Edição 520 | 23 Abril 2018

A liberdade contra o “ministério da verdade”

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Ricardo Machado e Wagner Fernandes de Azevedo

Para Sérgio Amadeu o mais importante é construir valores sociais que sejam fundamentados no respeito à diversidade e à diferença como força tensionadora aos grupos hegemônicos

Os sistemas de poder se estabilizam a partir de regimes de verdade construídos socialmente. Embora não haja nenhuma novidade na frase que abre esta entrevista, as sociedades tecnocientíficas nos jogam diante de um desafio de escalas exponenciais no que diz respeito ao enfrentamento coletivo das fake news. “Nós precisamos ter muita clareza de que a luta contra as fake news não pode virar uma ação de censura prévia ou a perseguição de determinados grupos não hegemônicos na sociedade”, pontua o professor e pesquisador Sérgio Amadeu, em entrevista por telefone à IHU On-Line. “Eu temo muito que o governo e órgãos de Estados tentem construir um ‘ministério da verdade’, porque isso coloca em risco a democracia”, acrescenta.

Some-se a isso um certo modo de ser no ambiente web, mas também socialmente, que pode ser caraterizado por aquilo que o entrevistado chama de “razão cínica”, que acaba gerando visões impositivas e odiosas. “O importante era que começássemos a construir valores baseados na liberdade e na diversidade. Um mundo sem diversidade é pobre e autoritário. Esses valores temos que tentar construir dioturnamente nas redes, no cotidiano, nas famílias, nas escolas e onde estivermos”, pondera Amadeu. Sobre a verificação acerca das informações publicadas nas redes digitais, o professor é enfático ao ressaltar que é uma tarefa muito mais ampla do que a de definir o que seria uma notícia falsa ou não. “A checagem de fatos precisa ser feita por grupos grandes e coletivos, porque isso vai ajudar as pessoas a não ficar tão contaminadas pelo ódio, o que é muito ruim para a sociedade e desestruturante para a democracia, que fica fragilizada à medida que é estruturada por calúnias, inverdades e em discursos completamente descontextualizados”, complementa.

Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP, participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre - CISL. Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI da Casa Civil da Presidência da República. É professor na Universidade Federal do ABC - UFABC. É autor de, entre outros, Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento (São Paulo: Perseu Abramo, 2004) e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação (São Paulo: Perseu Abramo, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor compreende o problema das fake news nas sociedades contemporâneas?
Sérgio Amadeu – Primeiro que nossas sociedades são, cada vez mais, hiperconectadas, cuja importância da comunicação é crescente. Então os processos de desinformação, principalmente a partir das redes sociais, passam a adquirir uma qualidade diferente do período pré-internet. A manipulação, desinformação e o exagero existem há muito tempo e eles foram ferramentas políticas em processos que conhecemos desde o século XIX. Contudo, a desinformação adquiriu uma velocidade maior e ela se transformou em parte do jogo político de nossas sociedades. Esse foi o cenário em 2016 que levou uma série entidades norte-americanas a declararem que as fake news eram o grande novo problema nos processos democráticos. Para começo de conversa esse problema não é novo; segundo que, apesar de ser um problema, ele é totalmente solucionável. Eliminar da política o exagero e a desinformação dos processos de embate parece ser uma missão impossível. O que nós podemos fazer é, cada vez mais, buscar a qualidade da internet também com velocidade, intensidade e amplitude para mostrar que uma série de notícias não são procedentes e são mentirosas.

Recentemente vimos no caso da Marielle grupos caluniando a memória e a imagem da vereadora que trabalha na defesa dos direitos humanos, feminismo e da luta antirracista. Foi preciso mostrar que muitas daquelas informações eram mentiras. Não se trata de estabelecer padrões sobre o que é a verdade, pois isso é muito mais complicado do que fazer a checagem do fato e ver se ele foi relatado com exagero ou não. Nós precisamos ter muita clareza de que a luta contra as fake news não pode virar uma ação de censura prévia ou a perseguição de determinados grupos não hegemônicos na sociedade.

IHU On-Line –O que está por trás do desejo irrefreável do Estado em combater as fake news? O que prevalece é o interesse público ou dos governantes em não “manchar” a própria imagem?
Sérgio Amadeu – Essa pergunta é bastante pertinente no cenário atual. A grande mídia durante muitos processos eleitorais praticou a distorção dos fatos, apoiou empresários e cometeu exageros para beneficiar certos candidatos. Tentar fazer no momento atual, sobretudo na internet que é onde existe um contraponto aos grandes meios de comunicação, uma definição de qual seria o discurso da verdade não é possível (o que já foi tentado fazer pela filosofia e pela sociologia).

Nós estamos muito preocupados que a própria justiça eleitoral tenha sido a proponente de um grupo, composto por Polícia Federal, militares do Exército, membros do Ministério Público, que seria responsável por policiar os veículos e definir o que é e o que não é fake news. Isso é muito perigoso e nos coloca diante de um equívoco, a justiça não deve se comprometer com a definição do que é notícia falsa ou não, porque ela vai julgar o que a sociedade vai apresentar a ele e não pode, de antemão, dizer que existe uma verdade perene. Isso é um absurdo e corre o risco de termos um processo de criminalização de discursos contra-hegemônicos.

A campanha promovida pelo governo Temer a favor da reforma da Previdência foi claramente exagerada com o agravante de que foi paga com verbas publicitárias do dinheiro público. O que nós podemos fazer? Podemos levar esse discurso à justiça para debater se aquilo era verdadeiro. O próprio governo Temer dizia que se não houvesse a reforma da Previdência o Brasil iria parar, e o país não parou, tanto que a proposta foi recuada. Era efetivamente uma campanha exagerada baseada em inverdades. Contudo, como ela era promovida pelo governo Executivo ela tinha o status de verdade, mas evidentemente não é verdadeiro. Eu temo muito que o governo e órgãos de Estados tentem construir um “ministério da verdade”, porque isso coloca em risco a democracia.

Nos Estados Unidos, que é uma democracia liberal antiga, nós percebemos nas práticas discursivas que a democracia convive com um grau de inverdade, que, inclusive, é elevado. Porém ela não convive com a censura e a perseguição política porque isso destrói as bases da cultura democrática. Curiosamente a pauta das fake news vem para o Brasil dos Estados Unidos e é comprada por determinados grupos incrustrados na máquina do Estado que passam a dizer que esse é o maior problema nacional. É muito difícil aceitar isso, ainda que reconheçamos que há, sim, a disseminação dos discursos não verdadeiros, exagerados, descontextualizados e descabidos.

Isso tudo existe, mas é tarefa dos jornalistas, dos meios de comunicação, dos blogs, dos acadêmicos e até mesmo, quando for um caso como o relatado da Marielle, do próprio Judiciário, incluído aí o Ministério Público, já que ela foi caluniada por uma juíza. Esse caso mostra que a origem da fake news no Brasil está muito vinculada ao discurso de ódio. Os grupos que mais pilham notícias falsas são aqueles que têm uma identificação muito grande com ideias racistas, homofóbicas, misóginas, anticomunistas e preconceito religioso (praticado inclusive por religiosos fundamentalistas).

IHU On-Line – Por que a propaganda paga nas redes sociais, os famosos impulsionamentos do Facebook, geram um problema social?
Sérgio Amadeu – Primeiro que os usuários não percebem que os anúncios que aparecem no feed estão sendo pagos. É muito comum que nos grupos de WhatsApp se divulguem informações falsas sob a justificativa de que a pessoa viu no Facebook. A própria regra eleitoral não permite a propaganda na internet, mas admite o impulsionamento de conteúdo pago, ou seja, privilegiando o poder econômico e a disseminação de mentiras na rede. Uma série de grupos, incluídos aí a JBS, principalmente os ligados às forças conservadoras e os sistemas de eleição no Brasil se instituíram com o financiamento de empregados. Isso é preocupante na campanha eleitoral. Há uma mediação algorítmica, o Facebook ganha com o impulsionamento, e ele não tem a obrigação de fazer uma checagem se aquele conteúdo é ou não mentiroso.

Deveria ser proibido que partidos e candidatos gastassem dinheiro impulsionando conteúdo na rede social. Alguém poderia dizer que os públicos apoiadores poderiam fazer essa disseminação, o que ocorreria sem dúvidas, mas aí precisaria haver mecanismos de cobrar do Facebook e outras redes a checagem dos fatos às mensagens ofensivas a pessoas que foram atingidas por memes notoriamente mentirosos. A JBS, cujos áudios divulgados são de conhecimento público, apareceu em vários memes da internet como sendo propriedade do ex-presidente Lula , mas o que ninguém diz é que ela financiou o Movimento Brasil Livre - MBL.

É preciso que essa ideia do financiamento de postagens nas redes sociais seja aberta à sociedade civil para que se tenha acesso a essas informações, de modo que isso permitiria uma maior transparência de quem está pagando por esse tipo de disseminação. Alguns pagamentos são muito caros, gastam-se milhares de reais com isso e a sociedade tem o direito de saber quem está pagando.

IHU On-Line – É possível produzir um algoritmo capaz de identificar notícias falsas? Quais os riscos implicados nestas estratégias?
Sérgio Amadeu – Eu não acho possível o algoritmo identificar notícias falsas. Pense em uma notícia assim: “a senadora ‘X’ falou à Al Jazeera conclamando grupos terroristas para apoiar a sua causa”. Esse é um dos memes realmente divulgados por uma senadora que é do Rio Grande do Sul contra outra senadora de Curitiba. Veja, aparentemente fazer a filtragem de uma notícia por meio de um algoritmo pode parecer fácil, mas ele, por mais inteligente que seja, para qualificar o discurso vai ter que entender a semântica e entender o que aquela pessoa realmente falou para a Al Jazeera, mas isso é muito perigoso.

No caso da Marielle, uma série de grupos disseminaram que ela era casada com Marcinho VP. Para provar o contrário, as pessoas têm que ir na comunidade que ela morava, conversar com a família, ir no cartório e fazer uma apuração para descortinar se aquilo é uma mentira. O algoritmo não sai na rua fazendo apurações, que é um trabalho muito difícil realizado, normalmente, pelo jornalista. O algoritmo precisa da intermediação de alguém que faça a checagem dos fatos.

Há outro fator. Uma vez que os fatos são checados é possível descobrir onde aqueles memes que divulgam mentiras foram distribuídos. Uma das tarefas que poderiam ser úteis para as redes sociais é pegar uma notificação e informar a todos que receberam o meme que aquilo foi checado e é claramente mentiroso. Mas mesmo esta estratégia é perigosa porque nem toda a notícia pode ser qualificada como verdade ou mentira, ela tem um grau de exagero e aí é que mora o grande perigo, simplesmente porque não dá para falar que um texto de um colunista é simplesmente uma mentira porque se trata de uma opinião não vinculada a fatos. Eu temo muito pelo uso dos algoritmos como solução ao combate às inverdades.

IHU On-Line – Até que ponto essa economia do escândalo político midiatizado é efeito da crise da democracia representativa?
Sérgio Amadeu – O Manuel Castells vincula a política do escândalo com a crise da democracia representativa. Eu agregaria um outro fator a isso. O Guy Debord , em 1968, publicou o livro A sociedade do espetáculo (Rio de Janeiro: Contraponto, 1997) e de lá para cá a mercantilização extrema, que é a base da sociedade da espetacularização, avançou sobre o jornalismo transformando o telejornalismo em um verdadeiro espetáculo. Quanto à política, ela passou a discutir menos seus programas nos horários gratuitos e nos debates para se focalizar nos escândalos. A espetacularização é efeito de uma sociedade que se volta para o mercado.

Na própria relação de compra e venda de produtos, o refrigerante não vende um objeto, mas uma experiência fenomenal, um mundo em torno dele, vende antes de mais nada uma estética. A política acompanhou isso com a completa incapacidade da democracia representativa de resolver problemas cruciais das nossas sociedades. A cada quatro anos o liberal acredita que se elege um funcionário – essa é a noção do deputado – para atender os interesses da sociedade. O ponto é que esse deputado está descolado dos interesses da sociedade e, mesmo estando vinculado a uma base, é muito diferente a tarefa de fiscalizar as votações que são cruciais para a vida dela.

Nós tínhamos que fazer valer os mecanismos da nossa Constituição Federal de 1988, que é muito avançada porque ela mantém o trânsito com uma democracia representativa e amplia a possibilidade de participação da população. Nós deveríamos ampliar soluções de participação e envolvimento das pessoas e tornar a política real, e não algo “para inglês ver”, criando mecanismos de deliberação mais próximos da sociedade. Como isso não é feito, nós temos um processo eleitoral cada vez mais focado na criminalização do discurso do outro.

Como nada disso é feito, nós temos um processo eleitoral cada vez mais focado na criminalização do discurso do outro, então não basta que o inimigo do neoliberal seja uma pessoa que defenda a igualdade, ele tem que ser apresentado como um criminoso, um falsário. Por isso não basta atacar as políticas do ex-presidente Lula, não basta atacar as ideias de Bolsa Família ou de renda mínima, citada inclusive por Elon Musk , do Vale do Silício. Aqui no Brasil, inclusive por conta da crise, não basta criticar as políticas do ex-presidente, ele tem que ser transformado em um falsário, de modo que o personagem com maior apoio popular em uma eleição seja retirado da disputa eleitoral.

IHU On-Line –Que tipo de regime de verdade tenta ser produzido a partir de todo o debate em torno das fake news?
Sérgio Amadeu – Não há poder, como diria Foucault , sem o estabelecimento do que seria a verdade. Não há poder que diga que determinada política será apresentada independente de se aquilo proposto se refere a fatos verdadeiros ou não. O governo sempre vai apresentar uma proposta vinculada à verdade. Os regimes de verdade dão suporte (no sentido de sustentar) às ações do poder político. O Bush , quando compartilhava a ideia do aquecimento global, se escorava em cientistas que afirmavam que a Terra aquece normalmente e o crescimento das temperaturas não tem nada a ver com a queima de combustíveis fósseis. Contrariamente há uma série de outros cientistas, a maioria inclusive, que demonstravam que era necessário assinar o Protocolo de Kyoto e reduzir drasticamente os poluentes. Nós temos um grau elevado de evidências e informações que o aquecimento se acelerou depois da industrialização, mas há uma disputa sobre o tema. Com isso o poder político vai fazer determinadas ações construindo aqueles discursos que lhes darão sustentação.

Os Estados Unidos “nunca” invadiram um país por interesse econômico, eles sempre invadem em defesa de interesses humanitários. Então eles armam os guerrilheiros dentro da Síria contra o Assad porque seu governo é uma ditadura e depois fazem operações militares lá porque “querem implantar a democracia na Síria”. O historiador que vai olhar friamente a história norte-americana vai perceber que nada disso é verdadeiro, porque distante poucos quilômetros dali os Estados Unidos estão sustentando um governo muito tirano, que é o da Arábia Saudita. Apesar da Arábia Saudita ser sunita e fundamentalmente religiosa, ela é, efetivamente, aliada dos Estados Unidos. Então o regime de verdade da invasão do Iraque, que é para combater o ditador e encontrar armas químicas de destruição em massa, foi baseado em mentiras.

O regime de verdade é um elemento crucial do poder político. Ele impulsiona e se coloca na sociedade a partir dessa legitimação das ações que são articuladas como verdade.

IHU On-Line –Pensando as fake news somente como a ponta do iceberg de um processo mais amplo, que valores estão sendo produzidos no interior das redes digitais?
Sérgio Amadeu – Essa é uma pergunta muito difícil de responder. A tecnologia da internet é ambivalente. Ela tanto é potente para que possamos disseminar valores éticos e importantes, como as garantias à diversidade cultural, social e de gênero (como já é realizado), mas ao mesmo tempo tem uma rede distribuída e veloz, e cada vez mais crescente, que é capaz de disseminar o ódio, a mentira e valores que restrinjam a liberdade.

Na época do Marco Civil da Internet, um apoiador do deputado Jair Bolsonaro , que defende a ditadura militar, dizia “que o Marco Civil queria tolher a nossa liberdade”. Mas como alguém que defende a ditadura é capaz de falar em liberdade? Na verdade, era uma postura para combater uma lei que assegurava alguns direitos na rede, mas usada de maneira cínica. Atualmente, na internet, a razão cínica prepondera em muitos grupos. Há um embate em uma rede que serve à liberdade e ao totalitarismo.

O fascismo hoje não é aquele como foi organizado pelo Mussolini ou pelo Partido Nacional Socialista alemão, ele é disseminado pela lógica da supremacia neoliberal em seus arranjos mais inusitados. Há analistas que defendem que a Amazônia é muito cara para o Brasil manter e que, portanto, é melhor ela ser administrada pelos Estados Unidos. Os nacionalistas militares defendem a venda da Embraer para a Boeing. Então, veja, a defesa de um nacionalismo mais clássico que defende a unidade territorial ou razões de Estado de viés nacionalista aparece de forma completamente distorcida. É um discurso pelo Brasil e pela nacionalidade, mas entrega todas as riquezas porque é o canto da sereia neoliberal que está regendo essas ações.

Temos tudo isso na rede, a ponto de o Jornal Nacional ler uma postagem no Twitter de um general para mandar um recado ao Supremo Tribunal Federal - STF. Mas qual é o recado? Uma ameaça de ruptura institucional por parte das Forças Armadas. Tudo isso está presente na rede, inclusive a replicação desta mensagem do general Villas Boas por robôs, de modo que grande parte dos milhares de curtidas que ele teve foram de bots, de mecanismos automáticos, para dar impressão que ele teve mais apoio do que de fato ocorreu.

O importante era que começássemos a construir valores baseados na liberdade e na diversidade. Um mundo sem diversidade é pobre e autoritário. Esses valores temos que tentar construir dioturnamente nas redes, no cotidiano, nas famílias, nas escolas e onde estivermos.

IHU On-Line – Como combater a produção das fake news sem escorregar na censura?
Sérgio Amadeu – Primeiro isso passa por uma postura individual, de modo que é preciso desconfiar de tudo antes de publicar, mesmo que seja muito favorável às ideias que a pessoa acredita. Eu mesmo recebi postagens dizendo que a Globo era dona da Mapfre, uma empresa de previdência privada. Para mim aquilo seria a consolidação do que eu acho ser a reforma da previdência, que é ampliar o espaço das empresas privadas, já que em nosso país é um mercado pequeno em relação a outros. Isso faria todo o sentido, mas era mentira. Ainda bem que eu apurei e não divulguei, pois estaria atrelado à divulgação de uma mentira.

Boa parte da sociedade não está interessada nisso, ao contrário, está interessada em defender a própria opinião com os recursos disponíveis. Mas é preciso que a imprensa, a sociedade civil e a academia, o máximo de organizações possíveis, contribuam com a checagem de fatos para distribuir informações contra a mentira na rede. Não acredito que a política agora, por conta da preocupação com a desinformação, vá construir algo positivo, muito menos que será capaz de criminalizar a mentira por meio da própria política. Não há poder que não construa a sua verdade e o problema é que quando se constrói a verdade do poder do Estado e da política, passa-se a definir que as outras visões devem ser consideradas não verdadeiras e combatidas, inclusive pelo poder judiciário, o que, de novo, é muito perigoso.

O que eu sugiro é que as pessoas, mesmo com suas convicções, procurem não reproduzir de pronto aquilo que seria a explicação de tudo. Por outro lado, a checagem de fatos precisa ser feita por grupos grandes e coletivos, porque isso vai ajudar as pessoas a não ficar tão contaminadas pelo ódio, o que é muito ruim para a sociedade e desestruturante para a democracia, que fica fragilizada à medida que é estruturada por calúnias, inverdades e em discursos completamente descontextualizados. Não vejo formula mágica capaz de combater a desinformação na rede, é uma tarefa múltipla e de muitas organizações da sociedade. ■

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