Edição 209 | 18 Dezembro 2006

Edward Benya

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Um cidadão do mundo, assim podemos definir o Edward Benya, padre jesuíta. Nasceu nos Estados Unidos, mas carrega uma forte lembrança eslovaca. Padre Benya, como é conhecido no câmpus da Unisinos, morou na América Central e em diversos locais do Brasil. Lutando no Vietnã, aprendeu com as diferenças dos povos. Na Unisinos, Padre Benya é pesquisador no Instituto de Pesquisa de Planárias. Conheça um pouco mais dele na entrevista a seguir.

Origens - Sou cidadão americano, de Nova York, mas tenho uma ligação forte com a cultura eslovaca.

Família - Minha família emigrou da Áustria-Hungria para Nova York, no início do século XX. Fui criado em uma colônia de russos, poloneses e eslovacos dos Estados Unidos. Migrei para o Brasil no final da década de 1970 para cursar o Magistério.

América Central - Meu plano era cursar o Magistério e voltar para os Estados Unidos, mas levei muito tempo para receber o visto permanente de imigração. Naquela época, o governo decidia dar ou não o visto enquanto a pessoa morava no país. Recebi uma proposta para trabalhar na América Central, em Belize, que naquele tempo era colônia britânica. Em 1979, o governo brasileiro emitiu meu visto de emigração, mas, primeiramente, não aceitei, pois já estava adiantado no trabalho em Belize, onde tive muita dificuldade com a mentalidade colonial dos habitantes.

Mudança - Tive dificuldade para motivar as pessoas em Belize. Sempre tive muita preocupação com a barreira da língua. Então aceitei o visto e vim para o Brasil. Comecei a ensinar em uma escola técnica no Espírito Santo. Foi mais fácil lecionar no Brasil, apesar do idioma. O sotaque carioca foi muito difícil para eu entender. Em Teresina, trabalhei como padre em uma paróquia, lecionando em uma escola e em uma casa de retiro. Lecionei Química e Biologia.

Estudos - Estudei na PUC do Rio de Janeiro e me transferi para o Instituto Santo Inácio de Belo Horizonte para continuar a estudar Teologia. Estudei também um semestre nos Estados Unidos. Fazia cinco anos que não voltava lá e vi o quanto a cultura mudou. Fui para Boston e tive um choque cultural. Já tinha feito minha graduação antes de entrar na Companhia de Jesus em Genética Quantitativa, com especialização na análise do leite dos bovinos.

Carreira - Visitei a Unisinos quando ainda era aluno de Teologia em Belo Horizonte. Nessa época, já pensava em vir para cá, mas acabei indo para a Bahia. Sempre mantive contato com a Universidade. Por meio de meu superior, em 1995, vim para a Unisinos, passando um semestre aqui e outro na Bahia. Aqui comecei a lecionar na área dos cromossomos (citogenética), na origem morfológica de diversas formas de vida. Eu nunca tinha lecionado nessa área. Fiz um intercâmbio, na época, com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul a respeito do método desenvolvido lá. Eu disse ao meu superior que não entendia esse método, e ele respondeu que eu poderia aprender. Ainda me falou para não dizer para ninguém que eu não conhecia. Achei que eles iriam perceber que eu não entendia o método. Na primeira vez, tudo o que podia dar errado neste período, deu errado. Faltou luz, então as centrífugas não funcionaram. Mas no final deu tudo certo.

Identidade - Cresci entre eslavos, nos Estados Unidos. Com 12 anos, entrei em uma escola pública americana e foi quando aprendi o que era ser americano. Percebi que não tinha jeito de americano. Comecei a notar a influência da cultura eslava em mim. Identifico-me como um americano eslovaco, e isso ajuda a entender melhor a minha precedência. Recebi uma bolsa para estudar o primeiro ano do ensino universitário em um colégio de meninos no norte dos Estados Unidos. Foi bem difícil, pois fiquei o tempo todo longe da minha família. Nessa época, acumulei dinheiro porque trabalhei nas férias e pude completar a minha graduação, com a ajuda da família, na universidade. Fiz minha pós-graduação na University of Florida.

Vietnã - Quando estava na graduação, fui convocado para o serviço militar. O governo deixou-me termina o curso, mas, na pós graduação, fui chamado para servir. Fui para o Vietnã onde fiquei catorze meses. O período de serviço total foi seis anos, mas fiquei no serviço ativo por 19 meses. A experiência do Vietnã mostrou-me uma realidade diferente, fui muito bem tratado no país. O Vietnã tem um povo realmente complexo, com muita miscigenação. Minha família brinca com o fato de que eu gostei do Vietnã. Quando vemos reportagens sobre desastres naturais e guerras só vemos as partes ruins, que não é mentira, mas não mostra as partes boas. Quase sempre visitei lugares pacíficos, mas fomos atacados no país, e quase nunca pudemos revidar, pois havia inimigos entre civis. Não vi nenhuma grande batalha. Acho que foi uma experiência bastante positiva. A dificuldade que tive lá é a mesmo que tive aqui, foi o idioma. Não conseguia me comunicar bem com eles.

Brasil - A maior parte do tempo que vivo no Brasil passei no Nordeste do país. Em 1986, fui para Teresina, mas já havia morado no Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nesse tempo, no Nordeste, acostumei-me com o clima semi-árido, de como o povo sobrevive e se desenvolve nesse clima. Lá convivi com um grupo de jovens que trabalham nas plantações, onde ensinei sobre os métodos de como plantar e fertilizar e como operar equipamentos que conseguimos. Na primeira safra que colhemos, dividimos o lucro entre nós. Plantamos acerola e tivemos muita sorte.

Amizades - Por natureza eu sou introvertido, mas aprendi a superar isso. Acordo todo o dia sem o despertador, faço exercícios e vou para a capela. Gosto muito de meditar. Tenho a orientação de meditar. Eu tenho essa tendência monástica, reconheço isso. Ás vezes, eu acabo me afastando. Tenho autodisciplina. Também costumo falar muito alto, talvez porque trabalhei muito no campo.

Diferenças - Com a minha experiência no Vietnã e também nos Estados Unidos, como descobri que não sou tão americano quanto pensava, e também na América Central, senti que, ao chegar ao Brasil, fui realmente acolhido. Aqui há muita caridade, isso não me chocou, mas me deixou admirado. O povo brasileiro é muito afetivo.

Horas Livre - Gosto de andar de bicicleta e ler livros de história mundial.

Lembrança - Lembro de uma frase que um jesuíta me disse uma vez: “Tu não tens marca de nacionalidade, mas de uma pessoa do mundo”. Foi uma surpresa ouvir isso. Eu ainda me identifico com as minhas origens eslovacas.

Unisinos - A Unisinos é conhecida por seu trabalho acadêmico. A universidade fomenta a pesquisa e a extensão, além do ensino. Ela é muito conhecida fora do Estado.

 

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