Edição 490 | 08 Agosto 2016

As disputas no mar do Sul da China: uma queda de braço entre China e EUA

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Diego Pautasso e Gaio Doria

“As disputas no Mar do Sul da China se prestam a muitos objetivos regionais: ampliar sua presença militar sob pretexto de resguardar os demais países da ameaça chinesa; fomentar padrões de inimizade para fragilizar a liderança da China na região; gerar dissensos para fragilizar as iniciativas de integração regionais conduzida pelos chineses, tanto relacionado à ASEAN quanto à Rota da Seda Marítima; tentar engolfar a China num conflito regional fazendo ser o ‘seu Vietnã’”, analisam Diego Pautasso e Gaio Doria.

Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política, professor de Relações Internacionais da Unisinos, autor do livro “China e Rússia no Pós-Guerra Fria” (Curitiba: Juruá, 2011).

Gaio Doria é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, doutorando na Universidade do Povo da China em Beijing.

 

A dimensão regional do conflito

Não restam dúvidas de que um dos pontos de atrito mais tensos da Ásia-Pacífico é a questão do Mar do Sul da China. Embora a narrativa dominante ocidental concentre-se no expansionismo da China sobre os vizinhos, a problemática é muito mais profunda. Inclusive porque a China começou a estabelecer sua presença apenas no final de 2013, com a construção de estruturas nos territórios reivindicados nas ilhas Spratly, enquanto outras estruturas já foram construídas, sendo 29 pelo Vietnã, 5 pela Malásia, 8 pelas Filipinas, 7 pela RPC e 1 por Taiwan.

As disputas no Mar do Sul envolvem diversas ilhas e zonas econômicas exclusivas (mar territorial) entre diversos países da região, nomeadamente a República Popular da China, a República da China (Taiwan), Filipinas, Vietnã, Brunei e Malásia. A República Popular da China possui as maiores aspirações em termos territoriais, uma área definida através do conceito de “linha de nove-traços” (九段线), originalmente o nome era “linha dos onze-traços” e foi proposto pela República da China durante o governo do Guomindang, com ajuda técnica dos EUA, antes da derrota para os comunistas, em 1947, com intuito de reivindicar soberania sobre as ilhas Paracels, Prats e Spratly, logo após a rendição japonesa na Segunda Guerra. 

O imbróglio aumentou quando o Tratado de São Francisco que dispôs sobre a situação do Japão no pós-guerra não resolveu a questão das ilhas, deixando a RPC e Taiwan de fora de qualquer negociação. Os comunistas emitiram notas de repúdio e, posteriormente, o Premier Zhou Enlai subtraiu dois traços, retirando o Golfo de Tonkin e formando a “linha de nove-traços” que a China reivindica atualmente. 

Segundo a entrevista concedida ao Consensus Net por Xue Li, chefe da Divisão Estratégica Internacional do Instituto de Economia e Política Mundial da Academia de Ciências Sociais da China, não existe consenso entre os acadêmicos chineses sobre o assunto. Há, todavia, quatro grandes interpretações sobre o significado da “linha dos nove-traços”: demarcação de fronteiras marítimas, soberania sobre as ilhas, direitos históricos e águas históricas.

 

As disputas entre China e EUA

As disputas no Mar do Sul da China se prestam a muitos objetivos regionais. Primeiro, ampliar sua presença militar sob pretexto de resguardar os demais países da ameaça chinesa. Segundo, fomentar padrões de inimizade para fragilizar a liderança da China na região. Terceiro, gerar dissensos para fragilizar as iniciativas de integração regionais conduzidas pelos chineses, tanto com relação à ASEAN quanto à Rota da Seda Marítima. Quarto, tentar engolfar a China num conflito regional fazendo ser o ‘seu Vietnã’. Detalhe: os EUA usam o controle sobre Estreito de Malaca como uma ameaça permanente à China. 

Sabedora disso, a China percorre caminhos sinuosos para não atender aos interesses estratégicos dos EUA. Por um lado, o governo chinês mostra-se assertivo, buscando reafirmar a Lei sobre o Mar Territorial e Zonas Contíguas de 1992 da RPC que deixa claro a soberania indisputável sobre as ilhas e territórios reivindicados no Mar do Sul. O problema é que Taiwan segue as mesmas reivindicações de Beijing; o Vietnã é um dos contestadores, pois argumenta que possui presença ativa nas ilhas Paracels e as Spratly desde o século 17; a Malásia e Brunei reivindicam territórios no Mar do Sul baseando-se na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar; e as Filipinas não só reivindicam ilhas nas Spratly e o Scarborough Shoal (conhecida como Huangyan Island pela China), como buscou unilateralmente uma decisão final no Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia. 

 

Grandes poderes trazem grandes responsabilidades

No dia 12 de junho de 2016, o Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia proferiu uma decisão favorável às Filipinas. Antes mesmo de a decisão oficial ser publicada, o jornal Global Times já havia escrito um editorial avisando que a reação da China iria depender da provocação das demais partes envolvidas, defendendo que: “O povo e o governo chinês compartilham dos mesmos interesses e responsabilidades. Nós devemos não apenas salvaguardar a soberania territorial, como também realizar esforços máximos para manter a paz na periferia da China, prolongando as oportunidades estratégicas para a ascensão da China.” Após o veredicto, o Ministério das Relações Exteriores da China emitiu um comunicado esclarecendo que o governo chinês não reconhece e não aceita o resultado. 

Ao que parece, a China já esperava uma resposta negativa, pois no dia 5 de junho de 2016, no Diálogo China-EUA sobre o Mar do Sul da China entre think-tanks chineses e estadunidenses, em Washington D.C, o diplomata chinês veterano Dai Bingguo afirmou que “adjudicação definitiva da arbitragem, que sairá nos próximos dias, equivale a nada mais do que um pedaço de papel”.

Os Estados Unidos em conjunto com seus aliados já se engajaram em criticar a China por já adiantar que não respeitará a decisão da corte. A hipocrisia estadunidense, no entanto, nos chama a atenção para uma questão importante por detrás de todo o imbróglio: Irá a China se comportar como as demais grandes potências? Historicamente, nenhum membro permanente do Conselho de Segurança da ONU respeitou qualquer decisão do tribunal em quesitos envolvendo decisões que julguem infringir suas soberanias e interesses nacionais. 

 

Considerações finais

Em âmbito regional, estas aparentes ilhotas geram tamanha controvérsia em razão de questões importantes: I) reservas de 11 bilhões de barris de óleo e 190 trilhões de metros cúbicos de gás natural; II) rota marítima de extrema importância por onde passam cerca de U,3 trilhões de dólares do total anual de comércio do mundo; e III) alto potencial de exploração dos demais recursos naturais do mar. 

Mas a questão de fundo é outra. Esse conflito é, antes de tudo, a antessala da escala de disputas entre China e EUA. Do lado dos EUA, mais uma tentativa de conter a potência emergente, tal como fizera com a URSS durante a Guerra Fria. Dividir, isolar a conter a China é essencial para tal, como atestam o apoio a movimentos separatistas e/ou à ênfase na construção da “ameaça chinesa”. Para a China, a forma de evitar a crescente presença dos EUA em seu entorno regional é o alargamento da sua área de segurança marítima. 


Expediente

Coordenador do curso: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme

Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha 

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