Edição 210 | 05 Março 2007

A necessidade de luta pelo respeito aos direitos das mulheres

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IHU Online

Clair Ribeiro Ziebell é professora no curso de Serviço Social da Unisinos. Ela foi coordenadora da Assessoria a Movimentos de Mulheres da Unisinos. Clair possui graduação em Serviço Social pela Universidade Católica de Pelotas e mestrado em Educação pela Unisinos, tendo sua dissertação o título Mulheres na luta por educação: qual protagonismo?. Tem experiência na área de Serviço Social, atuando principalmente nos temas de educação, mulheres e movimentos sociais.


Na entrevista que concedeu por e-mail para a revista IHU On-Line, a assistente social fala sobre o projeto encerrado no ano passado e sobre como ela vê o protagonismo das mulheres na sociedade contemporânea com base em sua experiência.

IHU On-Line - Em que sentido a assessoria a movimentos de mulheres, coordenada por você, mostrou a realidade das mulheres de nossa sociedade? Como o trabalho, na prática, ajudou a caracterizar as mulheres de nossos dias? As mulheres são as protagonistas de nossa sociedade? 
Clair Ziebell
- Em São Leopoldo, acompanhamos, via assessoria do Serviço Social, na extensão/Unisinos, muitas mudanças nos movimentos de mulheres na defesa da cidadania e na cidade. Elas provêm das classes populares e buscam superar a desigualdade social e a pobreza vividas no cotidiano. O desvelamento da questão social mais ampla e do lugar ocupado pelas mulheres nesse contexto foi mediado pela metodologia da educação popular e feminista. Assim sendo, privilegiamos a problematização das questões específicas explicitadas por elas. Partindo da percepção mais aparente que tinham da realidade fomos, processualmente instrumentalizando-nos pela ação e pela reflexão, pela investigação permanente, para desvendar os nexos, as relações com o contexto mais amplo.

Aperfeiçoamos o que chamamos de “pedagogia dos encontros”, experiência advinda das CEBs, como mediação para a organização coletiva, resultando dessa trajetória, na constituição e incubação do Fórum de Mulheres de São Leopoldo (FMSL) que atualmente vem protagonizando lutas em torno de políticas públicas mais inclusivas, integrando as perspectivas de gênero e raça/etnia na proposição e controle social das políticas em andamento. Fundado em 2000, o FMSL foi nossa prioridade estratégica. O movimento atua na defesa e proteção contra a violência, a educação não-sexista, igualdade de gênero no trabalho e na família e demais instâncias sociais, direito à participação política e a um novo exercício do Poder. Essa assessoria ao FMSL recebeu ainda importantes aportes de nossa inserção em redes nacionais (Rede Mulher de Educação- RME/SP) e internacional (Rede de Educação Popular entre mulheres para América Latina e Caribe – REPEM/Montevidéu).

Concluindo, nós mulheres somos importantes protagonistas, assim como os homens e demais pessoas que procuram incidir nos rumos que nossas sociedades devem tomar. No caso específico das mulheres, os limites ainda são muitos, sendo muito tímido o protagonismo no que tange à decisão, no acesso ao poder institucionalizado e a incidência da perspectiva de gênero na economia, hoje marcada pelo androcentrismo. Como acadêmicas, entendemos que as teorias por si só não transformam o mundo, elas têm que ser incorporadas por pessoas, aqui mulheres organizadas em fórum permanente, que inconformadas com a desigualdade social, juntam-se a outros segmentos afins, buscando alternativas de ação, reivindicando políticas sociais públicas inclusivas, sem perder de vista o sonho e a esperança ativa de uma outra sociedade, uma luta árdua com e para toda a humanidade.

IHU On-Line - Quais as diferenças entre movimento feminista e movimento de mulheres? Como se caracteriza o movimento de mulheres como movimento social?
Clair Ziebell
- Essa é uma questão complexa e controvertida. Eu, particularmente, prefiro falar em relações e não demarcar campos ou diferenças, embora reconheça segmentações e tensões existentes nesse âmbito. A partir de 1990, fala-se em feminismos, em movimentos de mulheres, feminismo acadêmico, movimentos de gênero ou / e até em pós-feminismo, como se esse houvesse acabado.

Falo baseada em minha experiência no exercício profissional e de militância com mulheres, em que, desde muito jovem, descobri que certos princípios e valores norteadores de meu pensar e fazer sintonizavam com teorias e ações feministas, sem que eu tivesse ainda um contato direto com esses movimentos específicos. Posteriormente, na metade dos anos 1990, em representação pelo antigo CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa) da Unisinos, numa assembléia do CEAAL (Conselho de Educação de Adultos da América Latina), conheci militantes da Rede Mulher de Educação e da REPEM nas quais exerço militância até o momento.

A partir daí incorporo e busco compreender melhor a ação feminista no mundo e mais especificamente a América Latina e o brasileiro. Nessas redes, participam feministas e lideranças de outros movimentos de mulheres. Na RME e na REPEM, trabalhamos com a metodologia da educação popular feminista. A minha compreensão dos movimentos de mulheres como movimento social se dá na perspectiva da articulação do feminismo aos movimentos sociais populares, no meu entender, mais afinados com a realidade latina. Acredito que ainda são os portadores de utopias que nutrem a nossa esperança. 

IHU On-Line - Como se deu a evolução do movimento feminista através da história e qual o papel e a função do movimento de mulheres hoje? 
Clair Ziebell -
Responder a essa questão satisfatoriamente implicaria tecer relações com o contexto Europeu e a influência norte-americana, no pós-guerra, os anos 1960 e seus desdobramentos, os movimentos sociais e as ONGs latino-americanas e brasileiras, atualmente. Mas, numa entrevista, temos que fazer o esforço da síntese. Assim, destaco o Brasil, num processo que vai de Nísia Floresta, no século XIX, em que as pautas eram a educação e a participação política. Passa pela conquista do voto com Bertha Lutz  e tantas ativistas, nas primeiras décadas do século XX (considerado um marco na luta das mulheres) até a atualidade, de Raimunda Gomes da Silva ou Raimundinha “dos cocos”, no Tocantins, como é conhecida essa militante no Conselho Nacional dos Seringueiros//Secretaria da Mulher Rural e Extrativista, associada educadora da Rede Mulher de Educação e integrante do grupo de mulheres brasileiras que concorreram coletivamente ao prêmio Nobel da Paz/2005. Uma história de feminismos (anarquista, liberal, radical, socialista...) ainda não totalmente reconhecida e escrita, mas de importantes avanços (participação em sindicatos por direitos trabalhistas, preparação de conferências e convenções nacionais e internacionais e as normatizações dai decorrentes, maior liberdade sexual e reprodutiva, conselhos de direitos de mulheres, delegacias da mulher, Lei Maria da Penha...) para citar as mais conhecidas.

As feministas serão sempre imprescindíveis. Se hoje as mulheres têm, formalmente, seus direitos explicitados, parte do mérito vem dessas militantes. Foram elas que, algumas inconformadas com o patriarcado, contra o capitalismo, outras apropriando-se dos estudos de gênero, da educação popular entre outros instrumentos usados no combate à desigualdade de gênero, de classe e de raça, trilharam caminhos antes inimagináveis para o reconhecimento dos direitos humanos das mulheres.

Acredito que esses movimentos, no mundo ocidental (do outro lado conhecemos pouco e de forma distorcida) sejam eles de inspiração feminista ou de outra influência, têm ainda um longo percurso pela frente. Entretanto, as demandas advindas das contradições geradoras da questão social capitalista são da humanidade. Temos que forjar mulheres e homens capazes de sonhar, imaginar e construir um outro jeito de ser e de viver, garantidor da vida para as atuais e futuras gerações.       

IHU On-Line - Quais as principais correntes feministas hoje?
Clair Ziebell -
Acredito que a corrente liberal ainda é mais forte do que queiramos admitir e influencia boa parte das ações feministas. As demais correntes existentes, como as marxistas/socialistas, incidem em grupos mais orgânicos e ligados a partidos políticos ou movimentos sociais mais amplos, como a marcha mundial das mulheres e os movimentos pela terra. Se formos pensar em novidade, teríamos o eco-feminismo, que, para alguns setores, parece trazer respostas para a preservação do planeta, quem sabe apontando para o eco-socialismo como esperança de tempos melhores.

IHU On-Line - O que a mulher de hoje mais reivindica?
Clair Ziebell
- As pautas mais reivindicadas atualmente na América Latina e Brasil, no âmbito macro, giram em torno da defesa do desenvolvimento sustentável e da conseqüente incidência de gênero na economia, da superação da visão antropocêntrica na economia e na política. A liberdade sexual e reprodutiva e a redução da pobreza e da violência doméstica e de gênero se destacam. Em síntese, ainda há necessidade de muita luta para que realmente os direitos humanos das mulheres sejam respeitados.    

 

 


 

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