Edição 210 | 05 Março 2007

“O mundo com mais mulheres tem menos guerra, menos violência e menos corrupção”

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IHU Online

Uma de nossas entrevistadas da edição desta semana é a escritora Rose Marie Muraro. Formada em Física e Economia, Rose Marie publicou diversos livros, entre eles, sua biografia Memórias de Uma Mulher Impossível. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1999. Nos anos 1970, foi uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil. Suas idéias refletem-se na vida pessoal desta mulher, mãe de cinco filhos e avó de doze netos, frutos de um casamento de 23 anos. Confira a entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line:

IHU On-Line - Qual o papel, a função do masculino na sociedade hoje? Podemos dizer que ele está em crise?
Rose Marie Muraro
- Acho que está. Houve um avanço enorme da mulher, que detinha, em 1970, 35% da força de trabalho mundial e hoje representa cerca de 50%. Há regiões que têm mais mulheres na força de trabalho do que homens. Há outros lugares, principalmente no Brasil, como o movimento universitário, onde há 60% de mulheres e 40% de homens. Além disso, existem várias presidentes da república no mundo. Isso é muito novo para os homens. Eles, em geral, não estão lidando bem com essa novidade, principalmente os mais velhos. Quem está lidando bem são os mais novos, que já nasceram dentro dessa realidade. Principalmente, porque muitas firmas despedem homens que têm salários mais altos para pôr mulheres que têm salários mais baixos e a mesma competência. Para a mulher, ter mais anos de estudo não significa maior salário. Ela abaixa a renda da massa salarial de toda a classe trabalhadora.

IHU On-Line - O feminismo tem a ver com a crise do masculino?  
Rose Marie Muraro
- Tem. O feminismo não é o que as pessoas pensam. O feminismo é só um movimento organizado das mulheres, mais nada. Não tem nada a ver com o plano pessoal da mulher contra o homem, mas sim, da mulher contra o sistema. Em geral, as mulheres e os homens se dão muito bem. E a mulher já está questionando o machismo do homem no plano pessoal, e isso está caminhando bastante. Então, vejo uma diferença enorme dos anos 1970, quando eu comecei a militar, para cá. 

IHU On-Line - Quais as diferenças entre movimento feminista e movimento de mulheres? Como se caracteriza o movimento de mulheres como movimento social?
Rose Marie Muraro
- Existem vários movimentos de mulheres que não são feministas, que não têm a mulher como foco. Por exemplo, movimento de donas de casa, pelo meio ambiente, pela paz. Existe, inclusive, movimento de mulheres para levar cafezinho para os homens nas reuniões. No entanto, movimentos enfocando a condição da mulher, por definição, são feministas.

IHU On-Line - Quais os pontos fundamentais na discussão sobre a questão do corpo das mulheres em função dos avanços da ciência e da tecnologia? Quais os impactos disso para a autonomia da mulher como ser social?
Rose Marie Muraro
- A grande autonomia das mulheres veio com a pílula anticoncepcional e a pílula do dia seguinte. Com isso, a mulher, pela primeira vez, em dois mil anos, desliga a sexualidade da maternidade. Este foi o grande avanço que permitiu a autonomia, o estudo e o controle do corpo. O resto é secundário. A fertilização in vitro é algo secundário diante disso. A partir da pílula e dos métodos anticoncepcionais, nos anos 1960, é que aconteceu todo o movimento de autonomização da mulher e o fato de ela se tornar o sujeito maior da história. Produção independente de filhos sempre houve depois dos anos 1960.
 
IHU On-Line - Quais as principais correntes feministas hoje?
Rose Marie Muraro
- Eu não conheço correntes feministas. Há movimentos feministas que tratam mais da política, movimentos feministas que tratam mais da ligação da mulher com a sustentabilidade do meio ambiente e outros que tratam da condição da mulher, principalmente do problema da violência, que é o problema básico da sociedade humana. Refiro-me à violência doméstica, dos pais sobre as crianças e do homem sobre a mulher, que originam a violência do homem sobre o homem. Na Pré-História, enquanto não houve a violência da sociedade contra a mulher, não houve guerras. Quando começou a violência contra a mulher, que é a primeira de todas, porque a mulher era mais fraca que o homem, aí começa a violência dos mais fortes contra os mais fracos. E a causa disso é que a criança aprende, desde que nasce, que uns apanham e outros batem. E isso não é coisa pequena. Eu estava nos Estados Unidos, em 1988, quando se fazia uma pesquisa representativa da nação americana, com a qual se descobriu que 66% de todas as mulheres, ou apanhavam, ou tinham apanhado de pais ou de maridos. A grossa maioria das mulheres apanha. E isso legitima a violência do homem contra o homem. É natural que o homem seja mais violento contra a mulher, então é natural que seja mais violento contra o homem. Tratar da violência contra a mulher é tratar da violência do homem contra o homem. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, quando fez a lei Maria da Penha , sobre a violência doméstica, tornando-a crime hediondo, fez um trabalho incrível. Esse tema está muito difundido na sociedade, e a mulher hoje sabe que ela não deve apanhar. Não é mais como o Nelson Rodrigues  dizia, que mulher gosta de apanhar e só as neuróticas reagem. Hoje, todas as mulheres somos neuróticas, porque reagimos em favor da justiça.

IHU On-Line - Qual a principal reivindicação da mulher de hoje?
Rose Marie Muraro
- O que ela reivindicou sempre: salário igual por trabalho igual e igualdade de oportunidades. Aliás, isso está acontecendo onde há possibilidade. Eu sei de um caso de concurso público para residentes médicos que houve aqui no Rio de Janeiro. Havia sete vagas e em torno de 200 concorrentes. Venceram um homem e seis mulheres. No lugar em que o mérito é da mulher, ela ganha. No lugar em que a ideologia diz quem vai entrar na vaga, quem entra é o homem.

IHU On-Line - Com cada vez mais protagonismo feminino, como seria uma sociedade de mulheres? Rose Marie Muraro - Não vejo uma sociedade de mulheres, o que seria uma perversão. Eu vejo uma sociedade com igual participação de homens e mulheres. A natureza fez o homem e a mulher. Falar de uma sociedade em que a mulher seja hegemônica, é trocar o sinal da dominação de mais por menos, então não muda nada. Eu vejo uma sociedade andrógina, em que homem e mulher tenham o mesmo protagonismo, uma sociedade mais pacífica, menos corrupta. Há um estudo do Banco Mundial, que mostra uma correlação significativa entre a entrada da mulher no mercado de trabalho e a diminuição da corrupção. Esse estudo foi feito em 121 países. Essa é uma das coisas mais importantes que eu já vi na minha vida. O mundo, quando tem mais mulheres, tem menos guerra, menos violência e menos corrupção.

Vale lembrar aqui que a revista The Economist, uma publicação econômica machista, em setembro de 1996, disse que o século XXI seria o século da mulher, mostrando que o maior altruísmo da mulher é que pode ajudar a salvar o mundo todo desse problema de meio ambiente, de excesso de corrupção. Na União Européia, se havia 20, 30 países que guerrearam durante 1.500 anos, agora, para enfrentar os Estados Unidos, eles se chamam União Européia. O mundo vai ter que ser solidário “na marra” para vencer o inimigo comum, que é o aquecimento global, a falta d’água, que vem da ganância dos mais fortes, para ver se é possível reverter esse processo.

 

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