Edição 519 | 09 Abril 2018

O aperfeiçoamento da democracia política

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João Vitor Santos e Patricia Fachin

Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, a principal evidência da consistência da Constituição brasileira depois de três décadas da sua promulgação é sua resistência à crise política

A análise do sucesso ou do fracasso da Constituição brasileira depois de 30 anos da sua promulgação precisa considerar e responder à seguinte pergunta: “A democracia política, ao longo desses anos, afirmou-se ou não? Essa é uma questão chave”, afirma Werneck Vianna à IHU On-Line. “Para mim”, diz, “ela se afirmou. Encontrou sua forma superior? Não, está longe disso, mas está em aperfeiçoamento e encontra sua resiliência, capacidade de enfrentar conflitos, de resolver conflitos”.

Na avaliação dele, o principal indicativo de que a Constituição tem sido respeitada pode ser visto nos desdobramentos da crise política dos últimos anos. “Nós vivemos uma crise feroz nesses últimos quatro, cinco anos e o impeachment trouxe um elemento de muito conflito. Apesar de tudo isso, a Constituição está aí, e longe de ser identificada como um fator de crise, ela tem ganhado muita expressão e força na sociedade, especialmente na sua parte mais organizada. Exemplo: as Forças Armadas, a essa altura, em condições semelhantes a essa, no passado, teriam uma posição muito diversa da que estão tendo agora. As Forças Armadas hoje se comportam como uma força de sustentação da Constituição”, constata.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line, o sociólogo também comenta os limites da Constituição brasileira. Entre eles, destaca os entraves relacionados à questão agrária, a suspensão de restrições para a criação de partidos políticos, que teve como consequência a criação de “um sistema político quase ingovernável”, a criação de um “Judiciário gigante” que tem “problemas disfuncionais”, e um comprometimento excessivo com o gasto social. “Ela prometeu mais do que podia fazer: a sociedade não tinha e não tem recursos para assumir todos os encargos sociais que a Constituição anunciou e defendeu. Acho que este foi um erro: prometer demais. (...) Temos uma social-democracia, mas que é uma social-democracia de fachada. Para reverter isso, a sociedade tinha que se inclinar de fato para a social-democracia e não o faz nem pela esquerda nem pela direita. Ao contrário, a sociedade recusa o modelo social-democrata, que é o modelo da Constituição”, argumenta.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP. É autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).

Confira a entrevista.

IHU On-Line — A Constituição de 1988 foi elaborada num momento de transição entre o fim do regime militar e a reabertura política. O que isso significou e de que forma esse momento político impactou na elaboração do texto final?
Luiz Werneck Vianna — A Constituição brasileira nasceu de um período de transição do regime militar para uma democracia política em construção e, nesse sentido, houve impasses no seu curso que não foram fáceis de superar, especialmente em algumas questões, como a agrária, por exemplo, que dividiu a Constituinte ao meio e acabou pondo uma solução recessiva para a questão agrária brasileira.

O grande triunfo da Constituição foi em relação aos direitos civis; avançou-se bastante aí. No mais, ela conservou a nossa tradição constitucional em linhas gerais. Veja o caso da questão sindical: a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT foi preservada com algumas alterações significativas, mas, no fundamental, a modelagem que vinha desde os anos 30 persistiu e está sendo alterada agora. De forma muito geral, a Constituinte trouxe avanços, mas conservou alguns traços da modernização autoritária dos anos 1930. Então, nesse sentido, a Constituição não trouxe grandes transformações.

Constituição e Poder Judiciário

Uma mudança significativa foi o papel que a Constituição preservou ao Poder Judiciário, inclusive com a criação do Ministério Público, que, do ponto de vista do Direito Internacional, é uma jabuticaba, porque só existe este MP, com esta autonomia, aqui no Brasil. O jurista Sepúlveda Pertence, que participou de todo o processo da Constituinte, lamenta, hoje, a criação do MP da forma como foi concebida. Ele fez parte desse movimento que levou o MP a ter esse perfil inédito no Brasil, mas hoje ele o acha desastroso. O Ministério Público surgiu com um poder muito grande, sem controle, e alguns efeitos negativos têm se verificado agora. Então, a Constituição muda em alguns temas importantes e ao mesmo tempo conserva. Ela é propriamente uma Constituição feita nas circunstâncias da transição.

Entretanto, o sistema de liberdade que ela criou e os institutos criados para defender a liberdade deram frutos muito interessantes. Além do mais, a Constituição, ao longo dos 30 anos da sua existência, passou ao largo da contestação dos seus termos apesar de termos vivido, como agora, momentos de crise muito profundos. A chamada resiliência da política brasileira, que é extraordinária, tal como se verificou e se está verificando ao longo desse tempo de crise política que vivemos, é uma marca muito importante da Constituição. Note que ela criou canais capazes de dar sentido e expressão e sustentar a ordem. Nós vivemos uma crise feroz nesses últimos quatro, cinco anos e o impeachment trouxe um elemento de muito conflito. Apesar de tudo isso, a Constituição está aí, e longe de ser identificada como um fator de crise, ela tem contrariamente ganhado muita expressão e força na sociedade, especialmente na sua parte mais organizada. Exemplo: as Forças Armadas, a essa altura, em condições semelhantes a essa, no passado, teriam uma posição muito diversa da que estão tendo agora. As Forças Armadas hoje se comportam como uma força de sustentação da Constituição. Só o fato de a Constituição resistir a essa crise, mantendo as instituições operantes, é um ganho extraordinário. O general [Eduardo] Villas Bôas, que é o comandante supremo das Forças Armadas, faz comentários que defendem a Constituição e tem sustentado que nada aconteça fora da Constituição. Quer coisa mais relevante do que isso? A democracia política, ao longo desses anos, afirmou-se ou não? Essa é uma questão chave. Para mim, ela se afirmou. Encontrou sua forma superior? Não, está longe disso, mas está em aperfeiçoamento e encontra sua resiliência, capacidade de enfrentar conflitos, de resolver conflitos.

O mesmo ocorre com o Poder Judiciário, que se reforçou muito e se blinda com as instituições que o constituinte lhe legou. De modo que apesar da crise, apesar da insatisfação e do tempo de cólera que andam dominando por aí, a Constituição navegou com tranquilidade. Nenhuma força social de peso, nenhuma corporação de peso denuncia a Constituição como causa da crise, o que não quer dizer que ela não seja objeto – em outras dimensões – de crise, uma vez que ela foi muito detalhista. Aliás, esse detalhismo dela é uma marca que talvez não resista ao longo do tempo. Mas o pensamento das instituições novas que ela nos trouxe está aí e está garantindo a democracia política brasileira.

Uma dificuldade agora é que o Judiciário, que é o intérprete e o guardião da Constituição, está vivendo um processo de admissão de dissenso, especialmente no Supremo Tribunal Federal - STF, e isso é perturbador para o regime da Carta de 88. Esse risco, que antes era um risco importado pela ação militar, hoje em dia não vem dessa corporação, do ponto de vista institucional, mas de outros territórios sociais. E, inclusive, em alguns pontos, do próprio Judiciário.

Reforma constitucional

Estamos vivendo essa crise sem que se fale de reforma constitucional de modo forte. Só os setores laterais falam disso, mas no mais o texto constitucional se tornou o livro guia da sociedade brasileira e é com ele que tem sido possível encontrar sistema de defesa para a democracia política no Brasil. Quem na sociedade está postulando uma nova Constituição? Setores minoritários. Isso é sinal de que há vigor nela, é sinal de que de algum modo, apesar do seu detalhismo, ela criou um vigor interessante, com capacidade de eficácia e permanência. Nesse sentido, a Constituição foi um êxito.

IHU On-Line – A Constituição propôs um modelo de bem-estar social para a sociedade brasileira, mas à luz da crise que o país vive hoje, um dos discursos proferidos é o de que não há recursos financeiros para que o Estado possa garantir o estado de bem-estar social. Como o senhor vê, de um lado, a proposta de garantia do estado de bem-estar social e, de outro, o discurso da falta de recursos?
Luiz Werneck Vianna — A Constituição trouxe algumas inovações na questão social num sentido positivo. Agora, em outros termos, de outro ângulo e outra perspectiva, ela prometeu mais do que podia fazer: a sociedade não tinha e não tem recursos para assumir todos os encargos sociais que a Constituição anunciou e defendeu. Acho que este foi um erro: prometer demais. Entretanto, é preciso ver também que, pelo fato de ela suceder ao regime autoritário, ela se sentiu como que obrigada a uma modelagem de novo tipo da sociedade brasileira, socialmente mais justa. O problema é que entre a imaginação e a realidade há uma distância muito grande. A desigualdade, ao invés de diminuir ao longo desses anos, se intensificou.

Sistema político

Para mim, o problema mais sensível dessa Constituição é o fato de ela descrer do sistema político, descrer da política e do sistema de representação. A Constituição suspendeu todas as restrições, criou um regime libertário, todos os partidos podem se organizar no número que for, porque segundo a Constituição essa matéria não deve ser regulada, é livre, e a sociedade pode criar os partidos que assim desejar. Mas isso criou um sistema político quase ingovernável. Então, o que a Constituinte dedicou à reforma do Judiciário, criando mecanismos de intervenção, de democratização social, a aposta forte que fez no Judiciário, não a fez no campo da política, e deixou a política aberta. Certamente isso ocorreu em função do regime anterior. Acreditou-se que a liberdade na regulação política seria o melhor remédio, e não foi. Tanto é que a classe política, o Congresso, sentindo o que havia de perturbador no sistema político, introduziu algumas reformas constitucionais muito relevantes, como aquelas que afetaram a criação de partidos políticos, criando cláusulas de barreira e coisas do gênero. Isso, que poderia ter melhorado consideravelmente o funcionamento do sistema político, foi barrado pelo STF, que desarmou essa possibilidade e essa tentativa de melhorar o nosso sistema político. E esse sistema político que estava e está aí é incapaz de dar sentido à vontade da sociedade, porque existe um número imenso de partidos, uma perda de ânimo político extraordinária, e criou uma dificuldade de decisão muito grande por parte do sistema político.

A meu ver, o grande calcanhar de Aquiles foi o absenteísmo do constituinte em matéria de sistema político, em nome da liberdade, saindo de um regime autoritário. E esse absenteísmo foi quase fatal. Mas por outros caminhos, a Constituição pensou de forma virtuosa e deu encaminhamentos importantes para a sociedade brasileira. Basta ver que enfrentamos essa crise, com a gravidade e exasperação que ela traz, com a Constituição íntegra e sem que seja o objeto principal da crítica dos envolvidos no mercado político.

IHU On-Line – Por que diz que a Constituição prometeu demais em termos sociais?
Luiz Werneck Vianna — Ela prometeu saúde para todos, educação para todos, sem criar as estruturas capazes de pavimentar esse caminho de reformas sociais.

IHU On-Line – Que tipo de medidas deveriam ter sido tomadas para garantir a efetividade do estado de bem-estar social?
Luiz Werneck Vianna — Em primeiro lugar, tínhamos que ter uma economia que não temos, e em segundo lugar, uma política mais definida quanto aos recursos de que precisaríamos para dar conta da agenda social nova. O modelo social da Constituição é o modelo da social-democracia, porém a social-democracia tem custo, alguém tem que perder alguma coisa, e nós não enfrentamos essa questão e as fontes das desigualdades permaneceram. Houve crescimento em alguns momentos, mas as bases econômicas e políticas eram muito restritas e dependentes de mecanismos de Estado; elas não mexiam nas relações da sociedade com o Estado. Aliás, elas fortaleceram o Estado em relação à sociedade, e deixou-se ao Direito e às suas instituições um papel muito audacioso. Por exemplo, na questão da saúde se achou que a lei seria capaz de resolver todas as questões e com isso demonstrou-se uma ingenuidade. Aí temos um noticiário capaz de opinar sobre tudo, de competições esportivas a questões substanciais da sociedade, e tudo isso foi entregue a um Judiciário cada vez mais gigantesco, e a tentativa de resolver a crise foi através de decretos, leis e sentenças. O sistema de saúde gasta com doenças crônicas e com remédios que nós não produzimos, que temos que importar e que são caríssimos, em nome da defesa da saúde. Mas essas são questões muito difíceis. Você dá para poucos e tira de muitos.

IHU On-Line – Qual seria a melhor forma de discutir o sistema de bem-estar social a partir das suas críticas acerca do que acontece hoje?
Luiz Werneck Vianna — Esse sistema vai prevalecer, mas terá que ser ajustado e já está sendo ajustado.

IHU On-Line – O que significa ser ajustado?
Luiz Werneck Vianna — Temos que pensar numa economia que pode realizá-lo, porque ele não está no “mundo da lua”. Não se pode garantir direitos ao atendimento de todos e para todas as doenças. O objetivo de estender o direito à saúde a todos é um direito democrático que deve ser conservado, mas ele tem seus limites. Eu não posso obrigar, com o sistema da justiça, que determinados bens que são muito escassos sejam oferecidos a grupos restritos de doenças crônicas, por exemplo. Não podemos pensar essas questões sem considerar que temos uma sociedade economicamente ainda muito insegura do ponto de vista do seu sistema produtivo. Assim, temos uma social-democracia, mas que é uma social-democracia de fachada. Para reverter isso, a sociedade tinha que se inclinar de fato para a social-democracia e não o faz nem pela esquerda nem pela direita. Ao contrário, a sociedade recusa o modelo social-democrata, que é o modelo da Constituição.

IHU On-Line – A Constituição também prevê uma série de direitos às comunidades indígenas. Como isso tem repercutido na prática?
Luiz Werneck Vianna — Houve um avanço importante. A Constituição tem servido de bandeira para que várias questões relevantes da nossa sociedade encontrem formas de expressão e a indígena é uma delas. Quem fala mal da Constituição? Quem fala mal não tem causa, porque ela é a gramática de todos, pois todos interpelam a Constituição, mesmo que contraditoriamente entre si, sem dúvidas, mas o argumento é constitucional, servindo a gregos e a troianos.

IHU On-Line – É possível realizar uma reforma política sem alterar o texto constitucional?
Luiz Werneck Vianna — A Constituição não pode ser vista como um texto sagrado. Ela pode ser perfeitamente aperfeiçoada, expurgada de seus excessos, e já foi de alguns, como na questão dos juros. Acho que esse é um processo que não está fechado. Tudo vai depender muito do processo eleitoral que se abre para a sucessão. Nesta sucessão, quais são as candidaturas que se definem como negadoras da Constituição de 88? Nenhuma. Isso é um triunfo. A Constituição tem servido de referência, de lugar de segurança, um porto onde se pode abrigar da conflitividade que está disseminada pela sociedade.

É claro que uma mudança muito significativa da sociedade pós-Constituição é esse Judiciário gigante que está aí, que tem problemas disfuncionais, mas resolver isso é robustecer o sistema político, é fazer novos partidos, selecionar melhor os quadros políticos, e isso é tempo e operação institucional, porque não é possível ficarmos com o número de partidos que temos aqui. Não há vontade política que consiga encontrar uma formatação. Não creio que haja solução para os nossos gravíssimos problemas a partir de uma negação do que foi e é a Constituição de 88.

A Constituição ficou devendo em algumas coisas, como nesse absenteísmo em intervir na regulação política e apostar tudo num sistema indiscriminado de liberdade como reação ao regime militar. Nenhuma sociedade complexa como a brasileira pode ser governada por um sistema que comporta mais de 30 partidos. O zelo do constituinte na questão do Judiciário não foi acompanhado por igual zelo na questão do sistema político. Essas questões já estão identificadas ao menos no nível da reflexão, o que falta é execução. Perdemos a oportunidade de fazer uma reforma política mais audaciosa, moderna e conservamos muito do que havia de recessivo; é a nossa prática de sempre.

IHU On-Line – Alguns pesquisadores fazem críticas às reformas trabalhista e da Previdência, afirmando que elas põem em xeque direitos constitucionais. Como o senhor avalia essas reformas à luz da Constituição?
Luiz Werneck Vianna — Não conseguiram provar que a reforma trabalhista é inconstitucional de forma alguma. A questão do mercado de trabalho se enfrenta na vida, com sindicatos fortes e não em sindicatos que funcionam atrelados ao Estado, como tem sido na nossa tradição desde sempre. A sociedade reclama da mudança, porque são décadas de conservação de algumas instituições, mas o que vale mesmo para o mundo do trabalho é como se consolidam os sindicatos capazes de lutar por seus interesses, com independência do mundo externo. Mas para isso é preciso ter um sindicalismo livre e desvinculado do Estado. Fora essa questão trabalhista, o sindicalismo tem se mexido onde e para onde? A esquerda que está aí não é sindical. A base dela é popular e vem de outros lugares. Por exemplo, a vereadora Marielle, que foi assassinada, veio de uma região do social e não do mundo do trabalho. E o mundo do trabalho não está vindo de lugar nenhum.

Se a vitalidade é do mundo do trabalho, isso demandaria que os setores subalternos se movimentassem com mais audácia, mais agressividade. Mas estamos apenas envolvidos com direitos identitários. O caso dessa vereadora é importante e ficou evidente que a sociedade tem interesse nisso, inclusive os subalternos, mas isso não interfere no mercado de trabalho. Como vamos ter social-democracia sem sindicatos fortes? Essa luta identitária vai investir mais no Estado. Claro que ela é importantíssima, mas isso não garante rigor e peso social. Estamos numa sociedade de massa, com mercado de massas, mas se faz uma política orientada para valores identitários. Tem alguma coisa errada aí.

Reforma da Previdência

Qual seria a questão inconstitucional da reforma da Previdência? Se tivesse, a reforma já tinha dançado. Por trás da questão da Previdência temos que ter alguma clareza de que a resistência a essa reforma vem dos setores altos, das elites, dos privilégios que existem, porque, do ponto de vista popular, onde a questão da Previdência afeta os interesses? O que havia de errado tem sido corrigido através de um processo de luta muito interessante e vai se chegando a um consenso pelo tempo e pela crítica. O fundamental é garantir possibilidades e oportunidades de crescimento econômico, um crescimento que não implique o aprofundamento das desigualdades, e esse crescimento tem que ser orientado não só para a produtividade, mas para a produção de igualdade. Mas enquanto isso toda a nossa história tem sido derivada da presença do Estado. Um exemplo é o sindicalismo atrelado à legislação dos anos 1930, que deixou de fora o trabalhador do campo. Atenção, isso tem em si a marca da desigualdade: uns dentro e outros fora.

A meu ver, encaminhar essas questões é deixar o conflito rolar. E onde ele deve rolar? Embaixo, no mercado de trabalho, na disputa por bens escassos. Se encaminharmos apenas no sentido das instituições do Estado, no sentido de que o Estado traga a sociedade para dentro de si e pacifique seus movimentos, vamos continuar fazendo o que temos feito, e de forma errada, equivocada, mantendo a sociedade imobilizada. Agora o mundo subalterno está se movendo com a pauta identitária, o que significa que a presença da Marielle tem a ver com isso e não com o mundo do trabalho, com a economia. Estamos numa sociedade capitalista sem querer assumir algumas das suas características essenciais. Temos forças para fazer o socialismo? Não temos. Mas temos forças para criar as bases sociais de um socialismo futuro? Temos. Mas não por decreto, não pela política simplesmente, pelo esforço mobilizador dos de baixo. Não podemos ficar mexendo somente nas questões identitárias, embora elas sejam relevantes.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Luiz Werneck Vianna — A Constituição tem que ser defendida como vem sendo e não deve ser tratada canonicamente: o que tiver que mudar, tem que mudar, como tem sido mudado, e a população tem que estimá-la nas demandas das questões sociais e institucionais. Não identifico nenhum elemento mais importante do que o fato de as Forças Armadas terem se identificado com a Constituição, tendo feito dela o seu livrinho, o seu sistema de conduta política. Isso tem uma relevância total.■

Leia mais

- "O Judiciário usurpou o papel que era da política". Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna, publicada nas Notícias do Dia de 18-1-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
- A Carta de 88 e a democracia brasileira estão em risco. Ou aparece uma política de moderação, ou vamos ladeira abaixo". Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna, publicada nas Notícias do Dia de 22-9-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
- É preciso coragem, paciência e ética de responsabilidade para interromper a modernização autoritária. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna, publicada nas Notícias do Dia de 3-7-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
- O nevoeiro persiste e as bolas de ferro nos pés nos mantêm no mesmo lugar. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna, publicada nas Notícias do Dia de 14-8-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

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