Edição 513 | 16 Outubro 2017

Saúde que vem da terra

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Lara Ely

Signorá Konrad, professora da Nutrição, usa as aulas como oportunidade para aproximar estudantes do meio ambiente e reconectar saberes que vão da horta à mesa

Foto: Signorá se sente em casa meio a frutas, legumes e hortaliças nas feiras orgânicas| Foto: Lara Ely/IHU

Ao caminhar entre amoreiras, goiabeiras e cerejeiras de seu pomar, em Ivoti, a nutricionista Signorá Konrad, 62 anos, uma das criadoras da Ecofeira Unisinos, recorda o ensinamento dos pais, o legado do marido e projeta a contribuição que quer deixar aos dois filhos e alunos do curso de Nutrição: fazer a biodiversidade ser mais presente na dieta do século XXI. Embora não fossem agricultores (a mãe era professora e o pai lidava com eletrônica), os progenitores tinham horta na casa onde nasceu, em Taquari, capital da laranja e do mel. O assunto, que ocupa suas horas livres desde menina, move também a trajetória acadêmica de 34 anos na Unisinos – a mesma instituição em que fez a graduação e duas especializações. Na Nutrição, é referência no ensino de Alimentos e Ambiente, nome da disciplina que criou há cerca de cinco anos. É nela que os alunos encontram amparo para entender como o cuidado com a natureza influencia questões de ordem pública. Levar as turmas para conhecer feiras e propriedades rurais é forma de ensinar que saúde começa bem antes da cozinha – vem da terra.

Sua trajetória docente na instituição iniciou em 1983, após um período lecionando na Unijuí. Mas as lembranças vêm ainda do tempo em que era aluna, quando varava madrugadas na fila da matrícula para garantir vaga nas disciplinas pretendidas. “Era muito disputado”, recorda. O paraninfo da sua formatura foi o ambientalista José Lutzenberger , quando ele recuperava terras arrasadas pela mineração em Pantano Grande para criar o Rincão Gaia (sede da ONG Fundação Gaia) e lutava contra os efeitos da Revolução Verde. Embora não recorde exatamente o que disse no discurso, sabe que foi escolhido por representar um ícone na luta contra o envenenamento do campo.

De testes em laboratório a entrevistas nas vilas, Signorá foi uma estudante versátil. Atuou como voluntária em pesquisa de histologia, documentação, aplicou questionários. Sua intenção, depois de formada, era entrar no mestrado no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mas, desaconselhada por um professor, acabou enveredando para a Fisiologia na mesma universidade, onde obteve graus de Mestra e Doutora. Para o primeiro título, estudou uma dieta baseada em glutamato monossódico (realçador de sabor típico da culinária chinesa) e para o segundo, analisou a “dieta de cafeteria”. Sua abordagem permitiu concluir que o consumo de fast food é causa de obesidade, hiperglicemia, diabetes e síndrome metabólica.

Foi um pouco antes desse período, na década de 80, que Signorá conheceu o conceito que viria a mover seu interesse como pesquisadora: as Plantas Alimentícias Não Convencionais - Pancs. Quando deparou com o tema, Serralha, dente de leão e caruru ainda eram chamadas de plantas daninhas comestíveis. “Foi aí que caiu a minha ficha de que estudar esse tipo de plantas, e as sementes crioulas, era a forma de trazer a questão ambiental para dentro da nutrição”, explica.

Nessa jornada conheceu referências como a agrônoma Ingrid Bergman Inchausti de Barros, a proprietária do Sítio Capororoca Silvana Bohrer e o biólogo Valdely Kinupp. Foi quando viu que não estava só e criou um elo com outros guardiões dos saberes da terra. Nesta caminhada, para construir uma rede de conhecimentos não convencionais, a permacultura e agroecologia tiveram papel fundamental, ajudando a preencher lacunas da academia. Hoje, faz esse diálogo com o objetivo de construir uma transição da nutrição focada na parte química para um enfoque mais ambiental e voltado à saúde coletiva.

Por acreditar que a escolha do alimento é um ato político, procura comprar comida direto dos produtores (sobretudo os que não participam de feiras). Faz isso na ideia de alinhar discurso e prática. “Busco equilíbrio na alimentação, relação com as pessoas e meditação para multiplicar o estado de bem-estar e atrair gente que pulsa na mesma vibração”.

Nos anos de 1980 essa forma de ver o mundo passou a fazer sentido quando houve uma espécie de transição nos estudos acadêmicos. Uma preocupação com a desnutrição foi, aos poucos, dando lugar à origem dos alimentos. “A Revolução Verde surgiu nesse contexto, de não deixar faltar comida para todas aquelas pessoas que saíram do campo para morar nas cidades, como um reflexo da Revolução Industrial. Aí, apareceram os impactos na saúde dos agricultores e os debates sobre o prejuízo do veneno excessivo”.

Embora tenha ganhado relevância de uns tempos para cá, sobretudo com o aumento da popularidade de feiras orgânicas, pensar questões sociais e ambientais dentro de uma universidade é tarefa complicada. “Não é o tipo de conhecimento que move o interesse da maioria”. Por trazer esses debates, desde os tempos de estudante, já foi taxada de radical, ecochata, natureba. Para os padrões atuais, seu perfil passa longe do estigma. Mesmo que tenha o hábito de comer muitas frutas, verduras, inclusive as não convencionais, e goste de testar substitutivos à carne, como a salsicha vegetariana feita de nozes, sua dieta não é radical (só abdica da carne vermelha, de porco e embutidos).

A influência do marido Helio Konrad, um biólogo com mestrado em Ecologia e também professor universitário, foi fundamental para instigar o interesse na área ambiental. Foi das mãos dele que recebeu o livro Primavera Silenciosa (São Paulo: Melhoramentos, 1969), da norte-americana Rachel Carson. Apesar do título poético, uma referência ao silêncio dos pássaros mortos pela contaminação dos agrotóxicos, o livro fez eco no mundo todo. Outra obra importante foi Sugar Blues – O gosto amargo do açúcar, de William Dufty (Boston: Ground, 1993), que caracteriza o açúcar como a mais dissimulada das drogas.

Seu primeiro desafio profissional foi como nutricionista da Gerdau, indústria do ramo da metalurgia, onde supervisionou por cinco anos a dieta de 3 mil funcionários em uma fábrica que funcionava 24 horas por dia. Lá, foi responsável pela implantação de um cardápio dietoterápico junto à equipe de saúde. Em uma época onde as intolerâncias alimentares não eram comuns, sua principal ocupação foi a educação alimentar. “Às vezes a pessoa não está bem e joga tudo para a comida”, diz.

E é verdade. Um ser humano em desequilíbrio come com ansiedade, com pressa ou até mesmo deixa de comer. Segundo a professora, hoje as pessoas estão com um vazio muito grande de identidade e de amor pelo que fazem. E a comida pode ser um escape negativo ou um elo de esperança na busca dessa reconexão. Ela prefere apostar na segunda opção e se apoiar na agricultura ecológica como um retorno às raízes, aos afetos e uma ponte para que a primavera volte a ser sonora.■

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