Edição 514 | 30 Outubro 2017

Inovação dirigida aos formatos contemporâneos de leitura

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Lara Ely

A engenheira de produção Luciana Curra busca empreender na forma como gerencia a Biblioteca para fisgar o público e mantê-lo fiel


A engenheira se empenha para adaptar a biblioteca às demandas do público | Foto: Lara Ely/IHU

Uma das guardiãs das obras raras da universidade é também a principal cabeça pensante por trás das inovações desenvolvidas na Biblioteca. Aos 43 anos, a engenheira Luciana Curra dedicou mais da metade de sua vida a organizar estantes, comprar novas edições e pensar formas para gerenciar os espaços que abrigam o conhecimento.

Natural de Caxias do Sul, ela veio para São Leopoldo estudar e aqui ficou. Iniciou sua formação na Arquitetura e depois mudou para a Engenharia de Produção, onde se formou e fez Mestrado. Tem 25 anos de casa, tempo este dedicado a tarefas diversas, mas sempre entre os livros. Ela, que tem na corrida um de seus hobbies, é fã de literatura histórica, principalmente da história brasileira, e diz que os livros ajudam a entender a realidade ao seu redor. Com base nessa paixão, sonha em fazer seu Doutorado em Letras, para depois dar aulas.

Mesmo sendo habilidosa para lidar com números, desenvolve suas atividades com foco nas pessoas. Multitarefas, ela começou no atendimento ao público antes de passar para o ambiente interno, onde cuidou do processamento de dados, entradas e saídas de material, aquisições e compras. Enfim, quando houve a necessidade de um subgestor, passou a apoiar a coordenação como gerente, posição que ocupa há 10 anos. Foi no Mestrado que estudou a questão de inovação, e a partir disso, passou a desenvolver acervos diferenciados, como o de obras raras, gibis, jogos e discos – em breve, será inaugurada a discoteca. Esse foi um movimento que Luciana entendeu necessário ao olhar para novas formas de leitura e ouvir a opinião dos usuários.

– Devido à entrada de Google e outras ferramentas que nos atacavam como centro de conhecimento, veio a necessidade de se reinventar. Perguntava aos usuários se eles imaginavam que a biblioteca ia morrer. Eles diziam que não, que buscam aqui a calma necessária para ler.
Segundo ela, a biblioteca segue sendo referência para os alunos mesmo em tempos de leitura digital, atuando na mediação do que é bom, uma espécie de filtro de qualidade em relação a escolha dos alunos. Exemplo disso é o apoio técnico dado aos usuários do portal da Capes, permitindo uma experiência mais completa aos pesquisadores. Para acompanhar, então, as tendências dos leitores – mais baseado nos pdfs e menos no papel – uma série de ações foram desenvolvidas para ressignificar o local: serviço de delivery, sala com pufs, novos acervos e eventos como o Sarau e o Biblioweek – para tornar a biblioteca um agente cultural.

O Book Express, por exemplo, desenvolvido há cerca de três anos, ajudou a melhorar o acesso dos alunos às obras a partir da reserva pela internet e retirada no local escolhido. A ideia começou como serviço de entrega para as engenharias, mas deu tão certo que foi adaptada.

Já o acervo de obras raras, organizado dentro do Memorial Jesuíta da Unisinos, surgiu no final dos anos 90, quando vieram para cá 200 mil exemplares do Colégio Cristo Rei, antigo seminário de São Leopoldo. Lá estão relíquias como uma obra conterrânea da Bíblia de Gutemberg, o Repertorium totius summe domini Antonini archiepiscopi florentini ordinis predi, de 1496, de autoria de Santo Antoninos (1389-1459). Ou a Enciclopédia Francesa, editada por Diderot e D'Alembert, em 17 volumes publicados entre 1751 e 1772.

A biblioteca passou a ser guardiã desse importante acervo, localizado em uma sala do terceiro andar, e que só pode ser acessado mediante comprovação de pesquisa. No sexto andar, está uma parte complementar, as coleções especiais, que têm material dos padres Milton Valente, Rambo e Arthur Rabuske, além de Vianna Moog, Ovídio Batista e José Lutzenberger.

E como seria a biblioteca particular daquela que administra a leitura de toda uma universidade? Ela conta que seu acervo possui quase mil exemplares e é quase todo analógico, já que prefere os livros de papel aos digitais (a esses só recorre para leituras acadêmicas). Eles ficam em uma sala especial na sala e dividem espaço com os livros do marido. Um dos preferidos na atualidade é Homo Sapiens, onde Yuval Noah Harari conta uma breve história da humanidade. Já o acervo dos filhos Valentina, 10, e Theodoro, 5, estão nas estantes de seus próprios quartos. Quando eles vêm visitar a mãe na universidade, gostam de ir na Livraria Cultural, e nas sessões de gibis, e nos pufs. Aliás, esse foi um desejo dos usuários atendido pelas medidas de inovação, que hoje, é disputado na hora dos intervalos. “Tem até luz apagada para o pessoal poder relaxar”, diz.

Sobre a nova geração de leitores, ela diz não temer os efeitos da tecnologia na memória, e observa a facilidade com que conseguem sintetizar o pensamento. “Nosso organismo é tão adaptável que ajusta automaticamente o foco para o que é mais necessário e importante. Difícil é para nós, os mais velhos, aprender a lidar com essas novas formas de cognição”, explica, ao acrescentar que se esforça para entender como a filha mais velha fala com as palavras cortadas, fazendo menção ao estilo como os jovens escrevem nas redes sociais e aplicativos de comunicação.

Otimista, ela tem certeza de que a biblioteca não irá morrer; pelo contrário, ganhará cada vez mais relevância como espaço de curadoria da informação. Relembra que uma das mais célebres bibliotecas da história, em Alexandria, no Egito, já tinha esse propósito: de ser um lugar onde os pensadores da época se encontravam para refletir sobre os valores de seu tempo. Então, seguindo a mesma ideia, a engenheira que administra a biblioteca cuida para que o espaço se torne local de encontro e difusão da cultura, seja por meio dos livros, filmes, periódicos. “Nos reinventamos com esse propósito, de buscar a arte diária de conectar as pessoas com o conhecimento, e fazer essa entrega em formatos inovadores e em novos espaços”.■

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