Edição 512 | 02 Outubro 2017

O desafio de promover a democracia em países africanos

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João Vitor Santos | Tradução: Isaque Gomes Correa

Leonard Chiti, que acompanhou recentemente as eleições no Quênia, acredita que um dos caminhos para livrar o continente da fome e da miséria passa por “eleições livres, justas, críveis e transparentes”

Compreender a África, especialmente os países que ficam ao sul do deserto do Saara, ainda é um desafio para as sociedades ocidentalizadas. “A maioria dos países subsaarianos compartilham experiências comuns tais como a má liderança, níveis altos de desemprego que levam à pobreza, tensões e, por vezes, conflitos relativos à etnia e um desempenho pobre das economias”, sintetiza Leonard Chiti, jesuíta nascido em Zâmbia, e que segue trabalhando na região mais ao sul do continente. “Muitos líderes políticos e governamentais se envolvem em corrupção, dessa forma desviando recursos nacionais de onde deveriam ser empregados com fins de desenvolvimento”, completa.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele destaca que toda a região ainda sofre com a seca. “O que a África precisa é desenvolver uma infraestrutura de irrigação e encontrar tecnologias apropriadas para garantir que os pequenos agricultores se tornem resilientes em face dos desafios relacionados com as mudanças climáticas”, indica. Para isso, compreende que o mundo pode contribuir e um dos caminhos é a promoção da democracia. “É importante assegurar aos cidadãos dos países africanos que é possível ter eleições livres, justas, críveis e transparentes”, avalia. Chiti ainda alerta que melhorar a vida nesses países é também frear ondas migratórias. “Podemos reter a onda de migrantes da África para outras regiões do mundo se conseguirmos tornar pacíficos, estáveis e prósperos os nossos países”.

Leonard Chiti é jesuíta, diretor do Centro Jesuíta para Reflexão Teológica e coordenador da Rede de Defesa Global Inaciana. Também é coordenador da Coalizão da Constituição da Sociedade Civil, em Lusaka, Zâmbia, membro do Conselho de Administração de dois grupos da sociedade civil de redução da pobreza em Lusaka e integra a Rede Jesuíta de Centros Sociais Africanos. Recentemente, foi nomeado Provincial da Província da Zâmbia-Malawi dos Jesuítas na África. Possui mestrado em Estudos do Desenvolvimento pela Universidade de Londres; é bacharel em Filosofia e Teologia. Em agosto de 2017, foi designado para acompanhar as eleições no Quênia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais os desafios para se compreender a realidade da África Subsaariana, tanto do ponto de vista social como político e cultural?
Leonard Chiti – A maioria dos países subsaarianos compartilham experiências comuns tais como a má liderança, níveis altos de desemprego que levam à pobreza, tensões e, por vezes, conflitos relativos à etnia e um desempenho pobre das economias. Além disso, muitos líderes políticos e governamentais se envolvem em corrupção, dessa forma desviando recursos nacionais de onde deveriam ser empregados com fins de desenvolvimento.

IHU On-Line – O senhor atuou como observador nas eleições do Quênia. Como foi essa experiência?
Leonard Chiti – Passei uma semana no Quênia antes das eleições em agosto de 2017. No dia da eleição, fui transferido para uma região no leste do país, onde testemunhei, em primeira mão, a votação e a contagem dos votos. No dia mesmo da eleição, o processo foi tranquilo e não tivemos experiências negativas significantes.

IHU On-Line – O candidato de oposição Raila Odinga se recusou a reconhecer a vitória de Uhuru Kenyatta , chegando a convocar manifestações. Como está a situação hoje?
Leonard Chiti – Com base em reportagens na imprensa, eu entendo que a Suprema Corte decidiu a favor do líder oposicionista. Foram convocadas novas eleições para 17 de outubro de 2017. O que me parece é que o xis da questão está na transmissão dos resultados de algumas zonas de votação que levaram a suspeitas de irregularidades eleitorais.

IHU On-Line – Quais as questões de fundo que são fundamentais para compreender essa disputa política no Quênia?
Leonard Chiti – A questão mais importante é a da etnicidade. Em geral, os quenianos votam segundo a etnia. No entanto, para que um candidato vença as eleições presidenciais, ele ou ela precisa contar com o apoio de vários grupamentos étnicos. Relacionada a isso está a questão do registro dos eleitores e o comparecimento às urnas. Ultimamente os candidatos têm mobilizado os seus eleitores a irem votar tanto quanto for possível. Essa tendência aumenta as chances de vencer, dadas as polaridades que existem na política queniana com respeito à identificação étnica.

IHU On-Line – Quais os maiores desafios do Quênia a partir de agora?
Leonard Chiti – Os quenianos precisam ir além da identificação étnica quando se trata de eleger candidatos. Como as coisas estão, aqueles que perdem uma eleição não irão reconhecer que ela foi livre e justa com base em um cenário já enviesado que vem com as afiliações tribais.

IHU On-Line – O Instituto Democrático Nacional dos Estados Unidos da América, entidade que patrocinou seu trabalho no Quênia, tem acompanhado diversos processos eleitorais na África. Por que é importante fazer esse acompanhamento?
Leonard Chiti – É importante assegurar aos cidadãos dos países africanos que é possível ter eleições livres, justas, críveis e transparentes. A avaliação independente dos sistemas eleitorais pode fornecer pesos e contrapesos. Nas situações onde as eleições são previamente tidas como não livres e não justas, as organizações internacionais podem fornecer provas independentes para apoiar ou desbancar tais asserções.

IHU On-Line – E como compreender o interesse, por parte de países mais ocidentalizados, pelos processos democráticos africanos?
Leonard Chiti – Alguns dos interesses advêm de motivos estratégicos, tais como a necessidade de combater o terrorismo ao redor do mundo. Outros se originam a partir do desejo de ver que as relações internacionais ou bilaterais entre doador e países beneficiários produzem resultados tangíveis. Há também o desejo de ver o entrincheiramento dos princípios e práticas democráticos.

IHU On-Line – Em abril deste ano, missionários salesianos divulgaram que 3 milhões de pessoas estão morrendo de fome no norte do Quênia. A falta de alimentos ainda é o principal problema do país? Quais as outras regiões africanas mais conflagradas pelo flagelo da fome?
Leonard Chiti – Entendo que houve, nesta última época de plantio, uma seca no país. Não tenho certeza de que muitas pessoas morreram, mas é verdade que o Quênia precisou importar milho de países como a Zâmbia para alimentar os seus cidadãos que experienciam a fome. Nos últimos tempos, muitos países na África parecem estar abordando com sucesso os desafios da segurança alimentar.

IHU On-Line – Como compreender o fato de que muitas pessoas ainda morrem de fome no continente africano? Como enfrentar esse problema?
Leonard Chiti – Como apontado na pergunta anterior, o problema principal é a seca. A maior parte dos alimentos na África é produzida por pequenos agricultores que possuem recursos financeiros e técnicos limitados para mitigar a seca. Daí que, quando a chuva não vem, o alimento se torna escasso e caro. O que a África precisa é desenvolver uma infraestrutura de irrigação e encontrar tecnologias apropriadas para garantir que os pequenos agricultores se tornem resilientes em face dos desafios relacionados com as mudanças climáticas.

IHU On-Line – A pobreza, as guerras e os conflitos internos são elementos que levam africanos a incursionarem mundo afora como imigrantes. Como é possível atacar os problemas que estão na gênese das recentes ondas migratórias? Qual o papel do Ocidente nesse processo?
Leonard Chiti – Podemos reter a onda de migrantes da África para outras regiões do mundo se conseguirmos tornar pacíficos, estáveis e prósperos os nossos países. Estamos muito distantes de alcançar isso. Os países ocidentais podem ajudar apoiando a África no fortalecimento de seus sistemas democráticos e na utilização de seus recursos naturais para resolver a pobreza e o subdesenvolvimento.

IHU On-Line – O Brasil também tem recebido muitos imigrantes africanos, essencialmente senegaleses. Num contexto e realidade completamente diferentes da Europa, os imigrantes também encontram muitas resistências da população nativa. Quais os desafios para se compreender e acolher o imigrante do século XXI? Qual o papel dos Estados e das sociedades?
Leonard Chiti – A primeira questão importante é respeitar a dignidade de tais pessoas. Elas são filhos/as de Deus, feitos à sua própria imagem. Disso decorre conceder a elas o acesso a direitos humanos e liberdades fundamentais. E o mais importante é implementar protocolos internacionais relacionados aos refugiados e migrantes.

Como cristãos, podemos ver estas pessoas como irmãos e irmãs e conceder-lhes a caridade cristã necessária como vista no relato do Bom Samaritano.

IHU On-Line – Qual é sua nacionalidade? Como é ser um jesuíta na África? Que ações vêm sendo desenvolvidas pela Companhia de Jesus no continente?
Leonard Chiti – Sou zambiano. Fui treinado e formado para estar sensível às necessidades daqueles ao meu redor e a responder, sempre quando puder, às necessidades dos menos privilegiados. Tenho tentado implementar a missão da Companhia de Jesus (os jesuítas), que é o “serviço da fé, da qual a promoção da justiça é uma exigência absoluta”. A Zâmbia e a África em geral enfrentam desafios humanos imensos, desafios na área da justiça em sua maioria. A Companhia de Jesus vem elaborando respostas apropriadas para tais desafios e é ativa na busca por soluções duráveis e sustentáveis.■

Leia mais
- Eleições presidenciais no Quênia. Entrevista com o jesuíta integrante da equipe de observadores eleitorais, reproduzida nas Notícias do Dia de 7-8-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHUi.

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