Edição 515 | 13 Novembro 2017

O complexo e multifatorial caminho do suicídio

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Vitor Necchi | Edição: Ricardo Machado

Neury José Botega traça um panorama sobre os desafios no enfrentamento deste problema no Brasil

O recente relatório divulgado pelo Mapa da Violência aponta o crescimento na taxa de suicídios de jovens entre 15 e 29 anos. O cenário requer, como aponta o médico, professor e pesquisador Neury José Botega, que seja “elaborado e aprovado um plano de prevenção, o que permitirá dotação orçamentária e apoio mais efetivo a diferentes estratégias regionais, de acordo com a necessidade da população”.

“Situações de crises existenciais ou de doenças mentais agudas que levam ao suicídio precisam de atendimento rápido, feito por pessoal capacitado e disponível. A rede pública de saúde mental é precária, e a assistência psiquiátrica de urgência raramente está disponível com a qualidade que seria necessária, isso mesmo em grandes centros urbanos”, sugere o professor em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Há, ainda, fatores conjunturais. “Crescimento rápido gera desorganização, aumento desenfreado dos ‘apetites’ humanos, com maior risco de derrocada financeira e existencial”, complementa.

Sobre a cobertura midiática dos suicídios, Botega pondera que a não divulgação é prudente, contudo não gera a redução do número de casos. “Sempre houve receio da imprensa de publicar sobre suicídio, temendo que novos casos de suicídio pudessem ser estimulados. É uma boa preocupação, pois a glamorização ou romantização do suicídio pode levar pessoas vulneráveis a se matarem. No entanto, a simples negativa de publicar sobre o assunto não é benéfica para a população”, frisa.

Neury José Botega é graduado em Medicina, com residência em Psiquiatria, e doutor em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, onde trabalha no consultório e no Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas. Fez estágio pós-doutoral no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres. É autor de diversas obras, entre elas Prática psiquiátrica no Hospital Geral (Porto Alegre: Artmed, 2015), Crise suicida. Avaliação e manejo (Porto Alegre: Artmed, 2015) e Telefonemas na Crise. Percursos, desafios na prevenção do Suicídio (Porto Alegre: Artmed, 2010).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como explicar o suicídio? Por que alguém toma atitude tão drástica?
Neury Botega – O suicídio é um fenômeno complexo, por isso não devemos buscar uma solução simples, uma resposta rápida. São muitos fatores que se combinam ao longo do tempo, desde fatores hereditários, condições da primeira infância, transtornos mentais, estresses crônico e atuais.

 

IHU On-Line – Todo suicídio é antecedido por uma dor psíquica insuportável?
Neury Botega – A maioria, sim. Há uma sensação de desespero insuportável, perene, que não há saída. O suicídio passa a ser a maneira de cessar a consciência dessa dor do viver. Há, também, os suicídios impulsivos, que de alguma forma antecedem o intenso sofrer (isso necessita de pensamentos, o que não ocorre no suicídio impulsivo).

IHU On-Line – Há fatores de risco que levam ao suicídio?
Neury Botega – Inúmeros, como resume o quadro. Fator de risco é um conceito oriundo de estudos populacionais, com milhares de indivíduos. Ainda assim, quando uma pessoa tem um forte fator de risco, ou uma combinação de fatores, isso orienta a presteza dos cuidados que temos que tomar a fim de evitar um suicídio.

Fatores de risco para o suicídio

Sociodemográficos
Sexo masculino
Adultos jovens (19 a 49 anos) e idosos
Estados civis viúvo, divorciado e solteiro (principalmente entre homens)
Orientação homo ou bissexual
Ateus, protestantes tradicionais > católicos, judeus
Grupos étnicos minoritários

Transtornos mentais
Depressão, transtorno bipolar, abuso/dependência de álcool e de outras drogas, esquizofrenia
Transtornos de personalidade (especialmente borderline)
Comorbidade psiquiátrica (coocorrência de transtornos mentais)
História familiar de doença mental
Falta de tratamento ativo e mantido em saúde mental
Ideação ou plano suicida
Tentativa de suicídio pregressa
História familiar de suicídio

Psicossociais
Abuso físico ou sexual
Perda ou separação dos pais na infância
Instabilidade familiar
Ausência de apoio social
Isolamento social
Perda afetiva recente ou outro acontecimento estressante
Datas importantes (reações de aniversário)
Desemprego
Aposentadoria
Violência doméstica
Desesperança, desamparo
Ansiedade intensa
Vergonha, humilhação (bullying)
Baixa autoestima
Desesperança
Traços de personalidade: impulsividade, agressividade, labilidade do humor, perfeccionismo
Rigidez cognitiva, pensamento dicotômico
Pouca flexibilidade para enfrentar adversidades

Outros
Acesso a meios letais (arma de fogo, venenos)
Doenças físicas incapacitantes, estigmatizantes, dolorosas, terminais
Estados confusionais orgânicos
Falta de adesão ao tratamento, agravamento ou recorrência de doenças preexistentes
Relação terapêutica frágil ou instável

(Fonte: Botega NJ. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed; 2015)

IHU On-Line – Em qual faixa etária há mais incidência de tentativa?
Neury Botega – Tentativas de suicídio são mais comuns em adolescentes e adultos jovens do sexo feminino.

IHU On-Line – No seu livro Crise suicida, o senhor afirma que o Brasil dá os primeiros passos no que se refere à prevenção ao suicídio. O que deve ser feito neste sentido?
Neury Botega – Deve ser elaborado e aprovado um plano de prevenção, o que permitirá dotação orçamentária e apoio mais efetivo a diferentes estratégias regionais, de acordo com a necessidade da população. Já existem as estratégias gerais de prevenção, aprovadas em 2006.

IHU On-Line – A rede de saúde pública está preparada para lidar com o suicídio?
Neury Botega – Não. Situações de crises existenciais ou de doenças mentais agudas que levam ao suicídio precisam de atendimento rápido, feito por pessoal capacitado e disponível. A rede pública de saúde mental é precária, e a assistência psiquiátrica de urgência raramente está disponível com a qualidade que seria necessária, isso mesmo em grandes centros urbanos.

IHU On-Line – A pessoa que sobrevive a uma tentativa de suicídio fica com que tipos de sequelas? E o que deve ser feito para ajudá-la?
Neury Botega – Em termos de estatísticas populacionais, esse grupo – o de pessoas que já tentaram o suicídio – é o que tem o maior risco de um dia morrer por suicídio. Por isso que deveríamos dar especial atenção a pessoas que tentam o suicídio, independentemente da gravidade clínica do ato e do grau de intenção letal que o motivou. É claro que algumas pessoas podem se reorganizar após uma crise existencial que a levou a uma tentativa de suicídio e viver bem, ou até melhor do que antes vivia.

IHU On-Line – Há casos em que o suicídio deveria ser considerado um direito da pessoa?
Neury Botega – Em minha opinião, sim. É tema controverso. Alguns países e estados norte-americanos aprovam legalmente o suicídio assistido, em que o estado chega a fornecer os meios letais para a pessoa que recebe uma autorização legal para tirar a própria vida. Tal prática é reservada para pessoas em estado terminal de doenças, que mantenham as faculdades mentais intactas e que permitam uma decisão livre e ponderada.

IHU On-Line – Conforme o Ministério da Saúde, a taxa de suicídio no Brasil é de 5,7 casos por 100 mil habitantes. No Rio Grande do Sul, situam-se três dos quatro municípios onde há as piores estatísticas: Forquetinha (78,7 casos a cada 100 mil habitantes), Travesseiro (55,8 casos por 100 mil) e André da Rocha (52,4 casos). Por quê? Procedem as suspeitas de que haja relação com a cultura do fumo e o uso de agrotóxicos nas lavouras?
Neury Botega – As suspeitas que vinculam uso de agrotóxicos ao suicídio não se confirmaram. Há, como de regra, vários fatores que se combinam ali no Rio Grande do Sul: a colonização alemã, a maneira como a economia doméstica se organiza em torno de uma pequena propriedade dependente da grande indústria do fumo, o maior número de casos de suicídios entre os antepassados, o alto índice de alcoolismo entre os homens, a cultura local.

IHU On-Line – Países onde há elevados índices de suicídio têm lidado de que maneira com o problema?
Neury Botega – Esses países têm seguido as orientações gerais da Organização Mundial da Saúde – OMS (ver quadro abaixo). A maioria desses países (83%) conseguiu reduzir os índices de suicídio ao longo do último decênio. O Brasil, infelizmente, encontra-se entre os países onde as taxas de suicídio continuam a subir.

Fonte: Botega NJ. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed; 2015.

IHU On-Line – Entre os países desenvolvidos, onde há mais suicídios é na Coreia do Sul (29,1 casos a cada 100 mil habitantes em 2012). Especialistas associam esses casos a intensa competitividade, muita pressão social e desamparo à terceira idade. Nos anos 1950, o país começou a sair da pobreza para se tornar uma das nações mais ricas. A realidade dos sul-coreanos evidencia que não basta uma sociedade alcançar progresso econômico e tecnológico se prescinde de questões humanitárias e sociais?
Neury Botega – Exatamente, o aumento do número de suicídios em países emergentes é um fenômeno conhecido e já estudado por Émile Durkheim há mais de cem anos. Crescimento rápido gera desorganização, aumento desenfreado dos “apetites” humanos, com maior risco de derrocada financeira e existencial.

IHU On-Line – O senhor coordenou a publicação do livreto Comportamento Suicida: Conhecer para Prevenir, lançado pela Associação Brasileira de Psiquiatria e dirigido a profissionais de imprensa. Por que houve esta iniciativa? E, em síntese, do que trata o material?
Neury Botega – Sempre houve receio da imprensa de publicar sobre suicídio, temendo que novos casos de suicídio pudessem ser estimulados. É uma boa preocupação, pois a glamorização ou romantização do suicídio podem levar pessoas vulneráveis a se matarem. No entanto, a simples negativa de publicar sobre o assunto não é benéfica para a população. Se não falamos sobre um problema, se não o conhecemos, parece que ele não existe ou é pouco importante. O manual ao qual você se refere foi elaborado para debater essa questão e auxiliar na elaboração de reportagens sensíveis e úteis. O manual, elaborado pela equipe da Unicamp, pode ser baixado livremente da internet .

IHU On-Line – A maioria das tentativas de suicídio não é relatada, nem registrada. O problema, portanto, tem uma grandeza não dimensionada pelas estatísticas oficiais?
Neury Botega – Exatamente. Um estudo da Organização Mundial da Saúde, que no Brasil realizamos no município de Campinas, mostrou isso. Veja na figura abaixo. ■

Fonte: Botega, 2009. http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n12/10.pdf

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