Edição | 25 Setembro 2017

As teorias da guerra de Suárez

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Patricia Fachin | Tradução: Luís Marcos Sander | Edição: Vitor Necchi

Daniel Schwartz dá subsídios para se pensar temas contemporâneos a partir da obra do jesuíta

Um exercício interessante é cotejar a obra de Francisco Suárez com temas contemporâneos, a fim de se incrementar o debate acerca de assuntos fundamentais como guerras e eleições. Neste sentido, o professor Daniel Schwartz apresenta subsídios. Ele observa que as teorias da guerra apresentadas por Suárez e outros escolásticos são aplicáveis no mundo de hoje. O filósofo e teólogo espanhol “trabalha dentro de um paradigma já estabelecido, segundo o qual a guerra justa, caso tiver caráter ofensivo, pode ser justificada apenas se tiver o objetivo de reparar, compensar ou castigar a injúria por parte de outro Estado ou de seus cidadãos”, explica Schwartz, em entrevista concedida por e–mail à IHU On–Line.

Suárez é crítico à visão do teólogo espanhol Francisco de Vitória, “para quem todo soberano poderia intervir belicamente em qualquer parte do mundo para defender as vítimas de injustiça, transformando–se então em uma espécie de representante da humanidade”. Na sua visão, isso outorgaria “jurisdição punitiva ilimitada aos soberanos”.

Ao tratar da ética eleitoral, outro tema contemplado por Suárez, Schwartz salienta que, das instituições ainda hoje existentes, a que celebrou eleições por um período maior de tempo é a Igreja. “Não apenas o Papa é eleito mediante votação, mas também muitos dos outros cargos, inclusive os cargos nas ordens religiosas”, afirma. Sendo assim, “era natural que teólogos dominicanos, franciscanos e jesuítas discutissem questões morais atinentes à atividade eleitoral”.

Daniel Schwartz é natural de Montevidéu (Uruguai). Licenciado em Ciências Políticas pela Universidade Hebraica de Jerusalém e doutor pelo departamento de Estudos Políticos da Universidade de Oxford. Leciona e pesquisa no Departamento de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidade Hebraica de Jerusalém. Autor de Aquinas on Friendship (Oxford University Press, 2007) e organizador de Interpreting Suarez: Critical Essays (Cambridge University Press, 2011).

O entrevistado apresenta a conferência A justiça e o castigo segundo Suárez no dia 27 de setembro, às 9h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, campus São Leopoldo da Unisinos, dentro da programação do VIII Colóquio Internacional IHU e XX Colóquio Filosofia Unisinos – Metafísica e Filosofia Prática. A atualidade do pensamento de Francisco Suárez, 400 anos depois. Acesse a programação completa.

Confira a entrevista.

IHU On–Line – Atualmente, que temas o senhor está pesquisando e por que são importantes?
Daniel Schwartz – Há uma gama de temas e autores que me interessam. Por um lado, estou terminando de escrever um livro que trata dos conflitos morais que têm lugar na nossa vida cívica, assim como foram discutidos pelos autores conhecidos como ‘escolásticos tardios’. Trata–se, além de Francisco Suárez, de Luís de Molina , Gabriel Vásquez e muitos outros. Nesse livro, discuto temas como o uso de suborno nas eleições, a evasão fiscal e as responsabilidades morais dos artistas, além de dedicar cinco capítulos a questões da justiça da guerra. Nos escolásticos tardios, encontramos controvérsias muito interessantes e fortes sobre temas que não deixaram de ser atuais. Ao trazer à luz essas controvérsias, muitas vezes encontramos argumentos originais que, embora não necessariamente joguem um papel nas discussões modernas, merecem ser objeto de reflexão. Apenas para dar um exemplo: todos nós damos como certo que comprar votos é moralmente injustificado; no entanto, no marco da casuística escolástica, uma pessoa pode encontrar bons argumentos que, no mínimo, nos fazem questionar o dogma.

IHU On–Line – Qual é o enfoque de Suárez acerca das teorias da guerra justa e da autodefesa? Em que aspectos essas teorias podem ser atualizadas para tratar problemas contemporâneos relacionados a guerras e a disputas de interesses entre países, por exemplo?
Daniel Schwartz – No contexto do cristianismo, a questão do que constitui uma guerra justa já tinha sido tratada por outros teólogos, como Santo Agostinho de Hipona , São Tomás de Aquino e, no século anterior a Suárez, era um dos temas frequentemente abordados pelos teólogos em Salamanca, Coimbra e outras universidades da Península Ibérica. De modo que Suárez trabalha dentro de um paradigma já estabelecido, segundo o qual a guerra justa, caso tiver caráter ofensivo, pode ser justificada apenas se tiver o objetivo de reparar, compensar ou castigar a injúria por parte de outro Estado ou de seus cidadãos. Suárez aprofunda este paradigma. Por exemplo, ele pergunta: como podemos atribuir ao soberano a qualidade de juiz de outro Estado quando ao mesmo tempo é vítima da injúria sofrida? Um dos pontos destacáveis no tratamento de Suárez é sua crítica à visão de Francisco de Vitória , para quem todo soberano poderia intervir belicamente em qualquer parte do mundo para defender as vítimas de injustiça, transformando–se então em uma espécie de representante da humanidade. Suárez tem reticências em relação a este enfoque que parece outorgar jurisdição punitiva ilimitada aos soberanos.

As teorias da guerra apresentadas por Suárez e por outros escolásticos têm aplicação direta no mundo de hoje. Entre os filósofos analíticos que se dedicam ao tema da guerra, como, por exemplo, Jeff McMahan ou Cécile Fabre , é comum encontrar referências a Suárez, Vitória ou Molina.

IHU On–Line – O que é a doutrina probabilística de Suárez?
Daniel Schwartz – Na verdade, a doutrina probabilística antecede em muito Suárez, pois foi formulada pela primeira vez em 1577 por um teólogo dominicano, Bartolomeu de Medina . A pergunta básica é a seguinte: em que circunstâncias me é permitido deixar de lado a minha opinião sobre como devo agir e, em vez disso, seguir a opinião de outra pessoa? Este tipo de questão era suscitado no contexto da confissão, quando o padre confessor tinha uma determinada opinião sobre a moralidade dos atos do penitente, mas ao mesmo tempo reconhecia que outros confessores, ou talvez outros teólogos, tinham opiniões contrárias. Encontramos situações semelhantes na vida cotidiana: um médico que acredita que o tratamento A é o melhor, mas reconhece que outro médico não menos especialista que ele pensa que B é melhor. Pode o primeiro médico administrar o tratamento B? O probabilismo basicamente dizia que se as opiniões dos outros ultrapassam um determinado umbral de probabilidade (ou seja, se são suficientemente plausíveis), é moralmente permitido abraçá–las como guias de ação. No período de Suárez, quase não havia objetores ao probabilismo (isso aconteceria depois). A versão de Suárez do probabilismo era mais moderada e restringia a permissão de abraçar as opiniões de outros apenas àqueles casos em que essas opiniões versavam sobre leis morais. Se a existência de uma determinada lei moral é controversa entre os especialistas, quer dizer que há um defeito em sua promulgação, o que eliminaria, segundo Suárez, o caráter vinculante de tal lei.

IHU On–Line – Em que consistem as leis impositivas, segundo Suárez?
Daniel Schwartz – A discussão, na verdade, era se uma determinada pessoa incorria em falta moral se não pagasse os impostos. Ou seja, se as leis impositivas produzem uma obrigação moral ou, no vocabulário utilizado por Suárez, uma ‘obrigação em consciência’, ou se, ao contrário, produzem apenas a obrigação de pagar a multa, caso uma pessoa transgredir a lei e for pega. Com outras palavras, a pergunta era se as leis impositivas pertenciam à categoria de leis meramente regulativas. A resposta de Suárez é bastante complicada, mas, em última instância, o que Suárez procura fazer é encontrar uma justificativa moral para o comportamento da maioria dos seus concidadãos que, assim como hoje, era não pagar enquanto não for obrigado.

IHU On–Line – O que é a proposta de uma ética eleitoral, segundo Suárez?
Daniel Schwartz – É preciso começar ressaltando uma coisa que não é tão conhecida. Das instituições ainda hoje existentes, a que celebrou eleições por um período maior de tempo é a Igreja. Não apenas o Papa é eleito mediante votação, mas também muitos dos outros cargos, inclusive os cargos nas ordens religiosas. De modo que era natural que teólogos dominicanos, franciscanos e jesuítas discutissem questões morais atinentes à atividade eleitoral. Por exemplo: tenho eu a obrigação moral de votar no candidato que, na minha opinião, mais favoreceria a comunidade ou me é permitido votar naquele que mais me favoreceria em termos pessoais? Posso candidatar–me se penso que existe um candidato que é melhor do que eu e cujas chances de ser eleito se veriam frustradas caso eu concorresse? Estas perguntas são pouco discutidas pelos filósofos de hoje e, no entanto, creio, são sumamente relevantes. Suárez não oferece uma ética eleitoral no sentido de uma exposição sistemática de todas as respostas a estas perguntas. Por exemplo, sobre se seria permitido a alguém com boas razões para achar que é o melhor candidato na disputa pagar a um eleitor para não votar no outro candidato. Embora, finalmente, Suárez diga que não, sua resposta não deixa de ser ambígua e deixa entrever a possibilidade de que alguns tipos de incentivos materiais a alguns dos eleitores poderiam estar justificados. ■

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