Edição 207 | 04 Dezembro 2006

Um pensamento e uma presença provocativos

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IHU Online

Segundo a filósofa francesa Michelle-Irène Brudny, tanto o pensamento quanto a presença de Hannah Arendt são provocativos: “Hannah Arendt é por vezes deliberadamente provocante, obrigando os outros à reflexão, sobre perspectivas inesperadas”. E continua: “Segundo Irving Howe, para citar apenas um exemplo, quando Hannah Arendt estava em um recinto, sua ascendência sentia-se por todas as pessoas presentes”. As afirmações, feitas por e-mail respondendo ao convite de entrevista da IHU On-Line, podem ser conferida na íntegra abaixo, com outras constatações que fez sobre a importância do pensamento de Hannah Arendt.

A discussão faz parte do debate lançado pela IHU On-Line 206, de 27-11-2006, cuja matéria de capa foi dedicada à filósofa alemã. Para conferir a edição, basta acessar o site do IHU, www.unisinos.br/ihu.
Brudny é autora de Karl Popper: un philosophe heureux. Paris: Grasset, 2002 e Hannah Arendt ou la seduction. Essai de biographie intellectuelle. Paris: Grasset, 2006. Leciona na Universidade de Rouen, França, e é uma das divulgadoras do pensamento arendtiano na França.

IHU On-Line - Por que razão poucas vezes outro pensador teria desencadeado tantas paixões e sedução quanto Hannah Arendt? Seu pensamento é uma provocação?

Michelle-Irène Brudny
- Eu não sei se poucos entre outros pensadores suscitaram tanta paixão, mas Hannah Arendt é uma pensadora freqüentemente polêmica, tanto mais por ter guardado um certo distanciamento em relação à filosofia tradicional, como ela disse em várias ocasiões e notadamente na entrevista com Gunter Gaus em 1964, na televisão alemã. Hannah Arendt é por vezes deliberadamente provocante, obrigando os outros à reflexão sobre perspectivas inesperadas. O exemplo mais conhecido de expressão de paixões no plural seria a controvérsia em torno de Eichmann em Jerusalém, tanto da parte de seus críticos quanto dela própria. Um certo número de questões éticas está igualmente em jogo de per si, e Léon Poliakov, o autor do célebre Breviário do Ódio, desde 1951, perguntou-se mais tarde se era possível debater de maneira inteiramente racional tais questões. Muitos escritores e críticos literários descreveram essa sedução, à qual gerações sucessivas parecem receptivas. Segundo Irving Howe, para citar apenas um exemplo, quando Hannah Arendt estava em um recinto, sua ascendência sentia-se por todas as pessoas presentes.

IHU On-Line - Em que sentido não é possível dissociar a obra dessa filósofa de sua biografia? Ainda tomando em consideração a trajetória de vida de Arendt, como a influência de seus mestres filosóficos se revela e é superada na filosofia que desenvolveu?
O que a pesquisa que a senhora desenvolveu nos documentos inéditos de Arendt revelou sobre esse aspecto? E por fim, há mudanças na filosofia de Arendt em função de seu período americano? Quais seriam essas mudanças?

Michelle-Irène Brudny
- A vida de Arendt é como uma “encruzilhada” muito exposta. Sua juventude na Alemanha da República de Weimar, posteriormente em Paris, seu refúgio provisório na Paris dos exilados do nazismo, finalmente Nova Iorque e os Estados Unidos durante a guerra e na efervescência do pós-guerra. Sua primeira obra, após sua tese sobre o Conceito do amor em Santo Agostinho, é precisamente uma biografia, aquela de Rahel Varnhagen que mantinha um célebre salão em Berlim. Em seguida, aparece um longo manuscrito intitulado Antisemitismus, cuja publicação está brevemente prevista no tomo IV das obras póstumas, das quais Jerome Kohn é o incansável editor científico, com o título The Jewish Writings. Entre a maior parte redigida antes de 1933 de Rahel e Antisemitismus (1938-40), Hannah Arendt “milita” para salvar crianças judias. Esta dimensão militante perdurará, como salienta, de uma outra forma, Miguel Abensour.

Arendt explica que ela não antecipou o genocídio dos Judeus, cuja antecipação teria sido, inclusive, impossível visto que faltaria poder concebê-lo, mas que desde os anos de 1929-1930 todo seu mundo havia mudado, e ela compreendera quem era Hitler e o que ele fazia.

Seu período americano, que começa com a militância e o engajamento, também me ressurge na continuação do exílio em Paris. Uma das pistas para novas reflexões seria, em última instância, a distinção entre o político e o social que constitui, inclusive, um dos elementos essenciais de Reflections on Little Rock.

IHU On-Line - Qual é a maior contribuição dessa filósofa para inspirar a luta contra os perigos que rondam a democracia no século XXI? E sobre os totalitarismos que ainda existem nas sociedades, como a filosofia de Arendt pode auxiliar-nos a entendê-los e, sobretudo, a propor novas soluções políticas?

Michelle-Irène Brudny
- O fato que o terrorismo, dito da Al-Qaeda, constitua o terceiro grande totalitarismo, é um problema e não uma afirmação, eis uma das mais importantes questões dos dias de hoje. A inspiração é simplesmente permanecer alerta, pensar o acontecimento, perceber o que é inédito e não remetê-lo ao que já é conhecido, como ela explica em seu artigo Compréhension et politique, de 1953, a propósito do totalitarismo. Esta vigília ou vigilância da reflexão não é tarefa fácil, visto que, como bem o sabemos, a história não se repete.

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