Edição | 21 Mai 2018

A necessária reconciliação entre uma boa vida e um mundo finito

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João Vitor Santos | Edição: Ricardo Machado

Clítia Helena Backx Martins analisa as possibilidades de desenvolvimento em uma economia de não crescimento em seu sentido hegemônico e de não degradação ambiental

A história humana é repleta de casos de fim de impérios, desde os Antigos, passando pelos pré e pós-coloniais. Em muitos casos a queda desses impérios tem a ver com o esgotamento político de seus líderes normalmente vinculados à escassez de recursos que leva as populações à pobreza e ao ecocídio, quando não à dizimação completa. O que torna o problema incontornável, nos dias atuais, é que em um planeta globalizado pensar o desenvolvimento e o declínio dos países requer pensar suas implicações em sentido mais amplo. “Para Tim Jackson, o dilema contemporâneo consiste em como ‘reconciliar nossas aspirações por uma boa vida com as reservas de um mundo finito’, ou seja, como viver dentro dos limites impostos pela natureza buscando uma prosperidade mais sustentável e equitativa. Ele assume que a crise econômica (e social, política, ambiental...) seria uma oportunidade única para investir na mudança”, analisa a professora e pesquisadora Clítia Helena Backx Martins, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Nesse sentido, Clítia lembra que o autor propõe uma outra noção de desenvolvimento. “Para ele, desenvolvimento sustentável faz sentido para a economia apenas se entendido como desenvolvimento sem crescimento – a melhoria qualitativa de uma base econômica física que é mantida num estado estacionário pelo transumo de matéria-energia, no limite das capacidades regenerativas e assimilativas do ecossistema”, pontua. “Para definir o que é prosperidade, ele leva em conta dois fatores principais: coletividade e continuidade. O primeiro fator se relaciona à ideia de que o propósito e o progresso humanos apenas são possíveis se houver prosperidade social, coletiva, partilhada. O segundo fator tem a ver com a durabilidade da prosperidade, vinculada à questão fundamental dos limites ecológicos no planeta”, complementa.

Clítia Helena Backx Martins é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. É diretora da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. Foi professora da PUCRS (1997-2011) e professora substituta na UFRGS (2007-2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O conceito de “crise sistêmica” pode contribuir para a compreensão do momento atual? Como Tim Jackson avalia os enfrentamentos que vêm sendo feitos diante da crise global?
Clítia Helena Backx Martins – Desde 2003, Tim Jackson tem dirigido suas pesquisas para as relações entre consumo, estilo de vida e sustentabilidade. Não obstante, é pertinente contextualizar seu livro Prosperidade sem crescimento (São Paulo: Editora Planeta Sustentável, 2013). Tendo sua versão original em 2009, ele foi lançado em um momento em que o mundo enfrentava as repercussões de uma forte crise econômico-financeira, que teve seu epicentro inicial nos Estados Unidos, atingiu a Zona do Euro e se espalhou rapidamente para outros países.

Jackson sublinha que as raízes da crise vêm do esforço para liberar crédito com o intuito de financiar a expansão econômica no mundo, sendo o processo de crise apenas uma parte da “falha sistêmica no paradigma econômico corrente”. Como ele menciona em palestra no lançamento do seu livro no Brasil, em 2013, “a mensagem mais clara da crise financeira de 2008 é de que o nosso modelo de sucesso econômico é fundamentalmente falso. Para as economias avançadas do mundo ocidental, prosperidade sem crescimento não é mais um sonho utópico. É uma necessidade financeira e ecológica”.

A noção de crise sistêmica tem a ver com a complexa rede de eventos e de fatores que impactam a vida moderna, podendo-se pensar em crises em várias dimensões: econômica, social, política, ambiental, cultural, ética, e com abrangência geográfica diversa – local, regional, nacional, global. Pode abarcar também as crises nas comunidades, nas relações humanas, enfim, tudo o que afeta o tecido social em um determinado contexto.

Na abordagem da Sociedade de Risco Mundial - Em Busca da Segurança Perdida (Coimbra: Editora Almedina, 2015), Anthony Giddens e Ulrich Beck destacaram os aspectos contemporâneos de risco e de incerteza, colocando-os como centrais no debate social. Por sua vez, Jared Diamond , em seus diversos livros, mas principalmente em Colapso (Rio de Janeiro: Record, 2005), adverte que mesmo as sociedades mais ricas e tecnologicamente avançadas enfrentam problemas ambientais e econômicos crescentes que não devem ser subestimados.

Diamond demonstra as formas extremas de declínio levando ao processo de ecocídio (suicídio ecológico não intencional) ocorrido em algumas sociedades antigas e outras modernas, em decorrência de problemas ecológicos derivados da destruição de recursos ambientais essenciais para o suporte dessas sociedades. Como exemplos de sociedades antigas que entraram em colapso, ele cita os Maias, os Anasazis, os antigos habitantes da Ilha de Páscoa e os Vikings na Groenlândia; seus exemplos contemporâneos de colapso seriam a Somália e a Ruanda, na África.

Os desafios às sociedades atuais, a seu ver, são os mesmos das sociedades antigas, como impacto do crescimento demográfico, problemas com o desmatamento, e uso intensivo do solo e da água, acrescidos das ameaças mais recentes como as mudanças climáticas causadas por atividades antrópicas, o acúmulo de produtos químicos tóxicos no ambiente, a carência de fontes limpas de energia e a utilização total da capacidade fotossintética da terra, entre outras. Os efeitos nefastos emergiriam sob a forma de fome generalizada, guerras externas e conflitos internos, e perda da complexidade social.

Tim Jackson partilha dessas visões, embora não tão explicitamente, ao se referir a perdas humanitárias resultantes de crises. Sobre os enfrentamentos, ele coloca com frequência o poder público no relevante papel de estimular as atividades que sejam essenciais para a sociedade e de se contrapor de maneira adequada aos efeitos das crises, estimulando atividades verdes. Estas medidas podem incluir impostos ambientais e o lançamento de papéis verdes do Tesouro, ligados diretamente a investimentos de baixo carbono – mais sustentáveis do ponto de vista ambiental. Da mesma maneira, ele defende primordialmente a participação pública no setor de energia.

Jackson, entretanto, critica o fato de que na crise financeira de 2007-2008 o governo norte-americano tenha utilizado uma soma vultosa de dinheiro público para socorrer os bancos privados envolvidos na crise, enquanto as famílias que tiveram grandes perdas não receberam qualquer compensação.

Sobre a ação governamental, o autor indica ainda a necessidade de medidas de estímulo para os grupos mais pobres, reconhecendo que cortar gastos sociais “afeta a capacidade de as pessoas florescerem – um golpe direto na prosperidade”.

IHU On-Line – Quais os conceitos de “prosperidade” e “crescimento” na visão do autor? De que forma essa sua abordagem contribui para pensarmos na emergência de novas formas de desenvolvimento?
Clítia Helena Backx Martins – Para Jackson, o que importa é o fato de que a prosperidade não se traduz necessariamente em crescimento do Produto Interno Bruto - PIB, uma vez que significa, na realidade, construir uma sociedade mais justa e melhor, alcançando o bom viver.

Para definir o que é prosperidade, ele leva em conta dois fatores principais: coletividade e continuidade. O primeiro fator se relaciona à ideia de que o propósito e o progresso humanos apenas são possíveis se houver prosperidade social, coletiva, partilhada. O segundo fator tem a ver com a durabilidade da prosperidade, vinculada à questão fundamental dos limites ecológicos no planeta. A noção de progresso baseada na expansão contínua de bens materiais, segundo Jackson, é indefensável. Além disso, a prosperidade de hoje deve levar em conta a prosperidade de amanhã.

Assim, ao argumentar que a noção de prosperidade transcende interesses materiais, o livro evidencia que, além de um certo ponto, o crescimento do consumo não aumenta o bem-estar humano, podendo inclusive contribuir para a redução do nível de satisfação total. Desse modo, ele defende a redefinição de prosperidade com base no que realmente contribui para o bem-estar das pessoas.

Para diversos autores da Economia Ecológica como Georgescu-Roegen (1971), Herman Daly (2004), Clóvis Cavalcanti (2012), o termo crescimento sustentável seria paradoxal, pois constitui uma “impossibilidade biofísica”. O dilema, nesse caso, é: como um sistema econômico de crescimento contínuo pode caber em um sistema ecológico finito? De maneira similar, eles explicam que desenvolvimento significa trazer gradualmente a um estado mais completo/melhor, ou tornar-se diferente. Já crescimento é simplesmente ficar maior. Conforme Daly (2004), nessa ótica, a economia deveria parar de crescer, porém poderia continuar a se desenvolver, já que o ecossistema terrestre desenvolve-se (evolui), mas não cresce. Para ele, desenvolvimento sustentável faz sentido para a economia apenas se entendido como desenvolvimento sem crescimento – a melhoria qualitativa de uma base econômica física que é mantida num estado estacionário pelo transumo de matéria-energia, no limite das capacidades regenerativas e assimilativas do ecossistema.

Assim, coloca-se o desafio fundamental – o sistema econômico depende de crescimento, de aumentar constantemente? Como fazer a economia funcionar, se as pessoas deixarem de consumir e exigir cada vez mais bens materiais?

Sobre isso, Tim Jackson pontua em diversas passagens do livro de que mais nem sempre é melhor: quantidade é diferente de qualidade. Citando o paradoxo do baixo nível de satisfação com a vida entre a população de economias avançadas, ele conclui que a opulência não traz necessariamente bem-estar subjetivo. Por outro lado, ele alerta sobre o crescimento desigual, com concentração crescente da renda e da riqueza no mundo. Conforme o autor, a desigualdade e a injustiça social são maiores hoje do que no passado. Em suas palavras: “(...) prosperidade para poucos, baseada na destruição ecológica e na persistente injustiça social, não é pilar para uma sociedade civilizada”.

O autor cita Amartya Sen , cuja visão de desenvolvimento é a de que este corresponde a um processo de expansão das liberdades e oportunidades reais das pessoas, ou seja, uma mudança qualitativa no sentido da capacidade dos indivíduos de realizarem escolhas.

Para Jackson, uma sociedade próspera só pode ser concebida como aquela na qual as pessoas tenham a capacidade de florescer de certas formas básicas. Sua visão alternativa de prosperidade é, portanto, “aquela em que seja possível fazer com que os seres humanos cresçam, que se atinja maior coesão social, que se encontrem níveis mais altos de bem-estar e ainda se reduza o impacto material sobre o meio ambiente”. Essa visão abarca dimensões sociais e psicológicas, como trabalho útil, sensação de pertencimento e confiança na comunidade, com valores éticos de solidariedade e de responsabilidade social.

A ideia é de que a prosperidade como propósito de desenvolvimento e valor ético remeta a um estado de felicidade justificado e sustentável, algo que dure e seja coletivo; não apenas hedonismo passageiro de prazer pessoal (Cavalcanti, 2013). Na mesma linha de pensamento, Jackson, citando Avner Offer, reitera que “(...) a verdadeira prosperidade é um bom equilíbrio entre a excitação de curto prazo e a segurança de longo”.

IHU On-Line – Há bastante tempo, o Brasil vem apostando no consumo como forma de crescimento econômico. Mas quais os limites dessa perspectiva? Quais os desafios para se superar esse estado de crises de forma alternativa à via do estímulo ao consumo?
Clítia Helena Backx Martins – O Brasil, como se sabe, é um dos países que apresenta maior concentração de renda e desigualdade social no mundo. Embora do início da década de 2000 até 2015 tenha havido uma melhora relativa na distribuição de renda e consequente redução da iniquidade, ainda convivemos com carências graves nos setores de educação, saúde, habitação, saneamento e segurança. Assim, ao falarmos de consumo, temos que fazer uma distinção entre a questão de necessidade e a de desejo de consumir.

Em palestra proferida no lançamento do seu livro no Brasil, em 2013, Jackson questiona se são as necessidades que criam as inovações ou, ao contrário, as inovações é que criam novas e crescentes necessidades, invertendo a lógica. Ele argumenta que o desejo por novidades sempre teve um papel fundamental nas sociedades humanas, ancestrais ou atuais, porém nas sociedades anteriores mantinha-se uma ponderação entre a adesão às novidades e o apego ao que era tradicional. No capitalismo moderno, entretanto, isso se dilui, aceitando-se muito mais rapidamente as inovações, no contexto da influência da propaganda que ele denomina de Ciência do Desejo.

Ao mencionar a desigualdade brasileira, contudo, cabe lembrar que, dadas as diferenças de renda existentes no país, uma parcela significativa da nossa população não tem acesso suficiente ao conjunto de bens essenciais que asseguram o mínimo de bem-estar físico e psicológico a indivíduos ou famílias. Desse modo, mesmo que Tim Jackson faça a advertência sobre a expansão sem precedentes do consumo mundial entre 1990 e 2007, ele comenta, em outras passagens do livro, que ainda é preciso haver uma melhora na qualidade de vida nos países considerados mais pobres e que isso contempla um aumento na renda e na capacidade de aquisição daqueles que estiverem em situação de indigência. Contudo, segundo o autor, esse movimento necessariamente deverá passar por uma redistribuição dos recursos entre nações do Norte e do Sul, assim como entre os habitantes de um determinado país ou região.

O modelo de crescimento adotado no Brasil que tem início no século XX e se intensifica a partir dos anos 1930, acarretou um célere processo de urbanização, sem planejamento na maioria dos casos, e de gestação de uma classe média urbana que se somava às classes mais altas da elite brasileira, no acesso privilegiado a bens de consumo industrializados.

A expansão e integração nacional desse mercado interno de consumo foram fundamentais para todo o contexto de desenvolvimento da época e continuaram sendo até a atualidade, com algumas diferenças. Para a consolidação desse mercado, apostou-se em diversos tipos de produção e de consumo, como foi o processo de substituição de importações na primeira metade do século XX, principalmente com bens de consumo não duráveis, e, a partir dos anos 1950, com bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos. As classes altas e médias permaneceram sendo o mercado-alvo por excelência da produção nacional e o motor da economia residiu por algum tempo no atendimento ao consumo conspícuo por bens posicionais. Por sua vez, no mundo rural e nas periferias das cidades, o subconsumo seguiu entre camadas da população desatendidas pelo poder público e vivendo quase sempre na informalidade.

No entanto, apesar das crises econômicas sucessivas no país, das altas taxas de juros ao consumidor e dos períodos de pico de inflação, essa situação se modificou, em parte, nas últimas décadas, com maior acesso da população de baixa renda aos bens de consumo, como alimentos e vestuário. A ênfase, todavia, foi mantida em bens de consumo duráveis, que vinham preencher o desejo reprimido de segmentos da população até então excluídos desse tipo de consumo, o que se vincula a uma questão de pertencimento à sociedade da qual participam. Por outro lado, as necessidades essenciais como o atendimento à saúde, educação, saneamento, transporte público e outras já mencionadas não foram devidamente contempladas; e, pior ainda, nos dois últimos anos, com as crescentes restrições orçamentárias a gastos sociais por governos nas três esferas – federal, estadual e municipal - os serviços públicos tais como escolas, creches, postos de saúde e centros de recreação vêm sendo desmontados ou sucateados, com consequências preocupantes para a população como um todo, mas em especial para os grupos de menor renda.

Em síntese, nosso modelo pautado no consumo de bens produzidos a partir de insumos não renováveis, com técnicas intensivas em recursos energéticos igualmente não renováveis e poluentes, na obsolescência programada e no uso individual de veículos automotores não logra dar qualidade de vida sustentável à maioria da população e ainda por cima gera danos altíssimos e irreversíveis ao meio ambiente.

Os limites ecológicos desse modelo são claros, assim como a urgência de dotar a população mais carente com os bens e serviços necessários e essenciais à vida. Portanto, dentro da visão que Jackson apresenta, é importante que se dê mais espaço ao que realmente importa para alcançar a prosperidade: propósito, significado e qualidade de vida.

As alternativas são diversas e remetem a uma série de políticas de reeducação e conscientização ambiental, que priorize o trabalho útil e criativo, a produção de forma mais ecologicamente amigável, e a restrição de consumo para alguns itens, como alimentos produzidos com agrotóxicos, combustíveis contaminantes e itens desnecessários ou nocivos à vida no planeta.

IHU On-Line – Outra marca brasileira é a política econômica de desenvolvimentismo. Quais os limites dessa política? É possível se conceber um “desenvolvimentismo sustentável”?
Clítia Helena Backx Martins – Uma constatação óbvia é de que o modelo brasileiro não é, de forma alguma, sustentável no longo prazo, provavelmente nem no médio prazo.

Em um contexto de reconfiguração econômica global, observou-se no Brasil um forte crescimento produtivo no início dos anos 2000, de maneira similar à de outras economias latino-americanas, como a Argentina, o Uruguai, o Equador, a Bolívia e a Venezuela. Entretanto, essa nova etapa nada mais é do que um revival de uma arcaica divisão internacional do trabalho, em que os países da chamada periferia do sistema capitalista se especializariam na exportação de bens primários com baixo valor agregado para países centrais, ou, como no caso atual, para aqueles em processo de rápida e recente industrialização, como é o caso da China. A expressiva demanda chinesa por insumos como combustíveis fósseis, metais, minerais não metálicos e água – embutida nos produtos agrícolas exportados para esse país, tem levado a América Latina, em especial o Cone Sul, a um retrocesso produtivo no sentido da reprimarização e desindustrialização, com base em uma economia neoextrativista.

Nesse cenário, coloca-se o chamado “Consenso das Commodities”, termo cunhado pela pesquisadora argentina Maristella Svampa (2013) para designar o velho/novo papel assinalado aos países ricos em recursos naturais, que têm fundamentado suas economias em monoculturas, por meio do agronegócio, e/ou na extração mineral, na maior parte das vezes de forma predatória. Evidentemente, essa situação leva a uma exploração crescente do capital natural, causando fortes impactos ao meio ambiente na forma de geração de resíduos tóxicos, bem como pela própria deterioração e exaustão dos recursos, além da ocorrência de graves conflitos socioambientais atingindo populações tradicionais, como indígenas e quilombolas, e de denúncias sobre a utilização de trabalho escravo.

Contudo, a grande vulnerabilidade da economia brasileira frente à conjuntura internacional, em especial às oscilações da economia chinesa e norte-americana, nos deixou reféns das políticas de importação desses países, e também de seus critérios quanto à produção das commodities, o que em parte explica a crise econômica e socioambiental que o país atravessa. Por critérios de produção, estamos nos referindo a que muitas vezes as empresas sediadas nos países centrais adotam medidas rígidas de regulação ambiental e de proteção ao trabalho nos seus territórios de origem, mas os conglomerados transnacionais, ao instalar suas unidades extrativas em outras regiões do planeta, não têm os mesmos cuidados em relação ao meio ambiente e à mão de obra desses locais. Nesse sentido, pode-se citar a tragédia de Mariana , em que a responsável pela ocorrência é uma joint venture em que 50% das ações pertencem à empresa brasileira Vale, e os outros 50%, à anglo-australiana BHP Billiton.

De modo geral, esse modelo de pretenso desenvolvimento baseado na intensa exploração de recursos não renováveis como petróleo, gás e minérios; em monoculturas de soja, cana-de-açúcar e outros agrocombustíveis; e em criação de gado para exportação tem contribuído aceleradamente para o desmatamento das nossas florestas, para a contaminação das águas, para o esgotamento das reservas e para a perda dos meios de sobrevivência de uma parcela expressiva da população brasileira, em especial na Amazônia. Assim sendo, os limites da política de crescimento a qualquer custo são visíveis, mas ainda não estão sendo computados no planejamento e na contabilidade econômica. Novamente, como na questão do consumo, os limites dessa política são essencialmente ecológicos, dados pela capacidade de suporte dos ecossistemas, mas ao mesmo tempo são sociais e econômicos. Portanto, a sustentabilidade e a prosperidade, nesse modelo, não são factíveis.

IHU On-Line – Como avalia as políticas públicas de estímulo à gestão ambiental e desenvolvimento sustentável no Brasil de hoje?
Clítia Helena Backx Martins – Historicamente, tivemos no Brasil um arcabouço exemplar em termos de leis e políticas públicas dirigidas ao meio ambiente. Contudo, nossos problemas consistem no não cumprimento dessas leis, na falta de fiscalização e na ausência de prioridade para a educação ambiental, por parte do poder público, dos setores produtivos e da sociedade em geral. Por outro lado, percebe-se que todas as conquistas feitas desde a década de 1980 vêm sendo contestadas e até derrubadas por lobbies parlamentares, representando setores produtivos que normalmente não internalizam seus custos ambientais – ao contrário, repassam para a sociedade todo o ônus da contaminação dos seus processos de produção. Para esses setores, as regulações ambientais são meramente entraves ao que eles consideram como desenvolvimento e por isso as políticas e a gestão ambiental deveriam ser restringidas para poder contemplar seus interesses. Um exemplo disso foi a revisão do Código Florestal , que pendeu no sentido negativo à preservação ambiental. É uma situação lamentável, e, a continuar esse tipo de pressão político-econômica de grandes lobbies contrários à proteção ambiental, não podemos esperar que o Brasil implemente efetivamente as políticas públicas que levem a um processo de prosperidade no sentido conferido por Jackson.

Tomando o caso específico do Rio Grande do Sul, podemos dizer que o modelo atual do estado tampouco é sustentável no longo prazo.

Em termos do aumento de impactos ambientais, o avanço da monocultura na região da Campanha e a exploração de carvão são apontados como causa de prejuízos irreversíveis ao Bioma Pampa . Ademais, estudos que abordam mudanças climáticas preveem para o estado graves alterações nos próximos anos, com mais chuva, mais calor e mais enchentes.

Tanto como no Brasil, verifica-se no RS a ausência ou insuficiência de políticas públicas para a sustentabilidade: as cadeias de produção e consumo de produtos sustentáveis – a produção de alimentos orgânicos, por exemplo, desenvolve-se lentamente e tem mais dificuldade de obtenção de créditos financeiros e incentivos públicos do que a agricultura quimificada e transgênica. Outrossim, constata-se a falta de integração no sistema da gestão pública ambiental do Rio Grande do Sul e carência de planejamento para médio e longo prazo, assim como a ocorrência de previsão de investimentos sem a correspondente articulação com o sistema de licenciamento ambiental.

IHU On-Line – Quais os maiores desafios para se promover o desenvolvimento sustentável hoje? E quais exemplos existem nesse sentido?
Clítia Helena Backx Martins – Primeiramente, cumpre definir o que entendemos como desenvolvimento sustentável, já que existem diferentes versões sobre o que ele significa. Podemos defini-lo como um processo de desenvolvimento “que tenha durabilidade, seja economicamente viável, ecologicamente equilibrado, e capaz de propiciar às pessoas condições básicas para sua sobrevivência e exercício de cidadania” (Ibama, 2006).

Nesse contexto, os desafios para se promover o desenvolvimento sustentável e a transição para uma economia de baixo carbono dizem respeito a uma mudança profunda no atual paradigma econômico e à busca por outro modelo que propicie uma prosperidade real. Eles podem ser traduzidos em algumas questões básicas, que norteiem essa mudança. Podemos mencionar, entre outras: a manutenção das condições físicas ambientais dos constituintes do bem-estar; o fortalecimento da resiliência dos sistemas terrestres, capacitando-os a ajustar-se a choques e crises; e o empenho em evitar transferir dívidas de qualquer caráter, ecológicas ou financeiras, para gerações futuras (Streeten, 1995).

Para Tim Jackson, o dilema contemporâneo consiste em como “reconciliar nossas aspirações por uma boa vida com as reservas de um mundo finito”, ou seja, como viver dentro dos limites impostos pela natureza buscando uma prosperidade mais sustentável e equitativa. Ele assume que a crise econômica (e social, política, ambiental...) seria uma oportunidade única para investir na mudança.

Assim sendo, como evitar o colapso generalizado e promover a vida no planeta? O que torna certas sociedades especialmente vulneráveis? Por que algumas sociedades antigas cometeram ecocídio? Quais soluções foram bem-sucedidas?

Segundo Jared Diamond, a globalização torna impossível às sociedades modernas entrarem em colapso isoladamente, como ocorreu na Ilha da Páscoa ou com os Maias; enfrentamos, pela primeira vez na história, o risco de um colapso global!

Já, conforme Tim Jackson, as nações desenvolvidas devem dar espaço aos países pobres para crescerem, já que é nestes que o crescimento faz diferença. O autor assevera que as economias ricas precisam de um novo modelo que diga o que virá depois do crescimento, pois não há como bancar esse modelo para todos os países. A conta não fecha, em termos de recursos, de carbono e de gases de efeito-estufa e da biodiversidade, e a riqueza do mundo mais desenvolvido só é possível devido à pobreza do mundo menos desenvolvido.

Entretanto, como já questionava Aloísio Ely em 1992, “como romper e redimensionar as atuais relações políticas, econômicas, sociais e culturais entre o Norte e o Sul? Até que ponto países emergentes, como o Brasil, têm autonomia e soberania para se lançarem num projeto nacional de desenvolvimento sustentável? Como se dará o acesso à tecnologia e às finanças, sob o controle dos países do Primeiro Mundo, imprescindíveis para as metas de desenvolvimento? Em que condições os países do Norte abrirão concessões para estes recursos estratégicos que garantem o seu modelo de desenvolvimento?”.

Na palestra de lançamento da edição brasileira do livro, em 2013, Jackson menciona os casos de Brasil, China e Índia, que estariam chegando ao limiar dessa mudança, apesar das desigualdades. A questão, no entanto, é de como ir além? Seguiremos o modelo ocidental ou haveria um modelo mais vinculado à realidade do país? Ele atenta para que o Brasil e outros países não fiquem presos no ciclo de dívidas, trabalho e gasto com consumo, como nos países mais ricos. Quais seriam nossas próprias soluções? Como garantir a manutenção do capital natural, o desenvolvimento do capital humano e a resolução das graves questões de desigualdades sociais?

Democratização da informação

Algumas saídas apontam para a democratização da informação e educação ambiental, o desenvolvimento de tecnologias ecoeficientes, porém adequadas local e regionalmente e a discussão sobre a participação do Estado e da sociedade na gestão do meio ambiente. Essas propostas envolvem, essencialmente, o incentivo à pesquisa, políticas públicas e gestão ambiental, estrutura de financiamento, participação e cidadania.

Sobre exemplos de desenvolvimento sustentável, há inúmeros registros sobre comunidades intencionais ou tradicionais que buscam viver de maneira mais sustentável. É o caso das ecovilas, existentes em muitos países, mais e menos desenvolvidos. Uma das mais conhecidas é a comunidade de Findhorn, situada na parte nordeste da Escócia, que é citada no livro de Jackson como um dos modelos de vida partilhada e de simplicidade voluntária.

Como exemplos de países, não se pode dizer que haja algum que esteja completamente voltado ao desenvolvimento sustentável, mas sim que tenha uma visão mais ampla nessa direção. Aqui podemos nos referir a países bem diferentes como Butão, Cuba, Nova Zelândia, Islândia e Noruega.

No caso do Butão, trata-se de um país isolado, montanhoso, com forte identidade cultural, e com regime de monarquia parlamentarista, diferenciando-se de outros países asiáticos por nunca ter sido invadido, anexado ou dominado por potências estrangeiras. Como país de tradição budista, sua população incorpora valores como compaixão, simplicidade e desapego. A base da prosperidade nesse país é o lema oficial de felicidade humana alcançada com uso sustentável da Natureza. Assim, de forma coerente, no Butão, as políticas para proteger a natureza não ocorrem em detrimento do desenvolvimento humano e social. Cerca de 80% do seu território correspondem a florestas e 52% são reservas biológicas, a desigualdade social e a violência são baixas, não havendo extremos nem de pobreza, nem de riqueza aparente.

Cuba é um país mencionado por Tim Jackson no livro, por seus indicadores de qualidade de vida: mesmo com a recessão econômica em 1989, com o fim do petróleo soviético subsidiado, nos anos seguintes a saúde no país melhorou, a obesidade caiu pela metade e o percentual de adultos ativos mais que dobrou. O país apresenta baixos níveis de mortalidade infantil e de analfabetismo, sendo que o provimento de serviços sociais pelo Estado garantiu as melhoras de saúde que se seguiram ao colapso econômico. Simultaneamente, o país tem, em comparação com a maioria dos países da América Latina e do Caribe, uma boa colocação no Índice de Desenvolvimento Humano; menor desigualdade de gênero quanto à participação feminina no parlamento (quase 50%); pegada ecológica reduzida; e um índice de segurança urbana relativamente alto.

Nos casos da Islândia, Noruega e Nova Zelândia, são todos países que contam com boas estruturas em termos de políticas públicas e gestão ambiental, além da participação social para a sustentabilidade.

Enfim, a resposta de cada sociedade a esses desafios depende de suas instituições políticas, econômicas, sociais e de seus valores culturais: as instituições e valores afetam o modo como as sociedades resolvem (ou tentam resolver) seus problemas. Percebe-se, desse modo, que mesmo em um ambiente hostil, a crise/colapso é evitável, mas isso depende das escolhas de cada sociedade.■

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