Edição 508 | 07 Agosto 2017

Laclau e a redescoberta da rebeldia do povo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

João Vitor Santos | Tradução: Moisés Sbardelotto

Hugo Cancino observa a obra laclauniana como forma de atualizar perspectivas de obras clássicas. Para ele, é por meio do pensador argentino que se pode chegar à potência dos pobres e submersos

Hugo Cancino é um dos pesquisadores que recomenda a leitura de Ernesto Laclau com vistas à inspiração para pensar mais sobre o tempo em que vivemos. E, para fazer o atravessamento entre a realidade concreta e a teoria do autor, sugere: “Talvez, junto com Laclau, devêssemos ler, como Laclau, os anarquistas, os que perderam a batalha, como Leon Trotski”. Cancino acredita que o pensador é importante para que se consiga trazer para a atualidade grandes clássicos que, no passado, foram fundamentais para compreender o mundo. “O pensamento de Laclau, sua releitura da hegemonia gramsciana e dos outros clássicos do pensamento marxista passam a fazer parte dos rebeldes de hoje na França, Itália, Espanha e América Latina, que, a partir da indignação, chegaram, depois de uma longa jornada, a redescobrir a rebeldia que está latente nos pobres, nos submersos, em última análise, nos de baixo”, destaca.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o professor demonstra como o pensador argentino elabora que, ao longo do século XX, a “realidade havia se tornado complexa e opaca”. Assim, destaca que é importante perceber, como Laclau percebeu, que a realidade “não podia se reduzir às classes sociais em conflito, mas sim à existência e luta de muitos sujeitos sociais, étnicos e culturais”. “Nessa mesma compreensão e tentando compreender Laclau, no nosso mundo de hoje, estão presentes outros componentes, como as crises políticas, de representação e também a crise das elites políticas. Como se vê, por exemplo, nos casos do Chile e do Brasil”, completa. E provoca: “Até agora, o populismo realmente existente nunca alcançou a altura e a radicalidade do peronismo de 1945 a 1955. Essa foi a temática de Ernesto Laclau para iniciar a sua pesquisa sobre os movimentos nacional-populares”.

Hugo Cancino é professor emérito do Institut for Kultur og Globale Studier da Aalborg University, Dinamarca. Licenciado em História pela Universidad de Chile, Santiago, é Ph.d. em História pela Aarhus Universitet. Recentemente, publicou o artigo sobre a pesquisa que desenvolve: Ernesto Laclau y su contribución a los Estudios Latinoamericanistas (In: Sociedad y discurso, AAU, No. 30, 2017, p. 4-23).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como compreender a realidade política do nosso tempo a partir do conceito de populismo de Laclau?
Hugo Cancino – Atrevemo-nos a postular que a “realidade” política do nosso tempo é bastante complexa e, talvez, não poderia ser totalmente compreendida pelo termo “populismo” na compreensão de Laclau. O termo existia antes de Laclau, com uma acepção negativa de demagogia, caudilhismo, ofertas de melhoria social desmedidas etc. Foi Laclau quem conferiu ao termo um status científico no contexto de uma nova lógica política que podia levar a uma nova forma de democracia e representação.

A significação e a contribuição de Laclau foram de criar um novo aparato conceitual, crítico e aberto, para compreender a “nova realidade” emergente depois do fim da Guerra Fria e do bloco soviético, e da dissolução do paradigma do “marxismo-leninista” que foi a “ideologia” da esquerda. Laclau enfatizou em seus trabalhos e artigos que a “realidade” havia se tornado complexa e opaca e, portanto, não podia se reduzir às classes sociais em conflito, mas sim à existência e luta de muitos sujeitos sociais, étnicos e culturais. Nessa mesma compreensão e tentando compreender Laclau, no nosso mundo de hoje, estão presentes outros componentes, como as crises políticas, de representação e também a crise das elites políticas. Como se vê, por exemplo, nos casos do Chile e do Brasil.

Esse contexto [de crises] não leva necessariamente à irrupção de movimentos populistas, ou seja, à rebelião dos de baixo, que crie um novo cenário, em que os antagonismos sociais se aprofundem de tal maneira que o impasse entre os blocos sociais se resolva com a força de um sujeito social ou de um líder carismático que encha de conteúdos classistas o significante vazio, de que Laclau fala, e produza a ruptura populista: todo o poder aos cidadãos. Isto é, criar poder popular nos termos de Laclau.

IHU On-Line – A partir desse conceito de populismo, como entender a ascensão de partidos como Podemos , na Espanha, e também de líderes como Trump ou Macron ?
Hugo Cancino – Ambos os casos de irrupção populista se enquadram em contextos políticos, sociais e ideológicos, em última análise, muito diferentes. Em nenhum dos três casos houve um vazio de poder, nem na Espanha, na França ou nos Estados Unidos. O que houve foi uma rebelião contra as elites de poder, uma classe política, no caso espanhol, uma casta oligárquica, afastada do povo e de seus problemas cotidianos, e velhos partidos políticos esgotados, sem discursos de renovação. A esquerda tradicional faz parte desse processo de crise do discurso e de carência de perspectivas para continuar.

Podemos

O Podemos, na Espanha, está diretamente vinculado às mobilizações dos “indignados”, que irromperam no cenário social proclamando uma corrente de reivindicações, tanto da juventude quanto dos desempregados, aposentados e marginalizados na Espanha. A geração que operou como vanguarda emitiu um discurso de desconfiança e crítica radical ao sistema, à ordem que surgiu no processo da transição democrática, fundamentada no consenso dos dois grandes partidos: Aliança Popular e Partido Socialista Operário Espanhol - PSOE. Na realidade, ambas as formações reagiram com hostilidade contra os jovens que protestavam a partir de baixo, em vez dos espaços institucionalizados (aqueles que, aliás, estavam obstruídos pelo sistema).

Esse contexto foi preparando o caminho para o que seria o Podemos, um partido-movimento, que não tinha um domicílio institucionalizado, como os velhos partidos-sistema. Não se declararam nacional-populares, mas, ao se lerem seus manifestos, intervenções e vídeos na web, eles mostravam simpatia para com os novos movimentos nacional-populares na América Latina. A partir do momento em que ingressaram no Parlamento, foram acusados pelos dois partidos eixos do poder de serem “populistas” e “demagogos”. Pela primeira vez, escuta-se nas cortes e nos meios de comunicação um discurso que denuncia a “casta” dirigente, seus escândalos de corrupção com bens públicos e a atitude complacente do PSOE. Sua presença social e política é inegável, mas ainda estão longe de criar uma maioria que consiga reverter o regime de Rajoy , reduzir a gravitação da Igreja Católica, eliminar o apoio financeiro para uma instituição que não representa as jovens gerações da Espanha.

Macron

Macron é o caudilho dos setores médios franceses. A sua rebelião não sairá dos marcos do neoliberalismo, cuja dimensão mais impiedosa nós conhecemos no Chile desde Pinochet até a Sra. Bachelet .

Trump

Trump recolheu a indignação dos setores do povo branco e de todos aqueles que viam na elite governante, em seus privilégios e em seus títulos profissionais, os seus inimigos. Diante da indignação de todo esse mundo, tão longe de Deus como das elites governantes aos empresários e com um discurso confuso e contraditório, a primeira coisa que fez foi chamar empresários a fazerem parte do seu governo, junto com generais aposentados. A religião sempre esteve presente na velha direita republicana, nos setores racistas etc.

IHU On-Line – Podemos afirmar que a perspectiva do populismo pode ser um caminho para enfrentar os movimentos do capital financeiro hoje? Como compreender essa relação entre populismo e capitalismo no nosso tempo?
Hugo Cancino – Se, na primeira parte da sua pergunta, você se refere aos movimentos nacional-populares da América Latina, seria possível afirmar que nenhum deles alcançou um desenvolvimento de uma força social e política que lhes permita desalojar o capital financeiro dos seus bastiões de poder econômico e cultural: em geral, podemos afirmar que até agora dominou um reformismo moderado, que não impulsionou medidas anticapitalistas nem criou um novo Estado nacional, tarefa histórica que Evo Morales , o chavismo ou o movimento de Correa no Equador prometeram.

Há algum tempo, eu li um artigo de James Petras , em que ele afirmava que, em três anos, a Unidade Popular chilena fez mais do que o chavismo, embora nas condições mais difíceis do processo chileno. No caso de Correa e Evo, parece-me que eles foram generosos ao alcançar acordos com setores do capital financeiro internacional. Entendemos que o chavismo, com Maduro , tem poucas perspectivas de vida longa, acossado por movimentos civis com ampla representação de jovens da oligarquia tradicional, jovens brancos ou branqueados. As mobilizações venezuelanas dos setores oligárquicos me lembram mobilizações semelhantes no Chile no período de 1972 – que preparou o caminho para o Golpe de 1973. A crítica central da esquerda revolucionária dos anos 1970 foi que os movimentos populistas nunca chegaram muito longe nos seus objetivos anticapitalistas. Até agora, o populismo realmente existente nunca alcançou a altura e a radicalidade do peronismo de 1945 a 1955. Essa foi a temática de Ernesto Laclau para iniciar a sua pesquisa sobre os movimentos nacional-populares, nome outorgado pelo cientista ítalo-argentino Gino Germani .

Com relação aos movimentos populistas emergentes na Europa nas últimas duas décadas, posso dizer que todos se inscrevem em uma perspectiva nacional-étnica. Tenho dúvidas de que seus dirigentes ou ideólogos leram Laclau, que os analisa brevemente em seu livro póstumo. Restaurar a nação étnica, “a pureza do sangue”, como diziam os conquistadores hispânicos, é uma utopia impossível de se realizar em países que, durante décadas, receberam e recebem enormes aportes de população de outros países europeus ou do Oriente Médio, como no caso dos turcos, que são a maior minoria étnica na Alemanha e na Dinamarca.

Todos os partidos nacionalistas, novos e antigos, se projetam para a extrema direita. Embora a direita clássica não os tolere muito, em certos casos, o fim justifica os meios, como no caso do Partido Popular Dinamarquês, partido xenófobo que apoia a coalizão de direita que governa a Dinamarca. Não resta dúvida de que todos esses partidos se identificam com o sistema capitalista, com as oligarquias e com as elites de poder.

IHU On-Line – Como analisa a esquerda no mundo de hoje?
Hugo Cancino – Eu me atreveria a defender que a crise da esquerda na América Latina faz parte da crise da esquerda global. Seria preciso acrescentar que a nossa esquerda, desde a sua gestação no fim do século XIX, em países como Argentina, Chile, Brasil etc., que experimentaram uma primeira industrialização e, quase paralelamente, ali, foram se estruturando formas sindicais como as Mancomunais [Mancomunales], com uma gravitação de grupos e organizações anarquistas. As emigrações a partir da Europa de militantes anarquistas, alguns dos quais tinham participado na fundação da Primeira Internacional e da Comuna de Paris . Ou seja, desde o começo, o movimento se projetou como internacionalista no espírito do Manifesto Comunista e do discurso anarquista.

Esse internacionalismo se fortaleceu com a Revolução Russa de 1917, que tomou o céu de assalto. A fundação da Terceira Internacional, primeiro, fez do internacionalismo um imperativo objetivo e ético. Os partidos comunistas e operários da América Latina foram seções da Terceira Internacional. Depois da morte de Lenin e do stalinismo , a conversão em dependências sem direito a discutir criticamente os desvios da Internacional. A constituição de um corpus ou cânone ideológico, o marxismo-leninismo, é apenas o começo da grande crise ideológica da esquerda global.

Todos esses esquemas, manuais da doutrina, rituais canonizados, geraram crise no fim do século XX. Derrubou-se o sistema, os muros da teoria, que, na verdade, foi um dogma. A dissolução do paradigma que foi o guia do movimento internacional derrubou as organizações marxistas-leninistas. A crise também foi a crise da Social-Democracia europeia e dos partidos socialistas europeus e, singularmente, do PS chileno, supostamente renovado, que renunciou ao marxismo e, finalmente, entrou sem discussão no curso da globalização neoliberal.

Hoje, a corrupção generalizada da elite política chilena faz com que o partido da bandeira vermelha, com um machado indígena no seu centro, seja um partido cuja liderança se articulou com a elite empresarial chilena. Há alguns anos, escrevemos um artigo intitulado “A esquerda latino-americana depois do fim da Guerra Fria”. Postulamos, então, uma tipologia da esquerda em três categorias: esquerda tradicional marxista-leninista, um centro-esquerda que se orientava cada vez mais a uma capitulação da sua essência, a aceitar pactos com as elites econômicas, a comer do mesmo prato com a oligarquia e, em seguida, manter uma presença formal no movimento operário. Nesse mesmo artigo, afirmávamos que a única esquerda realmente existente se expressava nos movimentos nacional-populares que irromperam no fim do século XIX.

IHU On-Line – Como as perspectivas políticas da direita se apropriam das lógicas do populismo?
Hugo Cancino – Não é possível detectar uma influência da teoria política de Laclau e da lógica da política do populismo na direita clássica europeia, isto é, os partidos conservadores, liberais e social-democratas. Eu não acho que os dirigentes e militantes desses grupos conhecem os trabalhos de Laclau. Como parênteses, eu gostaria de acrescentar que Laclau nunca foi muito conhecido em círculos amplos fora das universidades. Nas universidades europeias, sempre houve estudantes que fizeram seus mestrados e também suas teses doutorais inspirados em seus escritos. Seus melhores acertos foram como expositor, nas entrevistas e nas conferências que proferiu na Argentina e na Venezuela e em outros países da região, em nível de base operária popular. Nesse setor, demonstrou uma imensa capacidade pedagógica e de comunicação.

Todos esses partidos da Europa Ocidental professam um nacionalismo extremo e de mitos fundacionais sobre a história de seu país. De acordo com o que foi exposto, duvido que a extrema direita nacionalista e étnica entendeu a lógica da globalização. Desde o fim do século XX, esses grupos e também a esquerda revolucionária a repudiaram a partir de ângulos diferentes. Para os nacionalistas de direita, a globalização destruiria as culturas nacionais e permitiria a emigração massiva de etnias e povos indesejados.

A esquerda se pronunciou contra a globalização capitalista e a imposição desse modelo por toda a parte. Tinha razão nesse ponto. Embora o próprio Karl Marx tenha previsto esse mesmo fenômeno que chamou de universalização. No Manifesto Comunista , ele afirmou que nenhuma muralha chinesa poderia impedir o intercâmbio de mercadorias, livros, e a revolução sempre foi vista como um processo internacional.

IHU On-Line – De que forma a experiência nacional-popular do Chile no século XX ajuda a compreender o conceito de populismo em Laclau? E o que essas experiências revelam sobre a potência e os limites dessa perspectiva?
Hugo Cancino – Com efeito, o Chile experimentou duas experiências fracassadas de instauração de um regime populista (a palavra era inexistente na linguagem política dos anos 1920). Até a segunda década do século XX, as bases sociais de sustentação do Estado oligárquico eram demasiadamente estreitas para resistir ao embate das demandas sociais e políticas das classes médias emergentes, que se articulavam com as reivindicações operárias e populares. A classe operária chilena gestada nas jazidas de salitre do Norte Grande já havia se constituído como um ator social com suas incipientes organizações classistas e políticas. O bloco oligárquico no poder, integrado pelos proprietários de terra, as facções financeiras, comerciais e de mineração da burguesia, continuava agindo como o único sujeito coletivo atuante na cena política no manejo do poder do Estado.

Com o movimento social encabeçado pelo político e agitador liberal Arturo Alessandri Palma como candidato presidencial em 1920, emergiu no cenário político um amplo movimento popular integrado por profissionais, funcionários do setor público e privado que exigiam representação no poder de Estado, sua democratização e a implementação de reformas sociais, junto com uma crescente classe operária, que, já há duas décadas, havia erigido suas primeiras formas de organização social e política. O povo se sentiu interpelado pelo discurso de reforma da política social de Alessandri. Um político jovem, filho de emigrantes, cuja oratória projetou pela primeira vez a imagem de um político antioligárquico.

Pela primeira vez na história social do Chile, um político cujo discurso interpela a todos os segmentos do povo trabalhador o une em uma coalizão que enfrenta o bloco oligárquico nas eleições presidenciais de 1920, representando a União Liberal. Sua candidatura conseguiu estabelecer a separação do espaço político do povo e o antipovo. Ele ganhou a eleição por poucos votos, com o apoio da jovem oficialidade do Exército e conseguiu impor uma série de reformas sociais e políticas, e gerar uma nova Constituição, a Constituição de 1925. O movimento popular alessandrista pode se associar com outros movimentos populares e nacionais semelhantes, como o de Irigoyen na Argentina e o de Batlle y Ordóñez no Uruguai, que geraram, em maior ou menor grau, reformas políticas e sociais de alcance limitado.

Significante vazio

Uma vez, Ernesto Laclau escreveu que os movimentos populistas emergiam no cenário social como atores frente a uma situação marcada por uma crise política, em que se estende o descontentamento no povo e as queixas generalizadas. Laclau mencionou que uma corrente de queixas heterogênea não é suficiente para uma ruptura populista. Essa corrente precisa daquilo que denomino como significante vazio, que unifique essas demandas frente ao poder, isto é, as elites que não podem solucionar o impasse entre o povo e a elite. O significante vazio pode ser um slogan ou um líder que emerge como caudilho nacional e popular. Um general aposentado, idoso, Carlos Ibáñez del Campo , erigiu-se como um líder de um movimento social hasteado pelas elites políticas, o Partido Radical, que, depois de três períodos de governo marcados por alianças oportunistas com a esquerda e a direita, considerava o Estado como seu patrimônio, para criar postos para seus membros.

Ibañismo

Ao contexto de uma crise de representação, agregavam-se o aumento do custo de vida para os assalariados, a dependência dos Estados Unidos e a repressão ao movimento operário e proscrição do PC. O movimento ibañista usou como símbolo uma vassoura. Ibañez obteve um triunfo esmagador com mais de 55% dos votos. Sua eleição varreu a esquerda tradicional e a direita. O movimento ibañista foi um movimento populista informal composto por organizações políticas de classe média. O único partido de esquerda que o apoiou e participou um ano do governo foi o Partido Socialista Popular, que tentou fortalecer uma ala populista de esquerda. As únicas leis progressistas que foram decretadas foram iniciativas do PSP.

No fim, o ibañismo, sufocado pela luta interna e por uma inflação galopante, convidou ao Chile a Missão Klein-Saks . Pela primeira vez no Chile, introduz-se o discurso de uma política de austeridade nos gastos públicos e o congelamento dos salários. A única medida progressista foi a criação de uma Frente de Esquerda que, junto com os partidos de centro, revogaram a Lei de Defesa da Democracia, que reincorporou a legalidade ao PC. De acordo com a pesquisa histórica posterior, o regime ibañista teve contato permanente com Perón e o movimento peronista. O ibañismo foi um populismo informal, sem programa e sem projeto de um novo Estado e uma nova sociedade.

IHU On-Line – Quais são os desafios para conceber uma atualização do pensamento político frente aos desafios do mundo pós-moderno? E até que ponto as perspectivas de Laclau com sua razão populista vão nesse sentido?
Hugo Cancino – Até o fim do século XX, vivemos em um mundo acessível e previsível no pensamento filosófico e na reflexão teórica. Dispúnhamos de um aparato sociológico e historiográfico que nos permitia ver, apreciar o mundo das classes sociais em seus antagonismos e até prever seu desenvolvimento e seu fim. Concebíamos a sociedade como um objeto transparente, fácil de analisar com os instrumentos do materialismo histórico.

Do século XIX, recebemos como herança teses para se alcançar na pesquisa científica a verdade objetiva, tanto nas Ciências Naturais quanto nas Humanas. O ocaso desse mundo nos lançou na pós-modernidade, no naufrágio da modernidade. E assim chegamos à hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer , que é o cerco final definitivo do mundo seguro positivo para acessar as interpretações do texto, do mundo como uma proposta. Nesse cenário complexo social, étnico, cultural já não podemos nos afirmar voltando para o Marx clássico, nem para a teoria da revolução de Lenin. As propostas de Laclau estão longe do mundo que já abandonamos, embora ele nos indique que é preciso reler Gramsci para superá-lo, mantendo a sua audácia em romper os dogmas e postulados do mundo stalinista. Talvez, junto com Laclau, devêssemos ler, como Laclau, os anarquistas, os que perderam a batalha, como Leon Trotski . O pensamento de Laclau, sua releitura da hegemonia gramsciana e dos outros clássicos do pensamento marxista passam a fazer parte dos rebeldes de hoje na França, Itália, Espanha e América Latina, que, a partir da indignação, chegaram, depois de uma longa jornada, a redescobrir a rebeldia que está latente nos pobres, nos submersos, em última análise, nos de baixo.■

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição