Edição 210 | 05 Março 2007

A política externa americana para o Oriente Médio: petróleo, poder e ideologia

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Sílvia Ferabolli

O artigo a seguir foi escrito pela jornalista Silvia Ferabolli com exclusividade para a IHU On-Line. As conclusões fazem parte da pesquisa desenvolvida por Ferabolli em sua dissertação em Relações Internacionais, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2005, sob o título A (des)construção da Grande Nação Árabe: condicionantes sistêmicos, regionais e estatais para a ausência de integração política no Mundo Árabe. Graduada em Jornalismo pela Unisinos e especialista em assuntos políticos do Oriente Médio, Ferabolli prepara-se para cursar doutorado nessa área na Universidade de Cambridge, Inglaterra.

 

Esse breve ensaio busca responder três questionamentos centrais que intrigam aqueles que acompanham o desenrolar dos conflitos no Oriente Médio. São eles: 1) qual é o real interesse dos Estados Unidos no Oriente Médio? 2) por que a aliança com os dois Estados-chave do Mundo Árabe – o Egito e a Arábia Saudita – não é vista como suficiente para assegurar os interesses norte-americanos na região? 3) por que Israel é percebido como o aliado central e necessário dos Estados Unidos no Oriente Médio? Esse debate, que envolve, necessariamente, o entendimento do peso do petróleo, do poder e da ideologia nas ações de política externa americana para o Oriente Médio, terá por base o pensamento de Emmanuel Todd  e Edward Said  Sobre o assunto em questão.

No que concerne à fixação dos Estados Unidos no Oriente Médio, Todd (2003) acredita que essa não seja fruto do temor de uma insuficiência do abastecimento de petróleo, já metade das importações petrolíferas americanas provém do chamado Novo Mundo, que está militarmente seguro para os Estados Unidos. Ainda, se forem somadas as quantidades provenientes desses países à própria produção americana, chega-se a um total de 70% do consumo dos Estados Unidos. 

Os países do Golfo Pérsico fornecem apenas 18% do consumo americano. Dessa forma, a energia que se trata de controlar não é a dos Estados Unidos, mas a do mundo e, mais especificamente, a da Europa e do Japão, os dois pólos que, economicamente, desafiam a supremacia norte-americana. “A verdade é que, pelo controle dos recursos energéticos necessários à Europa e ao Japão, os Estados Unidos esperam manter a possibilidade de exercer pressões significativas sobre eles.” (TODD, 2003, p. 167).

Essa afirmação, feita pelo demógrafo francês, em 2003, vai ao encontro da fala do secretário de Estado norte-americano, John Foster Dulles , ainda em 1958, que, na essência, advertia que o fornecimento vital de petróleo para a Europa Ocidental pelo Oriente Médio se tornaria crítica se os Estados árabes uniformizassem suas políticas petrolíferas. Assim, impor um sistema que impeça qualquer possibilidade remota de unificação das políticas árabes em relação ao petróleo, de maneira que sirva aos seus interesses, e não do mercado internacional da commodity, revela-se de vital importância para a manutenção da pretensa hegemonia americana no pós-Guerra Fria.

Por certo que as políticas petrolíferas dos Estados árabes já estão unificadas via OPEP. Contudo, essas políticas servem aos interesses dos membros dessa organização, especialmente das petromonarquias, não de todo o Mundo Árabe. Assim, impedir o desenvolvimento de qualquer forma de integração árabe que possa vir a alterar a correlação de forças na região em favor daqueles que querem mudanças políticas e econômicas que diminuam o poder dos chefes de Estado sobre os recursos nacionais e sobre suas populações é parte constituinte do esquema de ações de política externa norte-americana para o Oriente Médio. Nas palavras de Said,

[ . . . ] assim como as campanhas francesas, britânicas, israelenses e americanas contra Nasser foram desenhadas para derrubar uma força que abertamente demonstrava sua ambição de unificação dos Estados árabes em uma força política independente, o objetivo americano hoje é refazer o mapa do Mundo Árabe para servir aos seus interesses, não os dos árabes. A política estadunidense gera fragmentação, ausência de ação coletiva e fraqueza política e econômica árabe. (2003a, p. 1)

A invasão norte-americana do Iraque, em 20 de março de 2003, esteve diretamente relacionada com essas questões, pois visava a permitir a instauração definitiva no país de um regime subserviente. A Arábia Saudita, desde o 11 de setembro, é uma aliada problemática para os Estados Unidos, já que a maioria dos terroristas envolvidos nos ataques de 2001 era saudita, e a possibilidade de tê-la sob controle militar direto, via novo Iraque, certamente deve ser considerado um dos motivadores da intervenção estadunidense.

Porém, o percebido declínio da hegemonia norte-americana também deve ser considerado uma força significativa por trás das ações que levaram à invasão do Iraque. Ainda conforme Todd (2003), o desgaste da hegemonia estadunidense obriga o país a atacar Estados fracos, como o Iraque e o Afeganistão, para mostrar ao mundo que os Estados Unidos ainda são indispensáveis para a defesa do planeta e que a comunidade internacional precisa de sua proteção contra o terrorismo global – o inimigo contemporâneo que veio substituir o comunismo como legitimador das ações imperialistas norte-americanas. 
Quanto à segunda questão, pode-se afirmar com segurança que a impossibilidade de construção de uma ordem estadunidense no Oriente Médio que tivesse como centro a Arábia Saudita e o Egito reside no fato de que os regimes árabes, em sua totalidade, são a antítese do modelo americano de democracia e livre mercado. Assim, convencer as elites americanas da desejabilidade de criação de um sistema centralizado em uma monarquia absolutista e numa ditadura militar seria negar a supremacia dos valores americanos. Além disso, a importância dos aspectos culturais não deve ser subestimada:

de um lado, a América, país das mulheres castradoras, cujo anterior presidente foi obrigado a depor numa comissão de inquérito para provar que não dormiu com uma estagiária; de outro, Bin Laden, um terrorista polígamo com seus inúmeros meios-irmãos e meias-irmãs. (TODD, 2003, p. 162)

Israel, por sua vez, é um país ocidental por natureza, que é visto pela população americana como uma democracia virtuosa, moderna e racional, ou seja, o Estado israelense é a antítese dos regimes árabes-islâmicos – pelo menos na percepção de boa parte dos norte-americanos.

Além desse compartilhamento de valores democráticos e liberais capitalistas, as políticas de Israel e dos Estados Unidos são aproximadas por meio do Comitê de Relações Públicas Israelense-Americano – AIPAC – um poderoso lobby de Washington que há décadas vem influenciando a política estadunidense para o Oriente Médio, e cuja força advém de uma população judaica bem-organizada, bem-conectada, altamente visível, bem-sucedida e abastada e que, por isso mesmo, enfrenta pouquíssima resistência. “Há um saudável temor e respeito pelo AIPAC em todo o país, mas especialmente em Washington, onde, em questão de horas, o Senado quase inteiro pode ser conduzido a assinar uma carta ao presidente em favor de Israel.” (SAID, 2003b, p. 98). Já os árabes “são muito fracos, divididos, desorganizados e ignorantes” (SAID, 2003b, p. 96). para fazer frente ao poder político da comunidade sionista norte-americana. No que tange à terceira questão, pode-se então inferir que a centralidade israelense no esquema estadunidense para o Oriente Médio é assegurada pela afinidade de visões de mundo entre Israel e Estados Unidos e pelo forte lobby sionista que trabalha efetivamente para a manutenção da posição de Israel como o mais importante aliado norte-americano na região.
Essas conclusões parecem corroborar a tese de Said (2003a) de que nos mais de cinqüenta anos desde que os Estados Unidos impuseram a sua pax no mundo e, especialmente, no pós-Guerra Fria, o país tem conduzido a sua política externa para o Oriente Médio apoiada em dois princípios únicos e essenciais: a defesa de Israel e o livre fluxo do petróleo árabe, ambos envolvendo oposição direta às ambições de independência dos povos árabes ante a dominação ocidental, que iniciou há mais de 200 anos, com a invasão napoleônica do Egito, e que parece não ter previsão para acabar.

Referências

FERABOLLI, Silvia. A (des)construção da Grande Nação Árabe: condicionantes sistêmicos, regionais e estatais para a ausência de integração política no Mundo Árabe. Dissertação de Mestrado apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFRGS, 2005.
SAID, Edward.  The Arab Condition. Al-Ahram Weekly, Cairo, May 2003a. Disponível em: <http://weekly.ahram.org.eg/2003/639/on2.htm>. Acesso em: 1 maio 2005.
SAID, Edward. Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2003b.
TODD, Emmanuel. Depois do Império. Rio de Janeiro, Record, 2003.

 

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