aprender. Pensamos muito nesse papel formativo.

Temos, por exemplo, os cursos de história, com o professor Pedro Lima Vasconcellos , primeiro o de Canudos e depois o Retalhos da Nossa História – não são cursos de história tradicionais; nossa ideia é capturar as expressões da espiritualidade-religiosidade do povo brasileiro e a reação das elites a essas manifestações. Da mesma forma, com o professor Faustino Teixeira temos tido um verdadeiro curso de espiritualidade que perpassa diversas tradições e inspirações. E assim vamos.

IHU On-Line – De que maneira esse trabalho de diálogo entre pessoas religiosas e não religiosas tem produzido frutos?
Mauro Lopes – Ah, isso é uma maravilha. O que o Paz e Bem nos tem mostrado é que essa fronteira entre “pessoas religiosas” e “pessoas não religiosas” é muito menos marcada do que imaginamos. Uma parte expressiva das pessoas com que com-vivemos no Paz e Bem (somos hoje uma comunidade de mais de 21 mil inscritos e ainda temos o recorte da comunidade do 247, de quase 450 mil) diz-se ateia ou agnóstica ou sem religião. Depois de um tempo assistindo à programação do canal, elas invariavelmente manifestam seu espanto: “mas eu não sabia que espiritualidade é isso!”. Da mesma forma, as pessoas “religiosas” que têm uma caminhada com um vínculo institucional ao longo da vida, espantam-se como é possível fazer o caminho sem “rezar a cartilha”. Eu digo sempre que aquela pessoa que é capaz de emocionar-se com uma poesia é dotada de espiritualidade profunda. Somos unidas e unidos em nossa humanidade, muito mais que em nossa “espiritualidade” ou “religiosidade”.

IHU On-Line – Como o senhor vê a importância do diálogo inter-religioso no atual contexto do Brasil, que tende à polarização e radicalização política?
Mauro Lopes – Creio que hoje o diálogo tem muitas dificuldades em ambos os terrenos e eles estão muito imbricados. Os antagonismos políticos têm seu rebate na esfera religiosa-moral e vice-versa – e ambas são profundamente conformadas pela visão de mundo das pessoas (ideologia). É uma equação complexa, mas creio que há linhas de rompimento: a primeira é a da própria experiência. Quem deseja um caminho de profundidade amorosa, de paz, em algum momento questionará aqueles e aquelas que a cercam num ambiente de superficialidade, rancor e ódio. Portanto, a primeira demanda do diálogo é paciência. Esperar que cada qual faça seu caminho. A segunda – e fico com essas duas – é, como diz o Papa Francisco , a do diálogo pelo exemplo. Charles de Foucauld dizia: “eu quero ser tão bom, mas tão bom que alguém olhe pra mim e se questione – se ele é tão bom assim, como será o mestre dele?”. É preciso permanecer na bondade. Isso abrirá portas.

IHU On-Line – Por que promover encontros dialógicos e dialogais entre diferentes convicções religiosas e políticas torna-se um gesto não somente necessário, mas também ético?
Mauro Lopes – Porque é em roda que se faz comunidade. É ao redor da mesa que se cria cultura de comensalidade. É na cultura do encontro que se planta humanidade. Mas é preciso cuidado e respeito. É preciso, repito, paciência, para esperar o tempo propício do outro-outra.

IHU On-Line – Como habitar espiritualmente a Terra?
Mauro Lopes – Passar pela vida fazendo o bem, nada mais.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Mauro Lopes – Apenas o desejo de estar junto e fazer o caminho em alegria. ■

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