Edição 508 | 07 Agosto 2017

Economia populista é aquela voltada ao Bem-Estar Social

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João Vitor Santos

Para Fernando Nogueira da Costa, o populismo levado para o campo econômico pode ser uma forma de fazer frente aos interesses do livre-mercado

Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, Fernando Nogueira da Costa faz uma leitura do conceito de populismo de Ernesto Laclau desde o campo das Ciências Econômicas. Segundo Costa, esse fundamento político pode inspirar uma política econômica muito mais alinhada com interesses populares, do povo. “O populismo constitui o alerta de que os interesses dos defensores da Economia de Livre-Mercado não podem predominar acima dos interesses populares”, pontua. E explica: “a economia tem de estar voltada para alcançar um Bem-Estar Social e não, exclusivamente, para atender à ganância individualista. O instinto de proteção dos seres humanos deve superar o instinto de competição. A cooperação altruísta contribui mais para o desenvolvimento socioeconômico e humanista”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o professor faz uso das perspectivas de Laclau para analisar a inclusão pelo consumo. “Os preconceituosos já com ‘a vida ganha’ tendem a criticar ‘a inclusão pelo consumo’”, dispara. “Os ‘populistas’ (sic) retrucam que este é um direito a ser plenamente conquistado pela cidadania brasileira. Não pode haver ‘cidadãos de 2a. categoria’ excluídos do mercado de consumo”, complementa. Para ele, “é um erro econômico desprezar a expansão do mercado interno pelo consumo”, pois “atrai investimentos diretos estrangeiros, gerando empregos e multiplicando renda”. “A retomada do crescimento depende do mercado interno e do crédito ao consumidor”, completa.

Fernando Nogueira da Costa é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Tem graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Ciência Econômica e doutorado em Ciência Econômica pela Unicamp. Foi vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal, entre fevereiro de 2003 e junho de 2007. Entre os livros publicados, estão Ensaios de Economia Monetária (São Paulo: Educ, 1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (São Paulo: Makron, 1999), Economia em 10 Lições (São Paulo: Makron, 2000) e Brasil dos Bancos (São Paulo: Edusp, 2012).

A entrevista foi publicada nas Notícias do Dia de 1-7-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como compreende o conceito de populismo, de Ernesto Laclau? E como esse conceito pode ser operado no campo da Economia?
Fernando Nogueira da Costa – Para Ernesto Laclau, a flexibilidade com que o conceito é aplicado a situações as mais contraditórias, tanto à direita, como à esquerda, revela a dificuldade de entender o populismo. Comumente, entende-se como “populista” a situação que ocorre quando o povo estabelece conexão direta com uma liderança, desestabilizando a democracia representativa. Para ele, o populismo não é uma ideologia nem uma conduta irracional, mas segue uma lógica específica, relacionada às identidades coletivas e às demandas sociais. Ele valoriza os momentos de organização e atuação política do povo.

Assim, para Laclau, a razão populista é o fundamento mesmo do político. Por isso, ela recusa as racionalidades que aspiram ao fim da política, seja a que apregoa uma revolução total, seja a que reduz a política à mera administração das coisas públicas. Sendo assim, o populismo constitui o alerta de que os interesses dos defensores da Economia de Livre-Mercado não podem predominar acima dos interesses populares. A economia tem de estar voltada para alcançar um Bem-Estar Social , e não, exclusivamente, para atender à ganância individualista. O instinto de proteção dos seres humanos deve superar o instinto de competição. A cooperação altruísta contribui mais para o desenvolvimento socioeconômico e humanista.

IHU On-Line – Como conceber uma política econômica a partir desse conceito de populismo? Quais as experiências mais próximas disso que se tem/teve no mundo? Moeda social e bancos de gestão colaborativa se associam a essa perspectiva?
Fernando Nogueira da Costa – Qualquer instrumento de política econômica que coloque o benefício coletivo acima da satisfação individual de membros da elite econômica costuma ser taxado, sumária e pejorativamente, como “populista”. Por exemplo, os pregadores de um choque cambial para dar competitividade internacional aos industriais brasileiros, que não obtém produtividade que lhes capacite preços baratos em suas exportações, afirmam que é “populismo cambial” o que seus críticos defendem. Taxam de política cambial “populista” a voltada para “manter os salários reais artificialmente elevados”. Com ela, alegam, a existência de uma indústria que utilize tecnologias no estado da arte mundial é inviável.

Não percebem os reagentes a essa terapia. Um choque cambial, provocado por variação discricionária no sistema de preços relativos, causaria conflito distributivo. Outras rendas perderiam posições relativas às dos exportadores e demandariam reposição inflacionária. O consequente choque de custos se somaria ao custo dos insumos importados. Ao fim e ao cabo, em processo de retroalimentação inflacionária, não há nenhuma garantia que o incentivo ao lucro dos industriais exportadores se manteria incólume. E um governo com hegemonia trabalhista consideraria inviável politicamente “dar-um-tiro-pé”, isto é, tirar poder aquisitivo real de sua base eleitoral.

Moeda social e bancos de gestão colaborativa não se associam a essa perspectiva “populista” na medida em que são fatores apenas de desenvolvimento local. Não têm impacto macroeconômico.

IHU On-Line – Quais os pontos comuns e dissonantes entre populismo (de Laclau), desenvolvimentismo e lulismo? E quais os limites desses conceitos?
Fernando Nogueira da Costa – Laclau diz que “a necessidade de um cimento social que una os elementos heterogêneos outorga centralidade ao afeto na constituição social”. Entendo que a gente faz política – ações coletivas – com amigos ou companheiros de quem gostamos ou temos um amor comum por determinada causa. O que mais traz felicidade são os relacionamentos com outras pessoas, ou seja, com a família, o(a) companheiro(a), os filhos e os amigos. Em segundo lugar, está o sentimento de fazer algo de útil ou altruísta. Esse laço social pelo afeto une os populistas, desenvolvimentistas e lulistas.

A subestimação do populismo implica na subestimação da política tout court . Daí a afirmação liberal de que a gestão da comunidade cabe a um poder administrativo cuja fonte de legitimidade é o conhecimento apropriado pela casta de sábios daquilo que constitui uma “boa” comunidade. Isto é, aquela em que predomina o livre-mercado favorável à casta dos mercadores-industriais-financistas.

Francisco Weffort, ex-professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFCHL-USP, ex-Secretário Geral do PT, partido que renegou, em 1994, para ser ministro da Cultura de seu ex-colega Fernando Henrique Cardoso - FHC, começou a publicar artigos contra o Populismo, em setembro de 1963, criticando o apoio das massas populares ao governo reformista de João Goulart, seis meses antes do Golpe Militar de 31 de março de 1964. Há mais de meio século, essa crítica acadêmica uspiana contaminou os marxistas que almejavam uma luta de classes acirrada no Brasil.

O ex-professor da FFCHL-USP FHC, quando assumiu a Presidência da República, na Era Neoliberal, anunciou que pretendia acabar com todo “o entulho [populista] varguista”. O ethos paulista da “Revolução de 1932” leva a elite socioeconômica/intelectual paulistana ao antivarguismo e antipopulismo. Esse seu esnobismo “se moderniza” no antilulismo e antipetismo.

Em 1978, Weffort publicou o livro O Populismo na Política Brasileira , coletânea de seus ensaios da campanha acadêmica contra esse fenômeno político latino-americano. Ele afirma que o populismo como ideologia “revela claramente a ausência total de perspectivas para o conjunto da sociedade“. E a massa que ele galvaniza “entrega-se de mãos atadas aos interesses dominantes”. Curiosamente, o tucanato esnobe se atou aos interesses golpistas ora predominantes em um “abraço de afogados”.

IHU On-Line – Em que medida podemos afirmar que a inclusão pelo consumo corrompe o conceito de populismo segundo Laclau? Quais os riscos e os limites de uma política econômica baseada na inclusão pelo consumo?
Fernando Nogueira da Costa – O populismo tende a negar qualquer identificação ou classificação com a dicotomia direita/esquerda, isto é, individualistas competitivos versus igualitários altruístas. Entretanto, estes rótulos ideológicos são insistentemente sobrepostos a ele. Fala-se, atualmente, em um “populismo de direita” de caráter protecionista contra os imigrantes e, supostamente, a favor dos empregados nativos. Trata-se de um movimento multiclassista, embora nem todo movimento multiclassista possa ser considerado populista. Por isso, a esquerda marxista, que só privilegia a luta de classes, o rejeita, mesmo se um líder carismático atender aos interesses populares com uma política social ativa.

O populismo inclui, usualmente, componentes contrastantes, tais como a reivindicação da igualdade de direitos políticos e da participação universal das pessoas comuns, mas funde-se com algum tipo de autoritarismo. Em geral, está sob uma liderança carismática, cujo culto à personalidade merece críticas. O populismo inclui também demandas socialistas ou pelo menos demanda da justiça social, uma vigorosa defesa da pequena propriedade, componentes fortemente nacionalistas, e a negação da importância da classe. Ele é acompanhado pela afirmação dos direitos das pessoas comuns (“párias”) de enfrentarem os interesses de castas privilegiadas, habitualmente consideradas “inimigos do povo e da nação”.

Os preconceituosos já com “a vida ganha” tendem a criticar “a inclusão pelo consumo”. Os “populistas” (sic) retrucam que este é um direito a ser plenamente conquistado pela cidadania brasileira. Não pode haver “cidadãos de 2a. categoria” excluídos do mercado de consumo. A revolução “comunista” chinesa significou, na prática, uma revolução consumista mundial ao baratear e popularizar bens de consumo durável antes considerados “bens de luxo e/ou capitalistas”.

É um erro econômico desprezar a expansão do mercado interno pelo consumo. Atrai investimentos diretos estrangeiros, gerando empregos e multiplicando renda. A retomada do crescimento depende do mercado interno e do crédito ao consumidor. Com o grau de urbanização brasileira (85% da população mora em cidades), os Serviços produzem ¾ do Produto Interno Bruto - PIB. Na realidade, quase toda a população – a quinta maior do mundo – necessita encontrar ocupação e obter renda para consumir, se quisermos ter um crescimento sustentado em longo prazo.

IHU On-Line – Uma política econômica de inspiração populista é capaz de fazer frente à lógica da “financeirização” no mundo de hoje? Por quê?
Fernando Nogueira da Costa – Todas as crenças religiosas medievais contra a usura persistem até hoje, inclusive entre ateus materialistas. Infelizmente, muitos destes aderiram ao mesmo preconceito. Onde a lei, no caso das finanças islâmicas, ou os escrúpulos de consciência, seja no cristianismo, seja no judaísmo, impedem emprestar dinheiro a juros “aos irmãos”, o capital pertencente a pessoas não engajadas no comércio está perdido para fins produtivos. A economia do endividamento supera a economia da parcimônia.

Ora, a alavancagem financeira gera uma economia de maior escala nos negócios e maior rentabilidade. É viável com taxa de juro que não se aproprie de toda a rentabilidade acrescida com o uso de capital de terceiros. Os investimentos financeiros dos “rentistas” – “gente do mal” segundo os maniqueístas – são necessários como passivos carregadores dos empréstimos nos ativos bancários. A elevação destes gera renda e emprego. Sua queda provoca depressão.

A abertura de contas bancárias, que saíram de 88 milhões em 2002 para 223 milhões em 2016, deu acesso popular à cidadania financeira. Os trabalhadores que ganham acima do teto da Previdência (R$ 5.531,31) necessitam ser rentistas para manter o padrão de vida durante a longa fase inativa de aposentadoria.

Assim, seria um erro político típico da esquerda extremista assustar os 10 milhões de rentistas do varejo tradicional e de alta renda com a ameaça de quebra de contratos financeiros (“desfinanceirização”), dada a importância do funding em títulos e valores mobiliários para lastrear as operações de crédito, inclusive as realizadas por bancos públicos.

Antes, predominava uma sociedade rural com riqueza em ativos imobiliários e rentismo parasitário em renda da terra. Depois, tornou-se uma sociedade urbana com menor desigualdade pelo surgimento de uma classe média, composta inclusive por operários especializados, cuja sobra de renda do trabalho acumulada sob forma de ativos financeiros – mais líquidos que os ativos imobiliários – propicia a manutenção das condições de vida durante a maior fase inativa dos seres humanos. E fontes de financiamento para alavancagem financeira.

IHU On-Line – Como o senhor tem analisado a política econômica brasileira e as opções feitas desde os governos Lula até o atual momento político? Como conceber um quadro de recuperação econômica sustentável, capaz de reduzir de fato as desigualdades do Brasil?
Fernando Nogueira da Costa – Nós, “populistas” (sic), necessitamos trocar ideias sobre um possível programa eleitoral à espera de um candidato de oposição. Desta vez, temos a vantagem de usar as lições da experiência social-desenvolvimentista brasileira para superar as negativas, retomando tudo o que foi positivo entre 2003 e 2014, por exemplo, uma política social ativa, e avançando.

Nossa linha de partida é a verificação de que sem maioria qualificada no Congresso Nacional não se conseguirá a reversão da Proposta de Emenda Constitucional - PEC dos gastos fiscais que pretende imobilizar quaisquer experiências de atuação anticíclica do Estado brasileiro contra a atual Grande Depressão econômica. Na verdade, esta é a prioridade número um: retomar um crescimento sustentado da renda e do emprego. Ao eleitorado com 14 milhões de desempregados, cujo multiplicador afeta pelo menos 60% dos domicílios brasileiros, interessa, antes de tudo, isso. O programa econômico se dedicará, prioritariamente, a lhes oferecer ocupações – e não a cortar direitos trabalhistas como se faz atualmente.

Quanto à política econômica em curto prazo, caberá um realinhamento gradualista, isto é, sem choques, de preços relativos (câmbio, juros, tributos, lucros e salários) favorável à retomada do crescimento. Ele deverá ser realizado sem “esmagamento de lucros” por custos e nem “estreitamento do mercado interno” por carência de demanda agregada.

Será oportuna uma depreciação competitiva da moeda nacional, a ser feita de maneira gradual. Exigirá, simultaneamente, progressiva diminuição da taxa de juro básica real para o patamar 2% aa. E a reoneração da folha de pagamentos na área fiscal.

Prioritária será a reestruturação tributária com o fim da isenção de (e a elevação da tributação progressiva sobre) renda de Pessoa Física recebedora de lucros e dividendos propiciada pela Lei 9.249 de 26/12/1995. Em compensação, para ampliar a massa de lucros através de maior mercado de consumo popular, caberá tentar aprovar o Imposto sobre Valor Agregado - IVA em escala nacional em lugar da tributação sobre bens e serviços (ICMS/ISS). Esta é repassada via preços, de maneira regressiva, isto é, os mais pobres pagam mais em relação a suas menores rendas.

Inovações financeiras recentes – mudança no crédito rotativo e diferenciação de preços à vista e a prazo – podem ser aprofundadas. O sistema brasileiro de pagamentos via cartões, distribuídos irresponsavelmente sem avaliação de riscos, infla o custo de vida e merece uma revisão. Um desafio será a securitização do crédito imobiliário com compartilhamento de risco pelo avaliador original da operação, outro será a expansão do crédito estudantil securitizado, ou seja, descontado em folha de pagamento.

Quanto à composição de uma Diretoria do Banco Central do Brasil mais plural, será necessário quebrar um tabu, incorporando economistas desenvolvimentistas e não só “representantes de O Mercado”. Juros no Brasil é uma variável determinante de variáveis-chave, mas determinada de maneira arbitrária e disparatada em relação ao resto do mundo. É urgente o fim da caracterização da Autoridade Monetária como uma instituição econômica extrativista, que espolia renda da maioria trabalhadora em favor de uma minoria rentista, impondo-lhe a característica inclusiva de fomentar a atividade econômica empregadora. É imperativo o mandato dual para limitar o arbítrio do Banco Central entre duas metas: controle da inflação e expansão do emprego.

Em síntese, não haverá condução adequada da política econômica, tanto no que se refere aos encargos financeiros do endividamento público, quanto na tendência à apreciação da moeda nacional, enquanto o juro for uma variável sob o livre arbítrio do Banco Central sem coordenação com os demais instrumentos. A descoordenação provoca a disparidade entre a taxa interna e a externa e eleva o cupom cambial.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Fernando Nogueira da Costa – Ernesto Laclau revê o populismo em chave bem diversa do menosprezo e desdém em geral atribuído a ele por acadêmicos esnobes brasileiros. Estes têm a atitude de quem despreza o relacionamento com gente humilde e imitam, geralmente de maneira afetada, o gosto, o estilo e as maneiras de pessoas de prestígio ou alta posição social, assumindo ares de superioridade exacerbada a propósito de tudo. Para o pesquisador argentino, a prática política representa uma articulação profunda por mudanças institucionais e teve papel preponderante na consolidação da democracia na América Latina.■

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