Edição 212 | 19 Março 2007

“Antes de alunos, queremos roqueiros que sigam seus próprios caminhos”

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IHU Online

Para João Paulo Sefrin, que ao lado de Frank Jorge é um dos coordenadores do curso de Formação de Produtores e Músicos de Rock da Unisinos, o “maior desafio do rock na universidade é vencer o preconceito de que, por seu caráter de contestação, de ‘arte rebelde’, ele não possa fazer parte do mundo acadêmico”.

Mas trazer o rock para universidade não significa encaixotá-lo: “Existe a falsa impressão de que ao pensar, sistematizar e organizar conteúdos, estaríamos nos afastando da essência do rock, limitando a capacidade criativa, inovadora e questionadora dos alunos. Mas, ao contrário, antes de alunos nós queremos roqueiros que encontrem aqui na universidade um ambiente de muita discussão, troca de experiências, idéias e informações, não para reproduzir modelos pré-fabricados e prontos, mas para seguirem seus próprios caminhos, com sua identidade construída sobre conhecimento e prática”. Questionado sobre a relação rock e música erudita, foi enfático: “Eu sou a favor da boa música. Seja rock, erudita, popular”. As declarações foram dadas por e-mail à IHU On-Line.
Bacharel em música, com habilitação em Regência, Sefrin é formado pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Regeu as orquestras Jovem da UFRGS e da Unisinos. É regente e diretor musical do grupo Vocal Mandrialis e do Coral Unisinos.

IHU On-Line - Quais são os maiores desafios e a inovação de se estudar rock numa universidade?
João Paulo Sefrin
– Certamente, o maior desafio do rock na universidade é vencer o preconceito de que, por seu caráter de contestação, de “arte rebelde”, ele não possa fazer parte do mundo acadêmico. Existe a falsa impressão de que ao pensar, sistematizar e organizar conteúdos, estaríamos nos afastando da essência do rock, limitando a capacidade criativa, inovadora e questionadora dos alunos. Mas, ao contrário, antes de alunos nós queremos roqueiros que encontrem aqui na universidade um ambiente de muita discussão, troca de experiências, idéias e informações, não para reproduzir modelos pré-fabricados e prontos, mas para seguirem seus próprios caminhos, com sua identidade construída sobre conhecimento e prática. E esta talvez seja a grande inovação: trazer o rock para dentro da universidade, não para fazer dele uma caixa, tornando-o simétrico, quadrado, pré-estabelecido, mas para que ele tenha, com toda a liberdade e rebeldia, ainda mais presença e interferência no dia-a-dia. 

IHU On-Line - E quanto ao curso recém-iniciado na Unisinos, quais são os desafios que vêm pela frente?
João Paulo Sefrin
– Além de vencer estes preconceitos, dentro e fora da universidade, tornar nosso curso conhecido e, principalmente, reconhecido, vai ser muito importante para conquistarmos mais espaço, mais alunos, mais parceiros, para que possamos ter uma estrutura moderna, em sintonia com o mercado e eficiente.

IHU On-Line - Muitos apreciadores de música erudita rejeitam o rock como uma música “menor”. Qual é o fundamento dessa concepção e qual é o teu ponto de vista a respeito?
João Paulo Sefrin
– Há muito tempo se criou uma divisão entre a Música Erudita e Música Popular. Provavelmente estes termos caracterizavam músicas com finalidades diferentes: a Música Erudita era “de concerto”, aquela música que se executava nos teatros, salas de concerto etc., que normalmente necessitava de grandes grupos e de grande conhecimento para ser tocada, ao passo que a Música Popular era aquela que se tocava, ou se cantava, nas casas, nos bares, na rua e que podia ser assobiada, acompanhada por instrumentos comuns, sem que se precisasse de grande destreza técnica para isso.
Ao longo do tempo, esta classificação passou a ser cada vez mais severa, a ponto de se tornar pejorativa em relação à Música Popular, como sendo uma música de valor estético menor, sem importância artística ou social, ao mesmo tempo em que se mistificou a chamada Música Erudita como algo inatingivelmente superior, difícil e, muitas vezes, chata. No caso do rock, por seu caráter irreverente, contestador, incisivo, esta distância aumentou mais ainda.

Na minha opinião, a música é uma arte que pode se valer de vários idiomas. Mas será sempre uma linguagem a serviço da expressão das incertezas, angústias, alegrias, enfim, dos sentimentos de cada sociedade, de cada povo. Eu sou a favor da boa música, seja ela rock, seja erudita ou popular.

IHU On-Line - Qual é o papel do músico na sociedade, e, em particular, o papel do roqueiro?
João Paulo Sefrin
– O músico é uma espécie de catalisador e decodificador das sensações e percepções humanas. Seja criando música para consumo imediato, seja criando uma grande e imortal sinfonia. Todo músico, seja compositor ou intérprete, é responsável por uma grande catarse humana diante das questões propostas pela vida de cada dia. O roqueiro é um músico com este mesmo papel. De forma bem mais irreverente, por vezes mais agressiva, é um perguntador e um provocador.

IHU On-Line - O estigma de rebeldia ainda é válido para nossos dias ou o rock se tornou mais um produto da indústria cultural? Tu achas que o rock mudou, perdeu espaço? Por quê?
João Paulo Sefrin
– Todo roqueiro será sempre um rebelde. Mas o peso da chamada indústria cultural certamente exerce influência sobre o rock, assim como em qualquer segmento musical, a ponto de criar “músicos de brinquedo”. Portanto, ainda temos roqueiros como nos velhos tempos, misturados a alguns tipos pré-fabricados pela indústria do consumismo.

Se o rock mudou? Acho que o rock viveu e quando se vive, se muda. Algumas mudanças são para melhor, outras nem tanto. Mas é parte de um processo de uma música viva, efervescente. Mas não acho que tenha perdido espaço. Antes, vivemos uma sobreposição de estilos e gêneros musicais nacionais e internacionais. As opções são cada vez maiores e, cada vez mais, ouvimos mais estilos diferentes. Mas o bom e velho rock está sempre aí. Basta ver a grande procura que existe por nosso curso.

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