Edição 528 | 17 Setembro 2018

Cheetahs, Hippos, Mugabe e as eleições gerais de 2018 no Zimbábue

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Anselmo Otavio

“País colonizado pela Inglaterra e marcado pela ascensão de um regime racista nos moldes da África do Sul durante os anos 1970, o Zimbábue, entre 1987 e 2017, esteve sob a administração de Mugabe. Durante a década de 1970, Mugabe e seus correligionários da Zimbabwe African National Union – Patriotic Front (ZANU-PF) foram fundamentais não apenas para o término do regime de Smith, mas também durante o acordo de Lancaster House, quando é aceita, por parte da Inglaterra, a independência do Zimbábue”, escreve Anselmo Otavio.

Anselmo Otavio é professor de Relações Internacionais da UNISINOS e Pesquisador do Centro Brasileiro de Estudos Africanos - CEBRAFRICA/UFRGS.

Eis o artigo.

Em Africa Unchained: The Blueprint for Africa's Future, livro de 2005 escrito pelo economista ganense George B. N. Ayittey, dois agrupamentos de estadistas ganham relevância. O primeiro refere-se aos Hippos, cuja alusão ao hipopótamo encontra-se caracterizado pelo conservadorismo, pela lentidão em acompanhar as mudanças no continente africano. Em contrapartida, os chamados Cheetahs simbolizam a mudança, o progresso, enfim, as marcas de um animal caracterizado pelo dinamismo. Evidentemente, quando analisado sob os agrupamentos desenvolvidos por Ayittey (2005), fica claro que Robert Mugabe se enquadra no primeiro grupo. É nesse sentido que o artigo buscará analisar o legado de Mugabe e os desafios da nova administração.

O legado da administração Mugabe (1987-2017)

País colonizado pela Inglaterra e marcado pela ascensão de um regime racista nos moldes da África do Sul durante os anos 1970, o Zimbábue, entre 1987 e 2017, esteve sob a administração de Mugabe. Em linhas gerais, a figura de Mugabe pode ser encontrada em três momentos distintos na história política do país. O primeiro diz respeito ao ativismo na luta contra o regime de segregação imposto por Ian Smith. Durante a década de 1970, Mugabe e seus correligionários da Zimbabwe African National Union – Patriotic Front (ZANU-PF) foram fundamentais não apenas para o término do regime de Smith, mas também durante o acordo de Lancaster House, quando é aceita, por parte da Inglaterra, a independência do Zimbábue.

Além de dar nome à Constituição do Zimbábue, Lancaster House traz como um dos pontos acordados a questão da reforma agrária. Neste caso, recomendava-se a venda de parte dos territórios que se encontravam sobre o controle dos agricultores brancos ao governo zimbabuano, este que os redistribuiria à população negra. Entretanto, seja pela negativa por parte dos fazendeiros brancos em vender partes de seus territórios, seja pela dificuldade de redistribuição dos territórios comprados pelo governo zimbabuano, em verdade o país chegava a meados da década de 1990 com cerca de 5 a 6% da população negra reassentada (GOEBEL, 2005).

O fracasso desta proposta de willing-seller/willing-buyer (GOEBEL, 2005) simbolizou o segundo momento da relação entre Mugabe, já como presidente, e o Zimbábue, quando a dificuldade, ou desinteresse, em combater as invasões, ocupações de fazendas e, principalmente, os assassinatos de fazendeiros brancos, foi amplamente criticado pela comunidade internacional. Nesse sentido, se o primeiro momento tornou Mugabe a imagem do grande líder no combate ao imperialismo europeu, este segundo momento inaugurava a fase de ampla crítica a sua administração, bem como de isolamento do Zimbábue. Reflexo deste conturbado cenário pode ser encontrado nas disputas pela presidência do país nas eleições de 2002, 2008 e 2013, quando as vitórias de Mugabe para a presidência foram consideradas fraudulentas tanto pelo Movement for Democratic Change (MDC), principal partido de oposição e liderado por Morgan Tsvangirai, quanto pela Commonwealth.

É diante deste cenário de contestação, que um terceiro momento surge na interação entre Mugabe e Zimbábue, neste caso, sua existência encontra-se relacionada à tentativa de Mugabe em realizar diversas alterações na ZANU-PF. Uma das primeiras modificações já havia ocorrido em 2014, quando a então vice-presidente do partido, Joyce Mujuru, e outros membros foram expulsos sob a alegação de corrupção e conspiração contra Mugabe. No entanto, o ápice da crise ocorre em um segundo momento, quando o desejo em se manter à frente da ZANU-PF, somado à demissão de Mnangagwa da vice-presidência e especulações de favorecimento de sua esposa, Grace Mugabe, para assumir tal posição, geraram a instabilidade no país, cuja intensificação culminou no impedimento de Mugabe via intervenção militar e ultimato do partido, e a entrada de Mnangagwa como presidente interino.

Eleições Gerais e os desafios do Zimbábue pós-Mugabe

O fim da administração Mugabe não necessariamente simbolizou um cenário de estabilidade no país. Primeiramente porque, mesmo sendo marcada pela acirrada disputa entre Mnangagwa (ZANU-PF) e Nelson Chamisa (MDC), em verdade o partido de Mugabe obteve maioria no Legislativo, bem como 50,1% dos votos válidos para a presidência, enquanto o MDC somou 44%. Em segundo porque não apenas a oposição demonstrou o descontentamento e a denúncia de fraude eleitoral, mas também a União Europeia, Estados Unidos, Canada e Suíça expressaram preocupação com os resultados das urnas (PIGOU, 2018).

Embora diante deste cenário marcado pela desconfiança, as expectativas giram em torno de soluções voltadas ao âmbito interno, em verdade a tarefa de Mnangagwa também se encontra relacionada ao cenário externo, visto que uma das consequências da administração Mugabe foi os constantes atritos com potências ocidentais. Neste caso, vale ressaltar que mesmo antes de assumir a presidência, Mnangagwa já havia visitado a China, principal parceiro comercial do Zimbábue, com o objetivo de expor o interesse em manter a maior interação entre tais Estados. Além disso, o recém-empossado presidente do Zimbábue vem buscando conquistar a confiança de investidores externos via distanciamento das escolhas realizadas por Mugabe, bem como se aproximar cada vez mais do Ocidente, voltando, assim, à busca pela recuperação econômica do país.

Referências
AYITTEY, George B. N. Africa Unchained: The Blueprint for Africa's Future, Palgrave: 2005.
PIGOU, Piers. After Elections, Zimbabwe Government’s Legitimacy in Limbo. In CRISIS GROUP, 2018.
GOEBEL; Allison. Is Zimbabwe the Future of South Africa? The Implications for Land Reform in Southern Africa. Journal of Contemporary African Studies. [S.l.], v. 23, n. 3, p. 345-370, 2005

Expediente
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme
Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição