Edição 210 | 05 Março 2007

Perfil Popular - Mauro Nunes da Silva

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Mauro Nunes da Silva

A nova editoria da revista IHU On-Line trará, em suas páginas, a partir desta edição, o perfil popular de alguém que, mesmo não vivendo no mundo acadêmico, sempre tem o que ensinar. Contaremos aqui a história de vida e a visão de mundo de pessoas que lutam pela sobrevivência e pela dignidade e que, apesar das dificuldades, têm sonhos e anseios de uma vida melhor.

 

A edição de hoje traz a entrevista com Mauro Nunes da Silva, 42 anos, presidente da Cooperativa de Habitação e Serviços Cooperprogresso, de São Leopoldo. Ele conta que ingressou na cooperativa pela necessidade de habitação, para sair do aluguel. Depois, acabou se agregando à direção da cooperativa para ajudar com a experiência que tinha em lidar com outras pessoas.

Antes da cooperativa, Mauro era taxista, quando também já era liderança do grupo, participando de sindicato e outras atividades do gênero. “Na cooperativa não foi diferente. Tentando ajudar, acabei assumindo esse papel de líder. Hoje eu vivo disso. Sou presidente da cooperativa e sou remunerado pra isso”, conta.

As atividades da cooperativa

A idéia inicial da Cooperprogresso era fazer casas para todos os associados, um loteamento. “Depois, a gente percebeu que isso não bastava, pois as pessoas que mais necessitavam iam acabar saindo, indo pra outros lugares. Daí perde o valor a nossa conquista”. Mauro refere-se às pessoas que vendiam as casas construídas pela cooperativa. “Então, a gente começou a pensar em trabalho. Resolvemos dar um seguimento às nossas atividades, até porque nós tínhamos pessoas lá com necessidade de trabalho, que não tinham formação ainda”. E confessa: “são essas coisas que me dão um prazer muito grande”.

Perguntado sobre o que ele mais aprende com as pessoas da cooperativa, Mauro é enfático: “tudo”. E explica: “a minha formação é pouca. Fiz o primeiro grau, mas de tudo que sei nos meus 42 anos, uns 80% eu aprendi nos últimos cinco anos, lá na cooperativa”. Ao todo, são 320 famílias envolvidas. Algumas se desenvolveram, outras regrediram, e outras conseguiram estudar. “Nós temos lá dentro, desde pessoas formadas em Economia até papeleiros. Uns ajudam os outros. Eu aprendi muito com isso. Nossa vida é meio, vamos dizer assim, amores e ódios. Mas tem que ter bastante democracia que funciona. Um pouco errado, um pouco certo, mas está indo”.

Um sonho de vida

O maior sonho de Mauro é conseguir, dentro da comunidade onde vive, fazer as pessoas, que estão lá, conseguirem permanecer no local, após a conclusão do loteamento. “Não quero que elas saiam por não terem emprego; não precisam ir embora para voltar para a terra natal”. Mauro sonha que o grupo da cooperativa possa se auto-sustentar. Na opinião dele, o que mais falta para as 320 famílias beneficiadas pela cooperativa é formação. “Algumas assessorias e outras coisas que nos faltam, nós também estamos providenciando, mas, às vezes, as coisas estão ao nosso alcance, e a gente não consegue alcançar”. O trabalho é um exemplo, cita Mauro. Ele conta que está desenvolvendo alguns projetos de trabalho e renda, mas acha que é preciso avançar em alguns setores que não foram desbravados ainda. “Tem pessoas nossas indo embora, porque não têm emprego, não conseguem se sustentar, vão morar com o pai ou a mãe, porque, de repente, têm um pedacinho de terra que as fazem voltar pro interior. Essa pessoa certamente vai voltar frustrada, porque ela veio há dez anos com uma expectativa e está voltando pra esse mesmo local”.

O mundo de Mauro

O presidente da Cooperprogresso é casado e tem quatro filhos. Ele se considera uma pessoa muito feliz. Na hora de educar seus filhos, Mauro prioriza a importância da honestidade. “Procuro mostrar pra eles como a vida pode ser. A importância de avançar na escola, de ter formação. Eu não tenho, e hoje faz muita falta. Eu não tive tempo pra me educar”. Ele confessa que até tem vontade de voltar a estudar, mas acha que acabou colocando outras prioridades. “Por isso, quero ensinar meus filhos a serem pessoas honestas, mais justas com a sociedade, mais justas com o próximo, com eles mesmos e com suas famílias”.

A importância de um lar

Mauro faz questão de ressaltar a importância da habitação, de as pessoas terem onde morar. “Eu conheço muito bem isso. O cidadão brasileiro, se estiver desempregado, sem ter o que comer, é horrível. Mas se ele puder voltar pra casa no final da tarde, fazer um chimarrão, tomar uma água com a sua mulher e os seus filhos dentro de uma casa, ele consegue pensar em soluções, pensar no dia de amanhã”.

Uma visão sobre o Brasil e a política

Mauro acha que o País vai para o lugar certo, mas que ainda levará muito tempo. “O nosso país é uma máquina muito viciada. Com a revolução política latino-americana, me parece que a esquerda assumiu a América Latina, num tipo de socialismo, diferente de país pra país. Talvez o Brasil seja um dos piores, com a metodologia mais fraca, menos ofensiva. Os outros líderes, como o Hugo Chávez, estão sendo mais agressivos nessa questão”. Para Mauro, a crise se resolve com mais educação e saúde. “Acho que não precisa investir em segurança. Se investir um pouco mais na educação, se resolve o resto”. No entanto, Mauro acredita que a mudança vai acontecer pela sociedade. “O governo dá as suas atiradas, mas o que depende é de nós, pessoas, termos mais solidariedade, menos individualismo, porque a política em geral já é colocada dessa forma e individualiza as pessoas. As questões ambientais não estão bem praticadas nas escolas e universidades. Tinha que ser lei o ensino ser mais agressivo na questão ambiental. Eu não tenho essa cultura. Acho que meu filho vai ser melhor que eu”.

A fé de Mauro

Mesmo batizado na Igreja Católica, Mauro não segue a religião. “Vou à igreja só quando preciso, como pra batizar um filho, me casar, nos rituais sociais. Tenho fé em Deus, mas sem padre no meio. Não pratico a doutrina religiosa que eu aprendi. Acho que isso é mais uma beleza tradicional, pra tirar fotos. Acredito muito em Deus, é com ele que eu me confesso. Ele é importante pra mim”.

O que mais incomoda e o que mais faz o Mauro feliz

“Na minha opinião, as maiores mazelas do mundo são a política e a imprensa”. O ex-taxista conta que gosta de política quando vê bons exemplos. Mas, para ele, o povo tem que fazer alguma coisa. “Eu faço, e aquilo que eu acho errado eu protesto, seja com quer for. A política me incomoda muito da forma como ela é exercida em alguns países, como nos EUA, pela forma como os americanos tratam os muçulmanos”. Outra coisa que o incomoda muito é a imprensa. “Acho a imprensa mundial muito vendida, muito subordinada aos governos. Se eu, como cidadão, atirar um papel de bala no chão, posso ser preso; o político rouba uma cidade inteira e a imprensa não faz nada. Isso me incomoda”. Mauro se revolta porque ele afirma praticar ações justas e, em muitos casos, a imprensa não dá espaço para elas. Os resultados do seu trabalho são o que fazem Mauro mais feliz. Além disso, seu ânimo de viver vem da sua família e dos seus pais. “Os resultados me animam, sinto-me um vitorioso. Sinto que vale a pena. Fico triste porque os resultados podiam ser muito maiores, mas me anima a trabalhar mais pelo que quero”. Mauro acredita no ser humano. “Temos um potencial muito grande, mas que não está sendo explorado. Vejo pessoas que estão além da margem da exclusão social, que não têm nada, mas que conseguem nos ensinar bastante. Consigo tirar muita coisa boa dessas pessoas. Se a humanidade pudesse ser mais solidária, as coisas se resolveriam muito mais fácil. Não é nosso papel, mas só o governo não consegue resolver. Nós somos responsáveis pela nossa desinformação, por colocar políticos lá que não fazem nada pela população”.

Profissão: taxista

Foi no seu tempo de taxista que Mauro aprendeu a lidar com as pessoas. Ele explica que o taxista, para ter um bom relacionamento, tem que ouvir as pessoas. “Eu queria que o cliente voltasse, então puxava um assunto, pra ver se a pessoa começava a conversar. As mulheres falavam os problemas que tinham com o marido, com os filhos, coisas que não sei pra quem mais elas contavam, mas pra mim elas contavam. Eu era uma pessoa que parecia amiga, um tipo de analista”. Mauro aprendeu nessa profissão, por necessidade, a trabalhar com pessoas muito diferentes. Ele lembra que era muito preconceituoso, principalmente em relação ao homossexualismo e à religião. “Depois, passei a trabalhar com tudo isso, a conhecer um pouco mais as pessoas. Isso me fez quebrar muitas barreiras dentro de mim. Fui aprendendo a respeitar as diferenças. Tive muitas experiências boas”.

Profissão: perigo

Para Mauro, o risco era um divertimento na época. “Eu perdi um carro, fui assaltado, fiquei quatro horas dentro do porta-malas dele. Nessas quatro horas, pensei em muitas coisas, pude rever alguns pontos. Eu tenho quatro filhos, um com cada mulher. Então, voltei a valorizar um pouco mais isso. Eu trabalhava muito e vi o que era realmente importante na minha vida. Eu sabia do risco que tinha de morrer naquele dia. Como ficaria a minha vida se eu morresse naquele momento? Será que os filhos estão preparados? Eu fiz tudo que deveria? Qual a imagem que eles vão ter de mim? Essas coisas eu aprendi”.

 

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