Edição 519 | 09 Abril 2018

O século XXI como o século africano: o African Renaissance

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Anselmo Otávio

“Além de buscar reconstruir a dignidade africana, sentimento importante no combate ao estigma existente sobre o continente de território eternamente dependente da caridade advinda do mundo exterior, o African Renaissance propõe a formação de novos modelos de interação na África e fora do continente”, pondera Anselmo Otavio.

Anselmo Otavio é professor de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS e membro do Centro Brasileiro de Estudos Africanos - CEBRAFRICA/UFRGS).

Eis o artigo.

O término da Guerra Fria simbolizou não apenas o fim do cenário internacional dividido entre Estados Unidos e União Soviética, mas também a fase de intensa difusão dos valores socioculturais estimados pelo Ocidente. De fato, se no âmbito político a democracia passava a ser o modelo que os países deveriam adotar, no plano econômico, a vitória do capitalismo sobre o socialismo criava um cenário propício à disseminação do neoliberalismo e seus condicionantes. Diante deste cenário de transformações, o continente africano iniciava a década de 1990 sob o predomínio da visão de incapacidade dos povos africanos em romperem com as intermináveis guerras civis e com a pobreza excessiva (afro-pessimismo), porém, encerrava este período inserido em uma visão marcada pelo otimismo.

No âmbito internacional, tal sentimento era resultado da maior busca de recursos minerais por países como EUA, França, Inglaterra e, principalmente, China. Já no cenário regional, o entusiasmo era resultante de um ciclo de transformações no continente, este simbolizado pelo crescimento econômico, pelo fim do regime racista (apartheid) na África do Sul e diminuição, isolamento ou fim de regimes autoritários. É neste cenário que surge a ideia de um Renascimento Africano, este mais comumente conhecido como African Renaissance. E é diante disso que o artigo em destaque busca realizar breve análise sobre o que, de fato, se trata este renascimento.

O African Renaissance

Em análise desenvolvida por Hlophe e Landsberg (1999), é possível destacar duas dimensões do Renascimento Africano. A primeira diz respeito à sua relação com o termo ganense “Sankofa”, que significa mover o continente africano em direção a um futuro próspero, este que seria alcançado através da valorização e resgate do passado africano anterior à invasão europeia. Já a segunda refere-se à importância de a África integrar-se ao mundo globalizado.

As dimensões indicadas anteriormente já vinham sendo trabalhadas por seu criador, Thabo Mbeki, antes mesmo de assumir a presidência da África do Sul. Inclusive, tais características podem ser encontradas em discurso proferido na United Nations University e intitulado de The African Renaissance, South Africa and the World - AFSAW, de 1998, onde Mbeki apresenta a proposta de Renascimento Africano, expondo que o continente encontrava-se em transição e o caminho a ser seguido girava em torno do resgate e valorização de um passado glorioso, como também da interação entre o continente e o mundo.

De fato, o AFSAW (1998) deixava evidente a necessidade em resgatar um passado africano marcado por grandes obras arquitetônicas, por importantes civilizações, enfim, marcas que foram colocadas em segundo plano com o advento do imperialismo europeu. Logo, o regresso anterior à invasão europeia leva-nos a compreender que o African Renaissance objetiva não apenas construir uma espécie de contrapeso à imagem amplamente divulgada da África como um continente incapaz de combater suas mazelas, mas principalmente em demonstrar que os regimes autoritários não deveriam ser vistos como símbolos do continente africano, uma vez que os povos africanos sempre valorizaram e lutaram pela liberdade.

O African Renaissance no âmbito regional considera que a maior articulação entre todos os povos africanos é fundamental para romper com os flagelos existentes no continente. Já na interação entre o continente africano e o mundo, o African Renaissance deseja uma forma diferenciada de pacto, este não mais marcado pelo assistencialismo, mas sim pela cooperação.

Em outras palavras, além de demonstrar para o mundo que os países africanos passaram a adotar a boa governança, a democracia, o respeito aos direitos humanos, os preceitos neoliberais, dentre outros pontos que simbolizam o mundo pós-Guerra Fria (LANDSBERG, 2005), o Renascimento Africano deixa nítido que sua continuidade encontra-se atrelada aos países industrializados, cuja participação relaciona-se ao aumento do investimento externo direto e à abertura de seus mercados aos produtos africanos. Em síntese, o African Renaissance prega a responsabilidade mútua, forma de interação considerada como estratégica para a África do século XXI.

Considerações Finais

Em abril de 2018 completar-se-ão 20 anos do AFSAW e, desde então, tornou-se claro duas características do African Renaissance. A primeira diz respeito à relação entre o African Renaissance e a África do Sul, uma vez que sua existência encontra-se atrelada à figura do segundo presidente sul-africano pós-apartheid, Thabo Mbeki (1999-2008). Já a segunda refere-se ao estilo de parceria proposta entre os países africanos e o mundo, esta simbolizada pela responsabilidade mútua entre as partes. Em outras palavras, esta nova forma de relação defende que os países africanos devem se adequar ao mundo pós-Guerra Fria, valorizando os direitos humanos, respeitando a democracia, o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, dentre outros pontos que desde a década de 1990 ganharam importância no cenário internacional. Em contrapartida, as grandes potências econômicas devem participar deste processo de renascimento apoiando, por exemplo, via auxílio financeiro, perdão de dívidas externas e facilidade na entrada de produtos africanos em seus respectivos mercados internos.■

Referências

HLOPHE. Dumisani, LANDSBERG. Chris. The African Renaissance as a modern South African Foreign Policy Strategy. CERI: Paris, 1999. Acesso em: 30 mar. 2018.
LANDSBERG. Chris. 2005. Toward a Developmental Foreign Policy? Challenges for South Africa’s Diplomacy in the Second Decade of Liberation. In. Social Research. Vol. 72. Nº 3, 2005
MBEKI. Thabo. Speech by Deputy President Thabo Mbeki at the United Nations University the African Renaissance, South Africa and the World, United Nations University. United Nations: 1998. Acesso em: 30 mar. 2018.

Expediente
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme
Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha

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