Edição | 27 Agosto 2018

O grão

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Auritha Tabajara

Auritha Tabajara (nome ancestral) ou Francisca Aurilene Gomes é escritora, a primeira cordelista indígena no Brasil, contadora de histórias e terapeuta holística. Autora da obra paradidática Magistério indígena em verso e poesia, editada e adotada pela Secretaria de Educação do Ceará em 2004. Em 2010 publicou um folheto com ajuda da Secretaria de Cultura de Fortaleza, com o título Toda luta e história de um povo.
Eis o texto.


O grão

Vou contar lhe um segredo
Que aprendi como enredo
Recitado em poesia
De um grão que foi plantado
Cultivado e germinado
Que se pratica todo dia..

Esse grão vem da memória
Transformado em história
Para nossa educação
Um velho quem me contou
Sobre o grão que ele plantou
No despertar da tradição..

Eu fiquei imaginando
Na cabeça martelando
O que esse grão significa?
Será bom para comer?
Pra ninguém queria dizer
Vai que esse grão não fica!.

Fui perguntar lá no rio
Mas ele estava com frio
E não quis me responder.
Volte até o curral
Mas não tinha um animal
Para algo me dizer..

Fui perguntar pra jandaia
Que se banhava na praia
Pro lado de Fortaleza,
Ela me mandou voltar
Os ancestrais escutar
Ouvir a mãe natureza..

Aí me veio a lembrança
No meu tempo de infância
Que os velhos me diziam
Que prestasse atenção
Na chamada educação
Não deixar cuca vazia..

Eu ouço história na aldeia
E para que outros leia
Escrevo aqui no papel.
É o grão que estou plantando
Outra geração deixando
Nesta forma de cordel..

Mesmo sendo na cidade
Se educar com humildade
Da raiz não esquecer,
Falar o suficiente
De tudo ser consciente
Não deixar se enlouquecer..

Esse grão é valioso
Para alguns misterioso
É preciso transformar
Plante na sua cabeça
Um grão que te esclareça
Te ajude a rememorar..

Na aldeia a gente dança
Aprendi desde criança
O maracá balançar,
Entendi o que é respeito
Porque sabe o efeito
Na hora de educar..

Na aldeia tudo é arte
Tudo também se reparte
É cultura festejar
Pinta o corpo de urucum
Veste com palha tucum
Em tudo vale alegrar..

Damos bom dia ao sol
Como flor de girassol
Tudo vive em harmonia
Na debulha de feijão
O cuidado com o grão
Que se tem a cada dia..

Tudo com habilidade
Firme na ancestralidade
Ou na dança do toré,
O vento é nosso irmão
Lá não há separação
Entre o homem e o igarapé..

Na aldeia tudo cresce
A cultura permanece
Tudo é lindo como um grão
Grão de arroz, de trigo, aveia
Milho, café na aldeia
Grandes roças de feijão..

Joga bola a criançada
Tudo em roda e animada
E contar quando crescer
Ser contador de história
Ter presente na memória
O canto ao anoitecer..

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