Edição 506 | 05 Junho 2017

Crítica Internacional - O JCPOA e os caminhos do Irã

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Gabriel Adam

Para Gabriel Adam, o Irã é um país com posição estratégica no Oriente Médio, controlador do Estreito de Hormuz, possui enorme influência nos movimentos políticos xiitas, além de ser uma potência energética em construção. Hoje o Irã detém a 4ª maior reserva de petróleo do mundo e é o 7º maior produtor; em gás natural possui as maiores reservas e é o 3º maior produtor. No artigo a seguir, Adam acredita que há um potencial de exportação de energia ainda não explorado, devido também à impossibilidade de investir em infraestrutura pelas sanções econômicas.

Gabriel Adam é formado em Ciências Jurídicas e Sociais, possui mestrado em Relações Internacionais e doutorado em Ciência Política. É professor dos cursos de Relações Internacionais e Direito na Unisinos.

Eis o artigo.

Um dos maiores acertos da política externa do Governo Obama (2009-2017) – e não foram muitos – foi a obtenção do acordo com o Irã relacionado à pesquisa para obtenção de energia nuclear por parte do país xiita. O Joint Comprehensive Plan of Action – JCPOA, assinado em julho de 2015 por Irã, os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia) e a Alemanha prevê um controle internacional sobre o projeto de energia nuclear iraniano em troca do levantamento das sanções econômicas impostas pela ONU e por algumas potências do sistema internacional acompanhadas de seus aliados. Quando de sua assinatura, a compreensão geral sobre o acordo era de que além do impedimento colocado aos iranianos de produzirem armas nucleares, ele significaria a distensão entre Teerã e Washington. Prova disto foi a decisão da Arábia Saudita de não assumir sua vaga como membro rotativo do Conselho de Segurança, pois se opunha à normalização das relações das potências ocidentais com o seu rival regional, bem como as críticas feitas por Israel à confiança indevida que estava sendo depositada no regime dos Aiatolás. Contudo, passado pouco mais de um ano após a entrada em vigor do JCPOA, eventual aproximação estadunidense-iraniana não é vislumbrada no horizonte.

Do lado estadunidense convém destacar que o Partido Republicano sempre foi contra o acordo, considerando-o uma espécie de capitulação de Obama perante um dos países do Eixo do Mal de George W. Bush. Na sua campanha presidencial, Trump chegou a classificar o JCPOA como o pior acordo da história estadunidense. Ao chegar à Presidência, Donald Trump tem externado igual posicionamento, o que o levou inclusive a cogitar a denúncia do tratado, sob a alegação de que Teerã banca grupos terroristas no Oriente Médio. De sua parte, o Irã tem cumprido as exigências que lhe foram impostas, em especial a permissão para as inspeções regulares da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); contudo as sanções econômicas relacionadas ao seu programa nuclear não estão sendo levantadas na velocidade esperada, o que tem contrariado sobremaneira o governo do país.

Em termos de atos que atingem direta ou indiretamente o Irã, a política estadunidense de conta-gotas na liberação do capital iraniano depositado em contas mantidas junto a bancos ocidentais, soma-se o apoio de Washington à Arábia Saudita no conflito mantido no Iêmen (um desastre humanitário pouco divulgado) e a obstinação em derrubar o regime de Bashar Al-Assad na Síria. A consciência iraniana de que as consequências sofridas com tais manobras são de fato planejadas pela Casa Branca levou suas autoridades de política externa a declarar fora do âmbito do JCPOA não há nenhum tipo de negociação com os EUA. Ou seja, o padrão de desconfiança mútua e de disputas em campos opostos no Oriente Médio e no sistema internacional que baliza o relacionamento entre Teerã e Washington desde 1979 permanece vigente.

Ainda que seja impossível calcular com precisão quem sai mais prejudicado com a atual situação, é inegável que a política do Partido Republicano e do Presidente Trump gera mais dividendos do que lucros aos EUA.

Na medida em que não existe isolamento completo no sistema internacional, muito menos vácuo de poder, a assinatura do JCPOA abriu a oportunidade para que outras potências, consolidadas ou emergentes, se aproximassem do Irã a fim de solidificar parcerias e realizar investimentos. Em função do embargo econômico sustentado principalmente pelos países ocidentais, os maiores importadores do petróleo iraniano são Estados asiáticos (na ordem: China, Índia, Japão e Coreia do Sul). A confiança negocial estabelecida torna natural que ao procurar parceiros para investimentos em infraestrutura relacionada à energia o governo do Irã privilegie tais países. Semelhante raciocínio serve para os planos iranianos de construir indústrias de gás natural liquefeito. Em uma época em que o declínio das reservas de hidrocarbonetos de baixo custo de produção e refino é fato notório, um bom relacionamento com Teerã garante a Pequim, Nova Déli e Tóquio o acesso a uma fonte de energia com enorme capacidade de crescimento a partir da realização de investimentos pontuais no sistema de transporte deste setor. No tocante à produção de energia nuclear, a Rússia, outra apoiadora em tempos complicados – ainda que por vezes recalcitrante – largou na frente na construção de usinas e manutenção das já existentes, projetos que países europeus como a Alemanha igualmente detêm interesse.

Para além da questão puramente energética, a posição geográfica do Irã lhe coloca como um hub interessante para a ligação terrestre entre a Ásia e a Europa via Oriente Médio. Na medida em que a China tem investido de maneira pesada em sua Nova Rota da Seda e a Rússia possui planos semelhantes, ainda que menos ambiciosos, a interligação eurasiana dá indícios de que ocorrerá nos próximos anos, o que aumenta o papel a ser desempenhado nesses projetos por países como Irã, Paquistão e Turquia.

Portanto, o quadro que se configura é de um estreitamento de laços entre o Irã, China e Rússia, justamente os únicos países que reúnem vontade e capacidade de enfrentarem os EUA no sistema internacional. Os ganhos hodiernos do Governo Trump com sua veemência anti-iraniana são a manutenção do caos no Oriente Médio e os apoios já tradicionais de Israel, Arábia Saudita e as demais petromonarquias sunitas. Num futuro não tão distante, é bastante possível que estes benefícios sejam parcos se comparados à construção de uma coalizão pragmática a juntar Teerã, Pequim e Moscou, o que permitirá que se considere o JCPOA uma oportunidade perdida por parte dos EUA e um ganho estratégico do Irã■.

Expediente
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme
Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha

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