Edição 211 | 12 Março 2007

Os fatores do desmatamento na Amazônia

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IHU Online

Ane Auxiliadora Costa Alencar é graduada em Licenciatura e Bacharelado em Geografia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Cursou mestrado em Environmental Remote Sensing And Gis pela Boston University, Estados Unidos. Atualmente, é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Possui experiência na área de Geociências, com ênfase em Geografia Física. Atua abordando os temas conservação da Amazônia, modelagem espacial, mapeamento de incêndios florestais, sensoriamento remoto, degradação florestal e estatística espacial. Por e-mail, ela afirmou à IHU On-Line que “os principais agentes do desmatamento nos últimos seis anos têm sido a expansão do cultivo de grãos e da pecuária, além da grilagem de terras e da melhoria de infra-estrutura de transporte”. Confira essas e outras informações na entrevista que segue.

IHU On-Line - Como funciona o mapeamento de incêndios florestais e o que ele tem demonstrado a respeito da Amazônia? Como o mapeamento auxilia na conservação desse ecossistema e que outras técnicas têm sido utilizadas?
Ane Alencar
- O mapeamento de incêndios florestais é feito com base na classificação de imagens do satélite Landsat. Os sensores TM e ETM, a bordo dos satélites Landsat 5 e 7, respectivamente, conseguem diferenciar as marcas deixadas pelo fogo de superfície em florestas da Amazônia. Esta diferenciação é possível, pois estes sensores conseguem capturar a diminuição na proporção de biomassa/necromassa decorrentes do fogo, assim como a redução da quantidade de água no interior da floresta. Essas mudanças geram uma resposta espectral que pode ser detectada em imagens Landsat até, no máximo, um ano após o fogo. Este mapeamento é importante, à medida que pode indicar as áreas florestais que já estão degradadas e são susceptíveis a futuros incêndios.

É bom lembrar que os incêndios florestais na Amazônia não são eventos comuns - pelo menos considerando a história recente da região. Se a floresta não sofrer nenhuma interferência humana direta como, por exemplo, uma exploração seletiva de madeira ou aumento da fragmentação florestal devido ao desmatamento, ela não pega fogo, a não ser em casos de eventos climáticos extremos, como aconteceu em Roraima, devido ao El Niño de 1997/1998 e, mais recentemente, no Acre em 2005. Ainda assim, esses incêndios só aconteceram porque a fonte de ignição foi humana. Entretanto, esta resistência da floresta ao fogo está sendo reduzida pela intensificação das atividades econômicas na região, ligadas à intensa exploração seletiva de madeira e ao desmatamento. Alguns cientistas acreditam que o risco do aumento da freqüência e intensidade desses incêndios na região pode levar a uma mudança na estrutura e composição da floresta, favorecendo o estabelecimento de plantas mais adaptadas ao fogo. Outras técnicas de monitoramento e mapeamento de fogo na região utilizam sensores termais que, baseados na detecção de altas temperaturas da superfície da terra, indicam a ocorrência de fogo. Estes sensores, como o AVHRR e MODIS Terra ou Aqua, cobrem com maior freqüência a região e conseguem capturar atividades diárias de fogo. Contudo, tais sensores têm limitações no que diz respeito à distinção do tipo de fogo capturado e à definição mais precisa da área queimada. Eles são muito eficazes para indicar a ocorrência de fogo fora da floresta como, por exemplo, o fogo utilizado para a manutenção de pastagens e áreas agrícolas, assim como também aqueles utilizados para queimar a biomassa florestal logo após a derrubada (desmatamento). Infelizmente, mais estudos precisam ser feitos para adaptar o uso destes sensores de alta freqüência temporal para a detecção de incêndios florestais, principalmente os de superfície.

IHU On-Line - Estatísticas indicam que cerca de 14% da Amazônia já foi destruída. Qual é o impacto dessa destruição frente ao que resta do ecossistema?
Ane Alencar
- Na realidade, até 2006, aproximadamente 18% da cobertura florestal da Amazônia já foi desmatada. O impacto da derrubada de florestas nativas pode afetar o clima tanto local quanto regional. Dependendo da extensão contígua da área desmatada, a mudança da cobertura florestal para outro tipo de uso do solo tem impacto na quantidade de radiação que é absorvida e emitida. Sem a floresta a superfície fica mais quente, o que, dependendo do tamanho da superfície desmatada, pode ter impacto direto na formação de nuvens e, por conseguinte, na diminuição da ocorrência de chuvas. Grandes desmatamentos ao longo dos rios também influenciam no sistema fluvial da região. O assoreamento de rios é o mais conhecido dentre os efeitos do desmatamento na dinâmica dos rios.

Desmatamento

Além disto, existe a influência direta do desmatamento no escoamento superficial, podendo causar cheias muito intensas. Não posso deixar de mencionar o impacto que ele gera no que diz respeito à perda de uma riqueza ainda pouco explorada, que é a biodiversidade da floresta Amazônica. Também não posso esquecer do povo da floresta, daqueles produtores que vivem de produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, os quais, sem sua principal fonte de recursos naturais, perdidos em razão do desmatamento, tendem a migrar para os grandes centros urbanos ou migrar para áreas de fronteira agrícola, onde a disputa pela terra e recursos é grande e violenta. O desmatamento é ainda a principal fonte de emissão de gás carbônico do Brasil, contribuindo diretamente para o processo do aquecimento global.

IHU On-Line - Os ambientalistas alegam que o desmatamento da Floresta Amazônica está contribuindo para o aquecimento global. É possível estabelecer uma relação direta entre esses dois fatores? E as queimadas, como se situam nessa questão?
Ane Alencar
- O Brasil está entre os dez países que mais emitem gás carbônico, que é subseqüentemente liberado para a atmosfera. Este gás representa um dos principais gases que promovem o efeito estufa e que levam ao aquecimento do planeta. Em torno de 75% das emissões nacionais são decorrentes de queimadas e desmatamento. A contribuição da queima de florestas brasileiras para as emissões de gases que promovem o aquecimento global é inegável. Além disso, a diminuição da área florestal através do desmatamento gera, por conseguinte, um menor consumo de gás carbônico pela floresta.
 
IHU On-Line - Atualmente, quais seriam os principais fatores responsáveis pela destruição da Amazônia? O que pode ser feito a curto prazo para amenizar a situação? A médio e a longo prazo, quais são as chances de se reverter o estrago que já foi feito?
Ane Alencar
- Os principais agentes do desmatamento nos últimos seis anos têm sido a expansão do cultivo de grãos e da pecuária, além da grilagem de terras e da melhoria de infra-estrutura de transporte. Estes quatro fatores estão interligados e têm tido maior ou menor peso dependendo da região. No Mato Grosso, que até 2005 ocupava o posto de estado brasileiro com maior taxa de desmatamento, sem dúvida a expansão do cultivo de grãos, principalmente de soja, promoveu direta e indiretamente o desmatamento. Diretamente, grandes áreas localizadas, sobretudo a leste do Parque Indígena do Xingu, foram convertidas de floresta para campos de soja. Assim, indiretamente, áreas desmatadas anteriormente utilizadas como pastagem para o gado foram substituídas por cultivos agrícolas, criando o incentivo para o desmatamento de novas áreas para a formação de pastos, com o intuito de comportar os rebanhos que foram “desabrigados” pela soja.

A expansão do agronegócio também reflete no aumento do desmatamento em áreas de fronteira agrícola, como muitas regiões no oeste do Pará e no sul do Amazonas. O lucro gerado por estas atividades, associado ao aumento do preço da terra também, devido aos altos investimentos proporcionados pelo agronegócio, tem incentivado a compra de terras em áreas de fronteira agrícola. Entretanto, muitas dessas áreas adquiridas na região de fronteira têm documentação ilegal e são negociadas com grileiros que, para demonstrar sua propriedade, desmatam grandes áreas e as abandonam posteriormente. O processo de especulação imobiliária, promovida por grileiros nas regiões de fronteira agrícola da Amazônia, está intimamente associado à melhoria da infra-estrutura de transporte como, por exemplo, a abertura ou pavimentação de rodovias. Só o anúncio de pavimentação da BR-163, conhecida como Cuiabá-Santarém, desenfreou uma onda de especulação imobiliária e desmatamento, que se acredita ter sido amenizada com a ação do governo Federal, através da criação de mosaicos de Unidades de Conservação e de um Distrito Florestal. Atitudes como essa, na qual o governo mostra sua força e sua presença como agente regulador e executor, são importantes para, a curto prazo, diminuir o desmatamento ilegal.

O papel dos consumidores

A médio e a longo prazo, é importante incentivar os agricultores e pecuaristas da Amazônia a produzirem dentro da lei, mas, para isso, será preciso que o mercado exija padrões de boas práticas na produção. Esta espécie de certificação tende a influenciar positivamente a prática produtiva, assim como engajar produtores num processo de recuperação dos danos ambientais proporcionados por suas práticas no passado. Nós, como consumidores, temos um papel fundamental neste sentido, pois podemos cobrar do mercado (compradores, indústrias, fornecedores) uma melhor qualidade socioambiental no processo de produção do que estamos consumindo.     

IHU On-Line - A melhoria da qualidade ambiental do país depende também de uma mudança cultural por parte da população. Qual é o papel da sociedade civil na mudança de rumo na condução da questão ambiental?
Ane Alencar
- A sociedade urbana do Brasil, que representa grande parte da população do nosso país, pode ser muito importante na condução da questão ambiental, principalmente quando ela começar a reagir cobrando melhor qualidade socioambiental dos produtos e exigindo do Estado Brasileiro mais empenho no combate ao desmatamento ilegal - aquele desmatamento improdutivo ou que ultrapassa os limites previstos pelo Código Florestal. Acho importante frisar que não sou a favor do desmatamento zero na Amazônia, pelo simples fato de achar isso impossível. Temos que entender que alguns produtores da região precisam desmatar para continuarem produzindo. Entretanto, sou extremamente contra o desmatamento desnecessário ou aquele que vai contra a lei. Além disto, grande parte das áreas que já foram desmatadas na região encontra-se hoje em estado de abandono ou degradadas. O aproveitamento de tais áreas poderia impactar significativamente na redução das taxas de desmatamento.

IHU On-Line - Como o governo Lula conduziu a questão ambiental no primeiro mandato? E quais são as perspectivas sobre o assunto para a gestão que inicia?
Ane Alencar
- Esta é uma questão complexa. O governo como um todo tem que decidir o que quer para a Amazônia. O Ministério do Meio Ambiente tem se esforçado bastante para promover um processo de revolução no que diz respeito ao tipo de desenvolvimento que atinja positivamente os moradores da região e que respeite os recursos florestais da Amazônia. Suas conquistas, apoiadas pelo presidente, têm sido um grande investimento no planejamento e na definição das áreas que devem ser dedicadas a proteção e ao uso sustentável. Entretanto, o Governo Lula também se sente pressionado por outros setores que vêem a Amazônia somente como uma fonte de recursos naturais e que não consideram que a população amazônica mereça receber os benefícios destes recursos. Esses setores pregam um modelo de desenvolvimento baseado na exploração dos recursos naturais com baixa geração de impostos, exploração da mão-de-obra local e concentração de renda e terra, aumentando a desigualdade social na região e, por conseguinte,a degradação ambiental.

IHU On-Line - De que forma o país tem se preparado para prevenir ou remediar questões ambientais como as que afloram atualmente (efeito estufa, cheias, secas, etc)?
Ane Alencar
- Minha avaliação é que o Brasil, assim como muitos países do mundo, ainda não está preparado para enfrentar eventos climáticos extremos. Infelizmente, parece ser da natureza humana o fato de só pensarmos em nos preparar depois que acontecer algo. Investimos pouco em prevenção. No entanto, o Brasil começou a pensar e aceitar o fato de que pode diminuir seu papel na emissão de gases do efeito estufa. Isto já é um começo. A recente posição do Governo Brasileiro em lutar pela criação de mecanismos internacionais, que financiem o desmatamento evitado, parece ser uma sinalização das intenções do nosso país em relação a este tema.

IHU On-Line - Qual é sua avaliação com relação às grandes obras projetadas para a região, como a estrada Manaus-Porto Velho? Que conseqüências tais empreendimentos podem causar?
Ane Alencar
- Obras de infra-estrutura são sempre difíceis de se avaliar. Acredito que se uma obra de infra-estrutura é necessária, devendo beneficiar diretamente a população local e evitar grandes danos ao meio ambiente no qual esta população vive. Dentro deste contexto, esta será uma obra de pouca polêmica e que terá o apoio da sociedade. Minha impressão é que a rodovia Manaus Porto-Velho é uma obra desnecessária, pois vai abrir uma área para expansão e para a grilagem em prol de poucos. Por que não pavimentar então a Transamazônica no Pará? Este investimento em infra-estrutura, sim, beneficiaria a população local e a milhares de produtores da região, que sofrem com as péssimas condições da rodovia, principalmente no período chuvoso. 

IHU On-Line - Quais seriam as alternativas para o desenvolvimento da Amazônia sem causar tantos impactos ao meio ambiente? O desenvolvimento sustentável ainda tem chances de se tornar realidade?
Ane Alencar
- Qualquer desenvolvimento que proporcione poucas mudanças nos ecossistemas da região e melhore a qualidade de vida da população que vive hoje na Amazônia seria o mais apropriado para a região. Não adianta ter estradas para todos os lados e grandes áreas desmatadas, se grande parte da população, que depende da floresta para sobreviver, estará na periferia das poucas cidades, fomentando o aumento da violência e da pobreza. A palavra sustentável para mim é utópica, mas não significa que não podemos deixar de usá-la. Ela expressa esse desejo de maior justiça social, econômica e ambiental.

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