Edição 212 | 19 Março 2007

Rock ‘n’ roll é sinônimo de propaganda de refrigerantes

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Márcia Junges

Líder da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, nascida na Faculdade de Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, 1984, Humberto Gessinger concedeu a entrevista que segue, por e-mail, com exclusividade à IHU On-Line.

Questionado sobre se o rock ainda é sinônimo de rebeldia, ele dispara, auto-parodiando um de seus versos mais entoados, da canção Terra de gigantes, do álbum A revolta dos dândis: “Acho que agora rock ‘n’ roll é sinônimo de propaganda de refrigerantes”. Para ele, o Rio Grande do Sul não está carente de festivais de música, mas participar de grandes eventos é legal só de vez em quando, porque são “parecidos com rodízio de pizza”. Se ele se considera representante da cena roqueira gaúcha? “Nunca quis. Sou tímido. Na verdade não freqüento nem conheço a cena local. Como nós fizemos um sucesso sem precedente para bandas gaúchas, o pessoal daqui não soube ler direito, o que criou um distanciamento maior.”
Iniciado no formato de power-trio, o Engenheiros do Hawaii tinha em sua primeira formação Humberto Gessinger (vocais e guitarra), Carlos Maltz (bateria) e Marcelo Pitz (baixo). Tempos depois, Pitz deixa a banda e Augusto Licks assume a guitarra. Gessinger passa para o baixo. Daí em diante gravaram um sucesso atrás do outro, num total de 17 discos lançados, sendo os mais recentes Dançando no campo minado (2003) e Acústico MTV (2004), com a participação de Clara Gessinger, filha de Humberto, e Maltz, ex-EngHaw.

IHU On-Line - Fazer rock é se reinventar? Como uma banda como os Engenheiros do Hawaii continua atual, após 20 anos de estrada?
Humberto Gessinger
– Todo mundo quer ser eterno e atemporal, mas eu acho que a única maneira de ser atual é ser datado. Interessa-me mais na arte o que é humano, os equívocos e as peculiaridades, muito mais do que uma pretensa perfeição.

IHU On-Line - Certa vez tu disseste que o nome da banda protegeria os EngHaw  de serem encarados como "sacerdotes", porque a cena brasileira e  gaúcha estava repleta de nomes heróicos: Cavaleiros do Apocalipse,  Legião Urbana, Replicantes, Titãs etc. No  entanto, vocês acabaram virando ícones da juventude. Como isso marcou a trajetória da banda?
Humberto Gessinger
– Titãs também tinha um nome auto-irônico : "Titãs do Iê Iê Iê", mas numa certa altura optaram por matar a sutileza; é sintomático.Todo o sistema, desde a indústria até os fãs, quer heróis... mas acho  que dá pra escapar deste roteiro. O caminho fica um pouco mais longo e sinuoso, mas é possível. Adoro o tipo de fã que a gente tem. É um pessoal com muito senso crítico que sabe ler nas entrelinhas dos jornais e das canções. Talvez seja uma conseqüência da nossa postura.

IHU On-Line – “Longe demais das capitais” continua sendo um título de canção que expressa uma realidade: estar fora do eixo Rio-São Paulo dificulta viver de rock, ou isso mudou?
Humberto Gessinger
– Mais do que estar fora do eixo Rio-São Paulo, acho que “Longe demais das capitais” fala de estar fora das igrejinhas que se formam na periferia da criação cultural, fora da onda dominante. Acho fundamental buscar esta independência. Não acho que a geografia seja muito importante hoje. O norte está em todo lugar, está digitalizado. 

IHU On-Line - As músicas dos EngHaw têm uma lógica interna, auto-referências, quase hiperlinks musicais. Seriam as canções dos EngHaw obras-abertas?
Humberto Gessinger
– Sempre acreditei nisso... a composição é só o início do diálogo. Mas  nunca imaginei que encontraria tanta gente interessada nesse diálogo.

IHU On-Line - A revolta dos dândis é o título de um dos capítulos de O homem revoltado, de Camus . Poderias falar sobre como as tuas leituras influenciam nas letras que compões? O que tu estás lendo agora?
Humberto Gessinger
– As influências literárias pintam naturalmente, não busco... mas não  escondo. As influências nunca são tão diretas quanto se imagina. Iron Maiden  pode te levar a fazer um tango e Piazzolla  pode te inspirar um rap. Estou lendo Como a picaretagem conquistou o mundo , de Francis Wheen.  Vivo em aeroporto, comprei “no escuro” para ler num vôo e tô  adorando... fala da saudade do Iluminismo.

IHU On-Line - No Rock n' Rio II, a Folha de São Paulo ignorou os EngHaw  solenemente, enquanto o New York Times rendeu elogios ao show. Como está a relação da banda hoje com a crítica?
Humberto Gessinger
– São mundos que só aparentemente se relacionam... mas nada é mais diferente de um coração do que um cardiologista.

IHU On-Line - Vocês não se consideram representantes do rock gaúcho, mas sempre valorizaram os símbolos relacionados ao nosso Estado. Estar fora do Rio Grande do Sul exacerba a identidade gaúcha?
Humberto Gessinger
– Estando fora, a gauchice fica mais explícita. Quanto a representar a cena, nunca quis. Sou tímido. Na verdade não freqüento nem conheço a cena local. Como fizemos um sucesso sem precedente para bandas gaúchas, o pessoal daqui não soube ler direito, o que criou um distanciamento maior. Mas tenho o maior orgulho de ser daqui, e é inevitável que isso apareça no meu trabalho.

IHU On-Line – Rock ’n' roll ainda é sinônimo de rebeldia? Como fica essa rebeldia que é inerente a esse estilo musical frente às limitações impostas pela indústria cultural?
Humberto Gessinger
– Acho que agora rock ‘n’ roll é sinônimo de propaganda de refrigerantes.

IHU On-Line - Como tu percebes a influência de festivais como o Planeta Atlântida junto ao público? Em relação ao Brasil, o RS está carente de festivais de música?
Humberto Gessinger
– Acho que não está carente. Estes festivais são legais de fazer uma vez ou outra, mas são parecidos com rodízio de pizza. Eu acho melhor tocar só para os iniciados.

IHU On-Line - O que tu estás ouvindo agora? Quem são as boas surpresas do rock brasileiro e internacional?
Humberto Gessinger
– Pena Branca e Xavantinho  tem dominado meu iPod...comecei a tocar viola caipira e estou fascinado. Quanto ao que está acontecendo no mundo real, lá fora, não tenho a menor idéia.

IHU On-Line - E quanto a estudar rock numa universidade, como é a proposta da Unisinos, o que tu pensas disso?
Humberto Gessinger
– Na época em que eu bebia desenvolvi uma tese que resumia rock na banda Thin Lizzy . Era uma tese muito elegante, cheia de explicações convincentes. Não sei o que vão estudar. Eu sou um coração, não um cardiologista!!!


 

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