Edição 513 | 16 Outubro 2017

Revolução ecossocialista e o desafio de não ceder à resignação

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João Vitor Santos

Michael Löwy propõe repensar o ideário socialista como enfrentamento da distopia tecnocrática do capitalismo de nosso tempo

Há 150 anos, Karl Marx publicava o primeiro volume de O Capital, obra que se tornaria uma espécie de leitura basilar do socialismo nos séculos XIX e XX. O sociólogo Michael Löwy destaca que “o mundo de hoje é profundamente diferente do da época de Marx, mas os princípios fundamentais do capitalismo – o fetichismo da mercadoria, a acumulação do capital, a maximização do lucro, a exploração do trabalhador e da natureza – não só se mantêm, como também se intensificaram”. Para ele, é justamente nesse ponto que reside a atualidade dos escritos. Segundo o professor, a intensificação do que Marx já previa chega ao ponto de ameaçar o equilíbrio do planeta. Por isso, propõe uma leitura do socialista atualizada com o século XXI. É o que chama de ecossocialismo. “A distopia tecnocrática do capitalismo está levando a uma catástrofe sem precedente na história da humanidade, à crise ecológica, à mudança climática. Sem uma revolução ecossocialista, estamos condenados a um futuro tenebroso”, destaca.

Löwy ainda compreende que um modelo de marxismo que dê conta dos desafios e problemas do século XXI passa necessariamente pela inclusão das “propostas dos movimentos sociais: a ecologia, o feminismo, a luta antirracista etc”. O professor está divulgando o livro Centelhas - marxismo e revolução no século XXI, escrito com Daniel Bensaïd (São Paulo: Boitempo, 2014). A obra reúne artigos dos dois pensadores. “Considero Bensaïd como um dos pensadores marxistas mais profundos, criativos e inventivos de nossa época”, destaca Löwy, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. “Daniel Bensaïd dizia, e acho que com razão, que o imperativo do momento é não se dobrar, não renunciar, não capitular, não ceder à resignação passiva”, provoca.

Michael Löwy é brasileiro, filho de imigrantes judeus de Viena, hoje radicado na França. É licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e possui doutorado na Sorbonne, sob a orientação de Lucien Goldmann, em 1964. Em Paris, trabalha como diretor de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS; também já dirigiu um seminário na École des Hautes Études en Sciences Sociales. É autor de livros e artigos traduzidos em 25 línguas. Entre suas publicações, além do livro que está lançando, destacamos Walter Benjamin: aviso de incêndio (São Paulo: Boitempo, 2005), Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (São Paulo: Boitempo, 2009), Afinidades revolucionárias: nossas estrelas vermelhas e negras. Por uma solidariedade entre marxistas e libertários (São Paulo: Unesp, 2016) e A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano (São Paulo: Boitempo, 2014).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Ainda é possível pensar em revolução na era da distopia tecnocrática do século XXI? Como?
Michael Löwy – A revolução é mais atual e necessária do que nunca. A distopia tecnocrática do capitalismo está levando a uma catástrofe sem precedente na história da humanidade, à crise ecológica, à mudança climática. Sem uma revolução ecossocialista, estamos condenados a um futuro tenebroso...

IHU On-Line – Neste ano, são comemorados 150 anos da publicação de O Capital . No que consiste a perenidade dessa obra? E que paralelo podemos traçar entre o contexto em que Marx lança o primeiro volume com o mundo de hoje?
Michael Löwy – O mundo de hoje é profundamente diferente do da época de Marx, mas os princípios fundamentais do capitalismo – o fetichismo da mercadoria, a acumulação do capital, a maximização do lucro, a exploração do trabalhador e da natureza – não só se mantêm, como também se intensificaram enormemente, chegando hoje a ameaçar a própria vida no planeta, o que não era ainda o caso em 1867. O Papa Francisco provavelmente não leu O Capital, mas seu diagnóstico do caráter perverso do atual sistema econômico é muito próximo do que propõem os ecomarxistas.

IHU On-Line – Qual a atualidade da leitura de Walter Benjamin ?
Michael Löwy – Benjamin tentou formular um materialismo histórico desembaraçado da ideologia burguesa do "Progresso". Não há nada mais atual.

IHU On-Line – É possível pensar em marxismo após a queda do muro de Berlim? Como?
Michael Löwy – O que estava atrás do muro – o pretenso " socialismo real" – tinha tão pouco a ver com Marx, como a inquisição com os ensinamentos de Jesus. Daí o renascimento do marxismo nos últimos anos.

IHU On-Line – De que forma podemos pensar num modelo de marxismo que dê conta dos desafios e problemas do século XXI?
Michael Löwy – Incluindo as propostas dos movimentos sociais: a ecologia, o feminismo, a luta antirracista etc. A obra de Daniel Bensaïd é um belo exemplo desta renovação do marxismo.

IHU On-Line – Qual a contribuição e como compreender a crítica que o Papa Francisco faz ao capitalismo no século XXI?
Michael Löwy – Respondi em parte na questão acima. Todos os marxistas, ecologistas e anticapitalistas deveriam ler e estudar a Encíclica Laudato Si’.

IHU On-Line – Pode-se entender o nacionalismo extremado, por exemplo, nos gestos de Trump , como um tipo de adaptação ou de contradição do capitalismo no século XXI?
Michael Löwy – O capitalismo sempre conheceu formas nacionalistas, autoritárias, imperialistas, e até fascistas, em sua história. Trump é mais um exemplo, bastante ridículo, mas extremamente perigoso.

IHU On-Line – Como seu livro Centelhas - marxismo e revolução no século XXI pode ajudar a irrigar a imaginação política e construir alternativas para nossos desafios?
Michael Löwy – O livro Centelhas - marxismo e revolução no século XXI contém artigos meus e de meu falecido amigo Daniel Bensaïd. Considero Bensaïd como um dos pensadores marxistas mais profundos, criativos e inventivos de nossa época. Aos leitores, cabe decidir se o livro ajuda a construir alternativas.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Michael Löwy – Daniel Bensaïd dizia, e acho que com razão, que o imperativo do momento é não se dobrar, não renunciar, não capitular, não ceder à resignação passiva. E para citar Brecht : quem luta pode perder. Quem não luta, já perdeu.■

Leia mais
- Ecossocialismo. Por uma ecologia socialista. Entrevista especial com Michael Löwy, publicada nas Notícias do Dia de 21-2-2011, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
- "Ecossocialismo, alternativa contra o capitalismo". Entrevista com Michael Löwy, reproduzida nas Notícias do Dia de 3-5-2015, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
- Michael Löwy: O golpe de Estado de 2016 no Brasil. Artigo do sociólogo, reproduzido nas Notícias do Dia de 18-5-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
- “Nenhum Papa foi tão longe na condenação ao capitalismo como Francisco”. Entrevista com Michael Löwy, reproduzido nas Notícias do Dia de 28-6-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
- O Marxismo oxigenado e a manutenção de sua radicalidade emancipatória. Entrevista com Fabio Mascaro Querido, sobre a obra de Löwy, publicada na revista IHU On-Line número 483, de 18-4-2016.

Ficha técnica

Centelhas - marxismo e revolução no século XXI

Daniel Bensaïd e Michael Löwy
Valor: R$ 44,00
Páginas: 240
Ano de publicação: 2017
Editora: Boitempo

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