Edição 516 | 04 Dezembro 2017

Base Comum Curricular, um instrumento da biopolítica

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João Vitor Santos

Sílvio Gallo vê na proposta apresentada pelo Ministério da Educação a atualização de um desejo de controle da população e alinhamento às perspectivas neoliberais

“O que se vê num projeto desta natureza é um desejo de controle populacional, o que Michel Foucault denominou uma biopolítica”. É assim que o filósofo Sílvio Gallo define a versão da proposta da Base Nacional Comum Curricular - BNCC. Ele explica que, ao longo da História do Brasil, sempre foi destacada essa necessidade de constituição de uma nação, e o campo da educação serve muito bem a esse propósito. É a “ideia recorrente de que a educação brasileira deve abarcar todo o conjunto do povo brasileiro, garantindo a todos os cidadãos os mesmos direitos básicos no que respeita ao aprendizado”. Segundo Gallo, o problema é que esse desejo se transveste em instrumento de controle, por vezes ainda com um verniz de democracia. “Se constituiu no país, desde o início do processo de redemocratização em meados da década de 1980, uma ‘governamentalidade democrática’”, pontua.

Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Gallo destaca que essa não é a única fragilidade do projeto. A Base promove uma uniformização, que visa possibilitar avaliações em larga escala. Para ele, isso é um “ícone do neoliberalismo contemporâneo” que estende seus tentáculos sobre a escola, tida como fábrica de cidadãos alinhados com suas perspectivas. “A alquimia que assistimos é a de procurar compatibilizar nossos sistemas, apresentados à população como democráticos e com atenção social, com os preceitos neoliberais dos organismos internacionais”, analisa. Assim, como linha de resistência, o professor provoca: “a consolidação de sistemas públicos de ensino, da educação infantil à universidade, com qualidade socialmente referenciada, parece-me ser o grande desafio a ser enfrentado pela sociedade brasileira neste século”.

Sílvio Gallo, filósofo de formação, especializou-se em Filosofia da Educação e atualmente é professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Dedica-se ao estudo da filosofia francesa contemporânea para pensar a problemática educacional. É autor do livro didático para o Ensino Médio Filosofia – experiência do pensamento (São Paulo: Scipione, 2014). Em 2017 organizou, junto com Margareth Rago, o livro É inútil revoltar-se? Michel Foucault e as insurreições (São Paulo: Intermeios, 2017).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor avalia todo o processo de construção da Base Nacional Comum Curricular - BNCC?
Sílvio Gallo – Podemos começar dizendo que a construção de uma Base Nacional Comum Curricular retoma um movimento que não é novo e nem é original. Já com a formação dos Estados nacionais europeus modernos a educação aparecia como um forte componente do projeto de construção de uma nação. Tratava-se de definir uma língua única, de enfatizar uma cultura nacional e para isso os processos educativos serviram como instrumentos importantes.

Aqui no Brasil, podemos identificar diversos movimentos e processos nos quais a educação foi instrumento para a construção de uma nacionalidade; mesmo com a valorização de aspectos regionais, a afirmação de um pertencimento a uma pátria. Isso se traduziu, por exemplo, em determinados momentos históricos, na imposição do português como língua única de ensino, o que significou a impossibilidade da prática de idiomas indígenas em escolas com grande número de pessoas que não dominava a Língua Portuguesa, mas que precisavam ser introduzidos a ela para garantir sua integração na comunidade e a própria integração nacional. Isto também se pode notar em situações em que foi proibido o ensino em língua estrangeira em comunidades de imigrantes. País único, língua única. Idioma como fator de integração nacional e processos educativos formais como seu veículo.

De modo que a BNCC é mais uma investida nesta direção. Definir as “aprendizagens essenciais” que devem ser comuns a todos os estudantes brasileiros da educação básica é uma maneira de garantir uma mesma orientação nos currículos das escolas brasileiras, não importa se esteja na capital gaúcha, na periferia de São Paulo ou no interior do Acre. Há que se garantir uma unidade nacional, ainda que se respeitem as diversidades regionais.

Educação como instrumento da biopolítica

Ora, o que se vê num projeto desta natureza é um desejo de controle populacional, o que Michel Foucault denominou uma biopolítica. O exercício de um poder que produz seus efeitos sobre uma população que é governada como população, tomada em seu conjunto. Por isso a ideia recorrente de que a educação brasileira deve abarcar todo o conjunto do povo brasileiro, garantindo a todos os cidadãos os mesmos direitos básicos no que respeita ao aprendizado.

Um outro lado da questão é a uniformização que a BNCC promove, tornando possíveis as avaliações de larga escala, ícone do neoliberalismo contemporâneo, que possibilitariam que, ano a ano, tivéssemos um retrato fiel das condições da educação no país, de norte a sul e de leste a oeste, permitindo o planejamento de intervenções onde for necessário e o direcionamento dos recursos e dos investimentos de forma racional.

IHU On-Line – O que essa última versão da BNCC, entregue pelo Ministério da Educação ao Conselho Nacional de Educação, revela?
Sílvio Gallo – A versão apresentada como “Versão Final”, se comparada com a “Segunda Versão” revela, sobretudo, uma mudança de perspectiva. Destaco que aquilo que na versão anterior era denominado como “Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento”, denotando uma certa visão político-social (as escolas devem ensinar aquilo a que, por direito, todo cidadão brasileiro deve ter acesso), passou a ser apresentado como “Competências Gerais da Base Nacional Comum Curricular”. Ainda que no âmbito da Educação Infantil a estrutura siga a mesma, no âmbito do Ensino Fundamental a alteração estrutural foi clara.

Se antes se apresentavam os eixos de formação, as áreas do conhecimento, cada uma delas definindo seus objetivos gerais de formação, que se desdobravam nos componentes curriculares que, por sua vez, apresentavam os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, a versão enviada ao Conselho Nacional de Educação pelo MEC modifica tudo isso. Nesta última versão, as áreas do conhecimento definem as competências específicas de área e são estruturadas em componentes curriculares, cada um com suas competências específicas. Cada componente curricular tem suas unidades temáticas e objetos de conhecimento, que se consolidam nas habilidades a serem desenvolvidas. Tudo isso é atravessado por “temas contemporâneos”, que devem estar contemplados nas habilidades de todos os componentes curriculares, de forma transversal e numa perspectiva integradora. Tudo isso é mostrado na página da BNCC no MEC, através de um estudo comparativo, que pode ser consultado .

A versão final revela, pois, uma mudança significativa na proposta de estruturação do Ensino Fundamental. Qualquer semelhança com a fundamentação filosófica das propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais produzidos na segunda metade da década de 1990, logo depois da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, não é mera coincidência. Com a mudança de governo de 2016, mudanças significativas aconteceram no Ministério de Educação e o mesmo grupo político que dominou a construção das políticas públicas de educação durante o governo FHC voltou a dar as cartas no Ministério, retomando sua concepção e seu projeto depois de quase vinte anos.

Evidencia-se, assim, que não importa qual o partido hegemônico no governo federal, encontramo-nos no mesmo regime de governamentalidade. Mudanças pontuais ou mesmo bastante significativas podem ser feitas, modificando-se as ênfases e as concepções educativas, mas o projeto educativo segue sendo um componente biopolítico de governo. Há alguns anos venho fazendo exercícios de leitura da produção biopolítica em educação no Brasil nas últimas três décadas, defendendo a ideia de que se constituiu no país, desde o início do processo de redemocratização em meados da década de 1980, uma “governamentalidade democrática” (pensada a partir de Foucault, mas orientada para as especificidades brasileiras, daí a adjetivação como “democrática”, que não caberia na obra do filósofo francês). A hipótese é que a construção biopolítica brasileira esteve e está centrada na construção e promoção da cidadania, uma vez que saídos de 25 anos de um regime político de exceção, era necessário constituir a cidadania do brasileiro, de modo que fosse possível a construção de uma sociedade democrática, alicerçada na participação política e na afirmação dos direitos sociais da população.

A BNCC é mais uma peça na intensa produção de políticas públicas em educação pós-LDB e enfatiza, uma vez mais, seu perfil democrático, quando a página do MEC, bem como as diferentes versões do documento, salienta que ela é fruto de processo coletivo com grande participação da comunidade. Mas vemos que não importa o quanto haja de participação: um grupo político impõe sua visão de educação e define os rumos daquilo que se faz na área.

IHU On-Line – Recentemente, a proposta de “reforma” do Ensino Médio provocou muita discussão por preterir disciplinas como Filosofia e Sociologia. Qual a questão de fundo numa ideia de “reforma” que deixa em segundo plano disciplinas de caráter mais humanista?
Sílvio Gallo – A “reforma” definida a toque de caixa pelo governo Temer e, sem qualquer debate com a comunidade, aprovada de modo sumário foi a investida mais visível de um governo que parece pretender neutralizar e mesmo voltar atrás numa série de ações que foram levadas a cabo pelos governos anteriores. No que diz respeito a Filosofia e Sociologia, penso ser interessante destacar que após a reforma de 1971 ter definido um currículo em que essas disciplinas eram ausentes, mas tínhamos a presença de “Educação Moral e Cívica” e de “Organização Social e Política do Brasil”, criadas para fazer a difusão oficial da ideologia governista, iniciou-se um longo e amplo movimento de reivindicação da presença de Filosofia e de Sociologia no nível médio.

No projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação que foi gestado no Congresso Nacional, elas apareciam como disciplinas obrigatórias; no substitutivo assinado por Darcy Ribeiro , que viria a ser a Lei 9.394/96, apareciam como “conhecimentos necessários ao exercício da cidadania”, mas sem a definição de sua presença disciplinar no currículo. A defesa do MEC, à época, era que elas deveriam sim estar presentes, mas como “temas transversais” às demais disciplinas. Um projeto de lei complementar que tornava Filosofia e Sociologia disciplinas obrigatórias, aprovado no Congresso, foi recusado pelo presidente FHC, por recomendação de seu ministro da Educação, Paulo Renato de Souza , justamente com o argumento de não “disciplinarizar” e enrijecer demais o currículo do Ensino Médio, afirmando que elas deveriam permanecer como temas transversais.

Apenas uma observação, visto que não temos como desenvolver o tema aqui: os nossos currículos são tradicionalmente disciplinares, o que significa que se não são disciplinas, não temos como ter professores de Filosofia e de Sociologia nas escolas. Por outro lado, os professores das demais disciplinas, também formados disciplinarmente, não são preparados para trabalhar esses conteúdos, e o resultado é que elas ficam presentes apenas no discurso, não na prática.

Retomada da Filosofia e Sociologia

Com o governo Lula, o processo foi retomado e em 2008 o então presidente em exercício, José Alencar , sancionou o substitutivo da LDB que tornou Filosofia e Sociologia disciplinas obrigatórias. Temos, portanto, menos de dez anos desta decisão e, se levarmos em conta que a lei definia o prazo até 2012 para que os governos estaduais, responsáveis pelo Ensino Médio, implementassem a decisão, temos efetivos cinco anos de obrigatoriedade do ensino destas disciplinas. Desde 2012, Filosofia e Sociologia estão no Programa Nacional do Livro Didático - PNLD e livros destas disciplinas são escolhidos pelos professores e distribuídos em todas as escolas brasileiras. Filosofia e Sociologia estão no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem e passaram a fazer parte do cotidiano de todos os estudantes brasileiros do Ensino Médio. A formação política e crítica, para o exercício do pensamento e para a livre análise da realidade social, tornou-se a tônica destas disciplinas. Temos já condições de analisar seus efeitos, em tão pouco tempo? Evidentemente não.

Então fomos, todos, surpreendidos por esta “reforma” apressada, em que se afirma que estas áreas são muito importantes e que devem estar presentes na formação dos jovens, mas não como disciplinas e sim como “estudos e práticas”. Como isso pode ser feito e como será feito, ninguém ainda o disse. Isso nos leva a crer que, uma vez mais, estaremos na mesma situação do final da década de 1990. Como observei em resposta anterior, não é de se estranhar que temos hoje no MEC o mesmo grupo daquela época, impondo um retorno à sua concepção de educação, “democraticamente” apresentada ao povo brasileiro como a melhor e a mais conveniente para todos...

IHU On-Line – A última versão da BNCC não compreende o Ensino Médio. Qual o sentido de discutir uma “reforma” do Ensino Médio sem antes se ter pelo menos uma proposta de base nacional para esse período escolar?
Sílvio Gallo – As duas coisas estão, claro, interligadas. A própria BNCC poderia significar o disparo de uma reforma deste nível de ensino. Mas o governo decidiu instituir a reforma por medida provisória, “atropelando” o próprio processo de construção da Base, sendo levado em seguida a postergar a sua definição, visto que há que se consolidar as mudanças preconizadas por tal reforma para definir em seguida a base curricular.

Este “atropelo” mostra certa afobação do governo em colocar os sistemas educativos brasileiros em sintonia com os preceitos neoliberais explicitados por organismos como o Banco Mundial. A alquimia que assistimos é a de procurar compatibilizar nossos sistemas, apresentados à população como democráticos e com atenção social, com os preceitos neoliberais dos organismos internacionais.

IHU On-Line – Quais os limites e potencialidades de constituir uma base curricular em todos os níveis escolares num país de dimensões continentais como o Brasil?
Sílvio Gallo – Penso que esta resposta está articulada com aquela que dei para a primeira pergunta. Trata-se, justamente, de procurar construir uma “unidade nacional” num país que, pela extensão territorial, seria muito fácil de se perder. A dificuldade está em se conseguir implementar, de fato, a Base em todo o território nacional.

Já tivemos a edição de “parâmetros”, de “orientações” e de “diretrizes” curriculares, que pretendiam dar subsídios para a organização dos sistemas escolares. Agora, com a Base, o movimento parece ser mais forte. Não se trata de orientar, mas de definir o que deve ser feito. Ainda que se deixe uma margem de escolhas para complementar aquilo que é básico, trata-se da definição e imposição, em todo o território, de um sistema. A questão é saber como isso será implementado, gerenciado e controlado pelo governo federal. Conseguiremos efetivar uma base nacional comum, as escolas a aceitaram? Ou serão refratárias a ela? O governo imporá sua efetivação? Através de que mecanismos? Teremos espaço efetivo para a construção de especificidades regionais e locais?

Enfim, o limite é justamente a dificuldade da extensão territorial. A imposição de uma base não será, de fato, o apagamento das diferenças regionais? Em nome de uma “identidade e unidade nacional” é isso mesmo o que queremos?

IHU On-Line – Temos observado um avanço do conservadorismo e, ao mesmo tempo, uma inaptidão para o debate de ideias. A escola corre o risco de ser soterrada por essa onda?
Sílvio Gallo – Um neoconservadorismo cresceu no Brasil sem que nos déssemos conta e explodiu em visibilidade pelos meios de comunicação, com centralidade nas redes sociais viabilizadas pela tecnologia. Em boa medida, este crescimento é uma reação ao desenvolvimento de políticas sociais afirmativas: na medida em que a questão racial ganha espaço nas escolas, atitudes racistas saltam aos olhos nas redes sociais; na medida em que ações formativas relacionadas ao gênero e à sexualidade e o combate à homofobia ganham espaço nas escolas, o preconceito mostra sua cara e articula-se politicamente, a ponto de ter impedido, anos atrás, uma ação de governo que produziu material para educação sexual nas escolas e que foi abortada.

Se a escola sucumbirá a essa onda, dependerá de nossa capacidade de resistência. Os seguintes versos de Caetano Veloso são emblemáticos de nosso presente: “Eram os outros românticos, no escuro / Cultuavam outra idade média, situada no futuro /Não no passado”. São da canção “Os outros românticos”, do álbum “O Estrangeiro”, lançado em 1989 e parecem profetizar nossa atual condição, a consolidação de uma outra “idade média”, a defesa de um obscurantismo contra o conhecimento racional. Se a escola sucumbir a tal onda, será o fim da educação. Não podemos permitir que isso aconteça.

IHU On-Line – Num mesmo período em que se discutem ideias como “escola sem partido” , percebe-se o ativismo de estudantes que ocupam colégios como forma de reivindicar educação de qualidade. Como compreender essas duas realidades num mesmo mundo?
Sílvio Gallo – Projetos como o “Escola sem partido” são parte do obscurantismo a que me referi anteriormente, um exercício de ignorância (no pior sentido do termo) e não de conhecimento. Afirmei que precisamos resistir e para mim a esperança de que uma resistência possa se constituir vem justamente da movimentação dos estudantes. No final de 2015 tivemos um amplo movimento de ocupação de escolas no estado de São Paulo em reação a uma decisão do governo estadual de fechar quase uma centena de instituições. Mais do que conseguir barrar a ação do governo naqueles momentos, os jovens estudantes deram mostras de cidadania efetiva e experimentaram outras possibilidades de criação de si mesmos e de suas vidas. Deram aulas para toda a sociedade. Em 2016, movimentos espalharam-se pelo Brasil, com mais de mil escolas ocupadas, em protesto contra a reforma anunciada pelo governo federal.

Os dois movimentos são produzidos pelo tempo em que vivemos. Avançamos no enfrentamento de situações sociais, reduzimos a pobreza e ampliamos o acesso à escola, combatendo velhos preconceitos. Forças contrárias se articulam e buscam impor suas ideias, buscando retomar o controle da situação. Mas forças democráticas resistem e mostram que uma educação mais democrática, aberta ao debate social tem seus efeitos. O momento que vivemos é exatamente o do conflito; que futuro seremos capazes de produzir?

IHU On-Line – Quais os maiores desafios para o campo da educação no Brasil do século XXI?
Sílvio Gallo – Este tipo de pergunta é sempre muito difícil de ser respondido, dada a sua amplitude. Tentarei responder apenas dizendo que, em meu ponto de vista, não podemos abrir mão de seguir ampliando o acesso à educação no país, sem abrir mão da escola pública. Sabemos que grupos privados veem a educação como um excelente negócio, com retornos financeiros garantidos; as pressões neoliberais para flexibilizar a educação e possibilitar maior acesso de grupos financeiros (inclusive estrangeiros, como temos visto no caso da educação superior) são fortes. Exatamente por isso, não podemos deixar de lado a defesa da escola pública, espaço de formação democrática e social. A consolidação de sistemas públicos de ensino, da educação infantil à universidade, com qualidade socialmente referenciada, parece-me ser o grande desafio a ser enfrentado pela sociedade brasileira neste século. Mas que sejam espaços múltiplos e plurais, espaços de convívio nas diferenças e com abertura de pensamento, não espaços de distribuição de dogmas e posições conservadoras.

IHU On-Line – Como deve ser o professor do século XXI? Em que medida as universidades estão preparadas para formar esses profissionais?
Sílvio Gallo – Esta pergunta é tão difícil quanto a anterior, pela mesma razão. Na mesma linha, penso que o professor é e precisa ser uma figura pública, que está num espaço público comprometido com a preparação das novas gerações. Ele não está ali para expor suas opiniões, mas para mediar o acesso à cultura, mostrando que a cultura e o conhecimento são locais de debate de posições. O professor não é e não pode ser neutro. Na medida em que ele assume claramente suas posições, ele ensina aos estudantes que tomar posição é importante. Mas não pode impô-las.

Nesta direção, o professor precisa de uma sólida formação em sua área de saber, mas também ter capacidade de mediar a relação dos estudantes com o conhecimento. Precisa também ser capaz de pensar autonomamente, para que possa mobilizar nos estudantes a possibilidade de que pensem por si mesmos e sejam capazes de fazer as escolhas necessárias em suas vidas.

As boas universidades brasileiras, sobretudo as universidades públicas e as universidades privadas que têm sólido projeto social, não estando interessadas apenas nos lucros, têm todas as condições de formar este profissional e o estão fazendo. Um apoio interessante foi o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, o Pibid, que significou uma verdadeira revolução na formação de professores no Brasil, com efeitos importantes e muito interessantes.

Mas de todos os lados percebemos forças distintas, que buscam uma formação do professor mais tecnicista, menos amparada numa boa formação teórica e mais “dador de aula”. Tais forças se mostram presentes também no desmonte do Pibid.

Temos que fazer frente a tais forças e tentar consolidar o que vem sendo construído. ■

Leia mais

- As contribuições de Foucault à educação. Entrevista com Sílvio Gallo, concedida à IHU On-Line número 203, de 06-11-2016.

- A educação sob os parâmetros da biopolítica: o efeito Foucault. Entrevista especial com Sílvio Gallo, publicada nas Notícias do Dia de 11-10-2010, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

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