Edição 526 | 13 Agosto 2018

A encruzilhada brasileira: entre as alianças com as elites e a soberania popular

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Patricia Fachin | Edição: Ricardo Machado

Bruno Lima Rocha analisa o cenário pré-eleições em perspectiva com as políticas interna e externa

A disputa eleitoral tem se intensificado cada dia mais, sobretudo no contexto pós-convenções e de começo dos programas televisivos de entrevistas com os candidatos. O que o cenário mostra, no entanto, é pouca novidade em termos de projetos políticos e de rompimento com os arranjos da nova república. “Quaisquer destas candidaturas, se eleitas, caso não venham a mudar tanto a correlação de forças internas e deixar de confiar no modo ‘republicano’ de lealdade com as elites dirigentes e da classe dominante, como na ‘não interferência’ da superpotência (EUA) e da potência concorrente (China), estaremos apenas adiando o futuro ciclo de crises institucionais e golpes jurídico-midiáticos”, afirma Bruno Lima Rocha, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. “Logo, o projeto político que componha um protagonismo do povo organizado e dispute a consciência das maiorias em todos os níveis (assim como promova uma descolonização de nossa sociedade) não passa pelas urnas”, complementa.

No que se refere a um projeto de Brasil, Rocha considera que o “desenvolvimento do país deveria ser baseado na defesa da soberania popular, da descolonização, da subordinação das instituições formais ao povo brasileiro e dos projetos baseados em sustentabilidade e defesa dos biomas naturais”. Além disso defende que as políticas relativas às reservas estratégicas, como o Pré-Sal, por exemplo, devem passar por uma profunda reconfiguração para deixarem de ser primárias exportadoras. “Simultaneamente, precisamos avançar na área científica, não permitir a presença tão intensa de capitais chineses e transnacionais em setores estruturais (como a energia elétrica de São Paulo) e buscar retomar o tempo perdido em áreas com tecnologia digital para rádio e TV, semicondutores, energia alternativa e materiais de construção sustentáveis”, sustenta.

Bruno Lima Rocha é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e é mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente realiza estágio pós-doutoral em Economia Política pela UFRJ. É professor de Relações Internacionais e Jornalismo na Unisinos.

No dia 16 de agosto, às 17h30, Bruno Lima Rocha apresenta a conferência Os projetos políticos da eleição brasileira de 2018. (Im)previsões e análises. O evento faz parte da programação do IHU ideias e é realizado na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros - IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os projetos políticos que estão em disputa nas eleições presidenciais deste ano e em que aspectos eles se diferenciam fundamentalmente?
Bruno Lima Rocha – Vejo quatro projetos políticos bastante distintos. Da direita para a esquerda, Jair Bolsonaro (PSL-PRTB) representa uma espécie de aventura da extrema-direita, combinando a herança daqueles que reivindicam o papel dos militares na guerra suja contra a insurgência anti-ditadura, com a ascensão de duas forças: uma vertente do mercado financeiro e o rentismo (que também coabitam outras candidaturas) e o apoio de uma parcela daqueles que exploram o neopentecostalismo e a Teologia da Prosperidade. Ou seja, é um conservador social em todos os sentidos, prestando o desserviço de colocar as Forças Armadas dentro da arena eleitoral, a começar pelo seu vice, mais que controverso, o general (da reserva) Antônio Hamilton Martins Mourão . Ainda na direita, o Centrão que apoia Geraldo Alckmin (PSDB e aliados) disputa espaço com candidaturas semelhantes, porém, com menos sustentação política, como Henrique Meirelles (MDB-PHS), Álvaro Dias (Podemos e aliados) e João Amoêdo (Novo). Ou seja, qualquer um desses candidatos executaria uma política semelhante, ao menos em termos de alinhamentos estratégicos para o país e, dentro disso, negociando com as bancadas setoriais conservadoras (como a da bíblia, do boi, da bala e da bola) as pautas que atendam a esta clientela. Neste posicionamento, o discurso de Marina Silva (Rede-PV) está tentando se localizar ao “centro”, mas ainda assim não tem uma inflexão diferente no que diz respeito às medidas de política econômica. Reconheço que, para as candidaturas do centro-direita (Marina), da direita (Alckmin, Meirelles e Dias) e as duas na extrema direita, com Amoêdo (ultra-liberalismo) e Bolsonaro (flertando com o protofascismo), Marina é a que seria menos fechada para os temas do século XXI, embora nos quesitos direitos reprodutivos e temas de políticas de gênero, ela se mostre bastante conservadora.

A candidatura de Ciro Gomes que, teoricamente, se posiciona junto ao trabalhismo na “centro-esquerda”, é a mais sólida em termos de propostas econômicas e alinhamento estratégico do Estado brasileiro. Ao mesmo tempo, Ciro não foi alçado à composição de alianças pelo lulismo e acabou indicando a senadora latifundiária Katia Abreu (PDT-TO) como representante do agro modernizado e com alguma noção de nacionalismo. Eu colocaria o Ciro como um candidato nacionalista clássico, sem um perfil classista e, como tal, necessariamente, aliando-se com a parcela do empresariado brasileiro restante. Na centro-esquerda temos a candidatura do ex-presidente Lula (PT) com Manuela D’ávila (PC do B) de vice mais provável, cuja aliança tem ainda o PROS e o PCO. Quase seguro que o substituto de Lula será o ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad , fechando a chapa Haddad-Manuela. Em termos de política econômica, possivelmente, essa chapa executaria medidas semelhantes daquelas propostas por Ciro, modificando o estilo de governo e o grau de rejeição dos grupos de mídia e do aparelho Judiciário, ou mesmo da parcela mais engajada politicamente do Ministério Público Federal – MPF. Já a candidatura de esquerda, apontando um reformismo radicalizado (comparável ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, no primeiro turno de 1989) é a de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara (PSOL-PCB), aglutinando setores de movimentos sociais brasileiros do século XXI.

IHU On-Line – Qual desses projetos seria mais adequado para o Brasil na atual conjuntura e por quê?
Bruno Lima Rocha – Essa é uma pergunta delicada, porque quando afirmamos o “melhor para o Brasil”, estamos trazendo à tona o modelo clássico de posicionamento de um Estado da Semiperiferia, dentro do Sistema Internacional e do Sul Global. Neste sentido, as candidaturas que vão do trabalhismo à esquerda seriam menos prejudiciais ao povo brasileiro do que o centro-direita, direita e extrema direita. O problema de fundo é outro. Primeiro: se o novo governo não reverter as medidas tomadas pelo governo ilegítimo de Temer (como a EC do teto dos gastos, por exemplo), não terá margem para quase nada. Segundo: se esta nova administração não defender tanto o patrimônio como a soberania nacional e suas reservas estratégicas, estará hipotecando o futuro de nosso país. Terceiro: se o Poder Executivo não retomar o controle sobre o Banco Central e conseguir apoio popular para que a autoridade monetária fique submetida não aos especuladores e rentistas, mas sim à soberania popular, será muito difícil governar com um projeto distinto. Quarto: quaisquer destas candidaturas, se eleitas, caso não venham a mudar tanto a correlação de forças internas e deixar de confiar no modo “republicano” de lealdade com as elites dirigentes e da classe dominante, como na “não interferência” da Superpotência (EUA) e da potência concorrente (China), estaremos apenas adiando o futuro ciclo de crises institucionais e golpes jurídico-midiáticos. Logo, o projeto político que componha um protagonismo do povo organizado e dispute a consciência das maiorias em todos os níveis (assim como promova uma descolonização de nossa sociedade) não passa pelas urnas. Entretanto, reconheço que as candidaturas que vão do trabalhismo, centro-esquerda e esquerda reformista são mais apropriadas para melhorarem a condição de vida do que as demais. Insisto: é na acumulação de forças para além do jogo (ou jogatina) eleitoral que deveria apostar todas as fichas às esquerdas brasileiras.

IHU On-Line – Como avalia a postura do PT em insistir na candidatura do ex-presidente Lula? Qual é o significado político disso, especialmente considerando a atual situação do país e a necessidade de se pensar um projeto de futuro?
Bruno Lima Rocha – O PT se viu diante de um dilema. Considerando que o ex-presidente foi condenado com ausência de provas contundentes e o processo de impeachment da ex-presidente Dilma foi um golpe jurídico-parlamentar, não lhe restou alternativa a não ser consolidar o nome de Lula como o referente político mais importante do país. Se por acaso Lula for autorizado a concorrer – é quase certo que ganha –, o país se coloca, automaticamente, na sequência da insegurança jurídica. Mas, ao mesmo tempo, não há sinal algum que as prerrogativas da Força-Tarefa e a evidente seletividade na punição vão interromper sua atuação. A operação Lava-Jato criminalizou todo o modelo econômico anterior e cometeu evidentes irregularidades, como difundir uma conversa presidencial no exercício do mandato (entre Dilma e Lula). Ao mesmo tempo, estes operadores incidem sobre o mundo da política e o empresariado industrial que atua no Brasil e nada indica que vão parar. Há um mérito na punição dos crimes de elite e uma absurda paralisia da economia brasileira. Lula, segundo a direção nacional do PT, seria um nome para garantir o pacto interno ou algum tipo possível de arranjo, mesmo com a sociedade bastante polarizada. A meu ver, o PT não teria outra alternativa, embora fosse mais garantido uma tentativa concreta de aliança mais ampla no primeiro turno (com Ciro, por exemplo) e, assim, ampliar a margem de legitimidade. Me preocupa uma vitória apertada no segundo turno, pois vai repetir o processo de “venezuelização” vivido em 2014 e 2015, culminando no golpe de abril de 2016.

IHU On-Line – Nesta semana PT e MDB anunciaram alianças em alguns estados. Como compreende esse fenômeno depois do episódio do impeachment?
Bruno Lima Rocha – O PT se tornou uma versão de centro ou centro-esquerda (dependendo da posição dos demais agentes políticos) do pragmatismo político marcado por um jogo de alianças onde o mais relevante é atingir postos de poder em todas as escalas. Não me surpreende e nem tampouco me parece uma novidade, pois o jogo de alianças nas eleições municipais de 2016 também teve essa mesma marca. Os simpáticos a essa tese dirão que se trata de uma postura pragmática, outros – onde me incluo – condenam veementemente essas práticas, pois elas deslegitimam todo o processo político por esquerda, mesmo o PT não sendo, há muito tempo, um partido deste campo. Vale posicionar: o PSOL ocupa, no século XXI, o posto do PT na década de 1980.

IHU On-Line – De outro lado, como avalia o isolamento de Ciro Gomes? A que atribui esse isolamento político?
Bruno Lima Rocha – Ciro Gomes só romperia este isolamento em duas situações: se pudesse compor com o PSB um campo próprio, tentando marcar o tal desejado “centro da política”. Outra condição seria uma ampla unidade, onde ele, Ciro, pudesse encabeçar como candidato a presidente ou como vice. Com o esvaziamento nacional do PSB – movimento coordenado pelo PT – e a aliança presumida de PCdoB e PT, e mais a articulação do Centrão a favor de Alckmin, os espaços de articulação de Ciro Gomes realmente esvaziaram. Ainda resta algum tipo de composição de segundo turno, como Ciro Gomes, hipoteticamente, cotado para a pasta da Fazenda de Haddad (ou Lula). Mas, para a campanha de primeiro turno, o trabalhismo corre por conta e possivelmente pode queimar futuras alianças caso um pacto de não agressão com Lula (Haddad) e Manuela não seja estabelecido.

IHU On-Line – Quais são as consequências políticas da aliança entre o PSDB e o Centrão?
Bruno Lima Rocha – Algumas evidências já podem ser refletidas. Passa pela disposição das oligarquias mais tradicionais, incluindo poderosas parcelas da bancada neopentecostal, de se alinharem com um projeto testado (o PSDB), e com um experimentado político (Alckmin, ex-governador de São Paulo). Ou seja, na hora das contas de campanha, tempo no horário eleitoral e composição dos palanques estaduais, simplesmente as possíveis alianças em torno de Bolsonaro correram para o PSDB. O Centrão e o PSDB implicam também numa garantia de “governabilidade”, dando sequência ao programa do governo ilegítimo, às medidas de governo seguidamente derrotadas nas urnas poderão ser levadas adiante com uma ampla maioria no Congresso e o devido apoio dos conglomerados de mídia. Por fim, além da rejeição a Bolsonaro vinda da direita mais consolidada – o que não descarta uma chance de convocarem voto útil nele em segundo turno –, também implica um rechaço ao governo Temer e tudo o que a ele se associa. Como o eleitor tende a vincular apenas a candidatura que defende o legado, a de Meirelles, o PSDB e seus aliados podem tentar marcar um campo imageticamente distante de Temer, o que não se comprova quando observamos o padrão de votação no Congresso.

IHU On-Line – Como você avalia, de outro lado, a candidatura de Bolsonaro? O que explica o fato de parte do eleitorado declarar intenção de votos a ele?
Bruno Lima Rocha – Bolsonaro tenta marcar uma posição de “outsider” (como diz o termo do anglicismo) e traz a conjunção de tudo de mais nefasto que o Brasil gerou nos últimos anos de “transe político”. Ele não é um neófito da política profissional – sétimo mandato – mas traduz o senso comum conservador na era da internet. Para fazer uma caracterização, é como uma conversa impublicável de uma família de classe média ou de um grupo de homens que, ao contrário de se manter no mundo privado, se transforma em bandeira política coletiva. Na “corrida ao tesouro”, iniciada no terceiro turno de 2014, ele é o que teve maior fôlego e venceu a batalha das redes sociais contra os adversários de extrema direita. Para analisarmos sua densidade eleitoral – ao menos nas pesquisas estimuladas –, seria necessário localizar as práticas societárias mais abjetas como as execuções extra-legais, a misoginia, o racismo manifestado através de injúria racial e posicionamento anti-indígena e um saudosismo irracional do período da ditadura. Bolsonaro tenta modernizar seu discurso, “lavando-o” para a campanha, mas entra em contradição imediata, porque choca entre a posição de defesa da política econômica da ditadura (como a acertada construção de infraestrutura no Brasil) e terceirização da área econômica, para um neoliberal convicto como o economista Paulo Guedes. A contemporaneidade de Bolsonaro é marcada na aliança com o pior do neopentecostalismo e a chamada “cruzada contra ideologia de gênero”, além da confluência com os jovens ultra liberais e as redes da Atlas Network na posição reacionária do famigerado “escola sem partido”.

IHU On-Line – A escolha dos vices tende a ter que tipo de impactos nas candidaturas do PT, do PSDB e do PSC?
Bruno Lima Rocha – São impactos distintos. No PSC, o vice compõe a chapa com o senador Álvaro Dias, que criou sua própria legenda e tenta se posicionar ao “centro” da política, mas termina sendo o político mais alinhado com a Lava-Jato e o conservadorismo paranaense. Para o PT, a escolha do vice é a escolha do substituto de Lula, caso o ex-presidente não tenha sua candidatura homologada pelo TSE. Na prática, a vice é a deputada estadual Manuela d’Ávila (PC do B) e caracteriza a aliança da centro-esquerda consolidada no país. A jogada mais importante na composição de vice foi a de Alckmin, ao convidar a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS). O tucano marca uma clivagem, tanto no voto feminino, como no passado arenista do sul do país, assim como uma entrada maior nas preferências do latifúndio. Vice-presidente nunca foi decorativo e diante da instabilidade política é uma posição cada vez mais relevante.

IHU On-Line – Por que candidaturas como a Boulos e Marina não têm uma expressão significativa de intenções de voto?
Bruno Lima Rocha – A densidade eleitoral não é o forte de Marina, embora ela sempre se posicione com uns dez pontos de partida. Acredito que para a ex-ministra do Meio Ambiente e ex-petista, o que falta é um projeto definido que a demarque na centro-direita com alguma organicidade. A Rede se comporta como qualquer partido tradicional brasileiro, com alianças de ocasião e pragmatismo político. Já a candidatura de Boulos é muito viável no médio prazo, como foi a de Lula ao longo do tempo. Se o PSOL mantiver esta proposta eleitoral, sem flexibilizar seu programa, pode vir a ganhar em eleições futuras, isso se tivermos um processo eleitoral completo a partir do próximo mandato. Mas, de imediato, é como o PT nos anos 1980. Se as bases sociais organizadas e a influência digital do PSOL não forem hipotecadas por um projeto eleitoralista apenas, as chances de vitória de Boulos em duas ou três eleições podem ser bastante grandes.

IHU On-Line – Quais são os temas fundamentais a serem discutidos no país neste momento, tendo em vista um projeto de desenvolvimento futuro?
Bruno Lima Rocha – Esta sem dúvida é a pergunta mais delicada de toda a entrevista. O país precisa encontrar-se consigo mesmo, com a América Latina, com a África e o Sul Global. Do contrário seremos eternamente um território inacabado, marcado pelo racismo de classe e uma crença absurda nas “instituições republicanas”, o que não garante nenhuma capacidade de exercício da soberania popular. Assim, listando de modo geral, vejo que o primeiro passo é reverter as absurdas medidas tomadas pelo governo ilegítimo (como a PEC do Teto dos Gastos; a derrubada dos Direitos Trabalhistas; a reforma do ensino médio; a recuperação da Petrobras; cessar a privatização do sistema elétrico, etc.) e, ao mesmo tempo, confrontar toda a legislação racista e genocida - como a PEC do Genocídio, do Marco Temporal para os territórios indígenas e quilombolas, além de avançar nas garantias dos direitos das mulheres e LGBTs.

O desenvolvimento do país deveria ser baseado na defesa da soberania popular, da descolonização, da subordinação das instituições formais ao povo brasileiro e dos projetos baseados em sustentabilidade e defesa dos biomas naturais. Logo, passa por defender as reservas estratégicas, como o Pré-Sal e as províncias minerais, mas, urgentemente, em modificar o modelo primário exportador (uma forma de colonialismo). Simultaneamente, precisamos avançar na área científica, não permitir a presença tão intensa de capitais chineses e transnacionais em setores estruturais (como a energia elétrica de São Paulo) e buscar retomar o tempo perdido em áreas com tecnologia digital para rádio e TV, semicondutores, energia alternativa e materiais de construção sustentáveis.

Porém, nada disso tem validade se algum ciclo de crescimento econômico não for de desenvolvimento, entrando em novas cadeias de valor e, no final, as camadas mais pobres da sociedade não se tornarem mais organizadas e prontas para defender seus direitos e condições de vida. Assim, precisamos retomar o controle público sobre o orçamento, subordinar o Banco Central ao povo brasileiro e avançar em políticas públicas em todos os níveis de governo. Para assegurar a luta pela hegemonia cultural no país, aplicar o Capítulo V da Constituição Federal e democratizar a mídia brasileira, ainda mais na era multiplataformas e de convergência digital. A única saída é essa disputa associada ao emprego de mecanismos plebiscitários de democracia, tirando poder das oligarquias e colocando contra a parede as relações assimétricas dentro do Estado brasileiro, começando pela presença do capital especulativo, da acumulação rentista e do estamento togado, que é cada vez mais autônomo e opera em defesa dos próprios interesses.

Por fim, estes desafios citados são decididos na organização popular e não subordinando no reboquismo ao governo de turno. Ou seja, como dizia José Gervasio Artigas, general de homens e mulheres livres à frente da Liga Federal: “não podemos contar a não ser com nós mesmos”. O destino do povo brasileiro é decidido com a luta popular. Minha certeza é que, cada vez mais, a defesa de Palmares e Pindorama não passam pelas instituições pós-coloniais e sim pelo protagonismo de nossa população organizada.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Bruno Lima Rocha – Acredito que o período de instabilidade política no Brasil e na América Latina vai continuar, mesmo porque estamos diante de uma contra ofensiva neoliberal e reacionária, antipovo e inimiga dos povos afro-indo-latino americanos. Diante das ameaças internas, como no ciclo de golpes jurídico-midiático-parlamentares, da crise do mandonismo por centro-esquerda e da evidente projeção de poder dos EUA sobre os países latinos, a única possibilidade para nosso país e Continente é seguir o caminho narrado por Aníbal Quijano , descolonizando nossos saberes e expectativas de realizações. Ao contrário do que parece, a constância latino-americana é a inconstância político-institucional e a melhoria de vida e avanço dos direitos coletivos (como num intento de radicalização e aprofundamento da democracia) depende menos dos arranjos entre tecnocratas, elites políticas e oligarcas empresariais e mais do movimento popular auto-organizado. ■

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- O assassinato de Marielle Franco e a opressão estruturante no Rio de Janeiro. Artigo de Bruno Lima Rocha, publicado nas Notícias do Dia de 19-03-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

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