Edição 486 | 30 Mai 2016

Roupa hi-tech, por uma produção ecológica

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Leslie Chaves | Edição João Vitor Santos

Renato Cunha analisa o impacto da tecnologia no mundo da moda. Para ele, investimento nessa área é a saída para modos de produção socialmente e ambientalmente engajados

A moda é diretamente associada à ideia de consumo, já que é este que faz a engrenagem da indústria capitalista do vestuário girar. Mas é possível conceber uma indústria da moda que preserve os recursos naturais e prime por condições apropriadas de trabalho numa perspectiva ecológica? Para o artista plástico Renato Cunha é possível, e não necessariamente passa somente por formas de produção alternativas ou mais artesanais. “Essa busca por uma moda mais sustentável só é possível através do investimento em novas tecnologias na cadeia produtiva para assim podermos migrar do sistema da economia linear para a economia circular”, aponta.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Cunha lembra que desde a Revolução Industrial a produção de roupas vem mudando em decorrência da tecnologia. “Ao introduzir os teares mecânicos na fabricação de tecidos”, as roupas passaram a ser produzidas e consumidas em larga escala. Agora, acredita ele, é urgente a necessidade de pensar um sistema produtivo de larga escala que preserve recursos naturais e prime por boas condições de trabalho para operários da indústria da moda. 

“As fábricas do futuro terão máquinas inteligentes para fabricar coleções inteiras de forma sustentável, sem produzir resíduos, com pouca mão de obra humana. Com o passar dos anos, essas fábricas vão se tornar comuns, ajudando a diminuir ou eliminando o problema do trabalho escravo na indústria da moda”, projeta, ao lembrar que, em parte, essa tecnologia já está em prática, como na indústria de jeans. “O algodão orgânico está sendo visto como uma alternativa, mas estão sendo utilizadas também novas fibras como garrafas pet recicladas e tecidos feitos de milho, urtiga, cana-de-açúcar e algodão reciclado”.

Renato Cunha é graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES e tem MBA em Gestão estratégica em Moda pela Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP. Conta que logo depois que começou a trabalhar como designer de interiores resolveu ser estilista. Acabou indo parar no mundo da moda em São Paulo, prestando assessoria de estilo para diversas marcas por 14 anos. É criador do Stylo Urbano (stylourbano.com.br), blog dedicado aos amantes da moda, design, tecnologia e sustentabilidade.

 

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Quais as principais mudanças que a tecnologia tem trazido para o mundo da moda? Você poderia falar sobre alguns casos? 

Renato Cunha - As novas tecnologias sempre tiveram um papel importante no desenvolvimento da indústria da moda, como foi o caso da Revolução Industrial no final do século XVIII, na Inglaterra, ao introduzir os teares mecânicos na fabricação de tecidos. Os teares mecânicos criaram uma enorme diminuição dos custos de fabricação de tecidos, o que ajudou na massificação em escala global. Durante milênios a humanidade fabricou tecidos de forma artesanal utilizando rocas e teares manuais e isso os tornava caros para a grande maioria das pessoas. Só os ricos podiam se dar ao luxo de encomendar novas roupas com mais frequência. Durante séculos a imensa maioria das pessoas usava suas roupas até apodrecerem, mas com a mecanização das tecelagens isso mudou radicalmente.

Hoje em dia os tecidos estão tão baratos e disponíveis em larga escala, devido à introdução de máquinas de tecelagem computadorizada, que as nossas roupas se tornaram algo totalmente descartável. Quem se beneficiou dessa eficiência de produção foram as grandes redes varejistas de fast fashion , que começaram a surgir no final da década de 70 com a abertura da economia chinesa ao mundo.

Desgaste ambiental e social

A China se tornou a “fábrica do mundo” e hoje grande parte das roupas que estão à venda nas grandes redes de moda foram produzidas lá. Mas toda essa eficiência e rapidez de produção criada pelo fast fashion causou inúmeros problemas socioambientais. Hoje a indústria da moda é a segunda indústria mais poluente do mundo, atrás apenas da indústria do petróleo; a segunda em consumo e desperdício de água, só ficando atrás da indústria de alimentos; e a número 1 em obsolescência programada, superando até a indústria eletrônica.

Com o desastre ocorrido em 2013 na fábrica Rana Plaza em Bangladesh  — que desabou, ferindo e mantando milhares de pessoas que trabalhavam costurando para grandes redes de fast fashion —, surgiu uma necessidade urgente de acabar com os problemas socioambientais causados pela indústria, e as novas tecnologias de produção poderiam ajudar a tornar a fabricação de moda mais ética e sustentável. Novas tecnologias estão sendo implementadas, como a impressão 3D, a tecelagem 3D e o desenvolvimento de novos tecidos feitos de fibras orgânicas e materiais reciclados.  Tanto as grandes marcas de fast fashion como as marcas de luxo estão investindo em novas tecnologias e formas de produção que sejam mais sustentáveis e eficientes. 

Saídas sustentáveis

Tecidos inovadores feitos de refugos de alimentos e produtos industrializados descartados estão cada vez mais sendo introduzidos pelas redes de moda. Novas tecnologias de reciclagem química que separam as fibras naturais das sintéticas nas toneladas de roupas velhas que são descartadas todos os anos estão sendo testadas. Refugos de materiais orgânicos como leite azedo, borra de café, resíduos de soja e cana-de-açúcar, entre outros, estão se tornando uma nova linha de tecidos sustentáveis. Essa busca por uma moda mais sustentável só é possível através do investimento em novas tecnologias na cadeia produtiva para assim podermos migrar do sistema da economia linear para a economia circular. 


IHU On-Line - Em que etapas da produção a tecnologia tem sido mais significativa para a cadeia da moda?

Renato Cunha - A tecnologia está presente desde a colheita da matéria-prima até a confecção do produto. Ela é utilizada de várias formas na produção de moda, mas tomo como exemplo o tecido denim . Para se fabricar uma calça jeans são utilizados 11 mil litros de água em todo seu processo de produção, que vai desde a colheita do algodão, tingimento do denim e o seu processo na lavanderia para fazer o jeans. Imagine isso multiplicado pela quantidade de calças e peças jeans vendidas anualmente?  É um gasto imenso.

O algodão comum é a matéria-prima básica na confecção de denim, mas é totalmente insustentável, pois sua produção utiliza uma quantidade absurda de água, pesticidas e fertilizantes químicos. O algodão orgânico está sendo visto como uma alternativa ao algodão comum, mas estão sendo utilizadas também novas fibras, como garrafas pet recicladas e tecidos feitos de milho, urtiga, cana-de-açúcar e algodão reciclado, que utilizam muito menos recursos que o algodão comum.

O problema do desperdício de água e produtos químicos no processo de tingimento e lavandaria está sendo solucionado com uma série de novas tecnologias sustentáveis que utilizam  90% menos água além da reciclagem dos produtos químicos utilizados para que não sejam despejados nos rios. As novas tecnologias através de máquinas de ozônio, máquinas a laser e máquina de acabamento com microbolhas praticamente eliminam o consumo de água e de produtos químicos para beneficiamento do jeans. 

Tecnologia, mais produção e preservação

Isso gera uma enorme economia e rapidez no processo de fabricação de peças jeans, e os efeitos positivos do uso dessas novas tecnologias com relação ao meio ambiente e também com relação a melhores condições de trabalho são enormes, o que valoriza muito o produto perante os consumidores das marcas. Da mesma forma que ocorre com o denim está ocorrendo também com outros tecidos para se criar uma indústria da moda mais sustentável.


IHU On-Line – Especificamente sobre a questão da sustentabilidade, gostaria que detalhasse que tecnologias estão sendo desenvolvidas para evitar o desperdício e a geração de resíduos da produção.

Renato Cunha - As tecnologias de fabricação na moda estão evoluindo bastante, tanto para evitar o desperdício de água, energia, matéria prima e produtos químicos, como para tentar reciclar as toneladas de roupas velhas que são descartadas todos os anos, além da reutilização de resíduos industriais e orgânicos que são jogados fora. A reciclagem mecânica é usada atualmente para triturar tecidos velhos e utilizar suas fibras na fabricação de novos fios, mas essa tecnologia não é eficiente, pois no processo de trituração do tecido sua fibra se quebra e fica mais curta, assim é preciso uni-la a uma fibra virgem para se tecer um novo tecido. Somente de 20% a 30% de um tecido velho pode ser reaproveitado numa roupa nova, assim não é uma técnica eficiente.

Para isso estão sendo desenvolvidas novas tecnologias de reciclagem química, em que resíduos das roupas de algodão são purificados e dissolvidos com solvente para depois convertê-los em polpa de celulose que, através de um processo de extrusão, cria uma nova fibra de alta qualidade feita 100% de tecido velho. Essa nova fibra reciclada é mais fina do que a seda e mais forte do que o algodão. Algumas startups de tecnologia que estão trabalhando nisso são a Evrnu, Re:newcell, Worn Again  e os pesquisadores da Aalto University da Finlândia, que criaram uma nova tecnologia com líquido iônico chamada Ioncell-F.

O Ioncell-F utiliza um processo químico sustentável de criar tecido com polpa de madeira (da mesma forma que o Liocel), mas ele pode misturar essa polpa de madeira com papel velho, tecidos velhos e resíduos de frutas e plantas para se criar um novo tecido sustentável, biodegradável e superior em qualidade em relação ao algodão comum. O Ioncell-F ganhou o primeiro lugar no prêmio de economia circular Global Change Award 2015 patrocinado pela rede de fast fashion H&M. Outros cinco ganhadores com inovadoras tecnologias sustentáveis para moda também foram selecionados .

Couro de laboratório

Outra tecnologia revolucionária que promete mudar a indústria é o couro, como o de animais, mas feito inteiramente em laboratório através da tecnologia de biofabricação. Os pesquisadores da empresa americana Modern Meadow acreditam que em alguns anos poderemos obter todo tipo de couro através da biofabricação, assim a indústria da moda pode eliminar a matança de animais para obter suas preciosas peles. As peles feitas em laboratório serão produzidas em metros como tecidos, eliminando o enorme desperdício que existe na curtição de couro para fazer roupas e acessórios por causa da irregularidade das peles dos animais .

Impressão 3D

A impressão 3D é uma das tecnologias que aos poucos está criando uma nova forma de fabricar tecidos, como é o caso do processo Cosyflex criado pela empresa Tamicare, que desenvolveu uma pistola de pulverização que imprime um tecido feito de látex e algodão sobre um molde com a forma da peça de roupa. A empresa produz calcinhas descartáveis para hospitais, mas pretende, com o tempo, aprimorar sua tecnologia para fabricar todo tipo de roupas com tecidos totalmente feitos de fibras naturais, artificiais ou sintéticas. Essa tecnologia é totalmente sustentável, pois não causa desperdício de energia, material e água, além de poder fabricar localmente sem os custos de transporte e de forma automatizada.

Wholegarment

Outra tecnologia revolucionária chamada wholegarment foi desenvolvida pela empresa japonesa Shima Seiki para facilitar a produção em massa de roupas e acessórios. A peça sai completamente pronta e sem costura da máquina de tricô 3D sem sobras de tecido. Isso gera uma economia enorme para os estilistas e confeccionistas. Por enquanto, essa tecnologia só é capaz de produzir artigos de malharia retilínea, mas no dia em que pudermos criar máquinas que imprimam roupas completas e sem costura em todo tipo de tecido, aí sim poderemos criar uma nova indústria da moda totalmente sustentável.


IHU On-Line – O que você pode destacar em termos de tecnologia de ponta no mundo da moda que já é possível se encontrar no mercado?

Renato Cunha - As principais difusoras de novas tecnologias na moda são as tecelagens que fabricam os tecidos e as lavanderias que fazem seu beneficiamento. As marcas de moda compram esses tecidos e fabricam as roupas que compramos nas lojas físicas ou virtuais. Já existem no mercado roupas feitas com tecnologia antibacteriana que repelem mau cheiro, roupas hidrofóbicas que repelem a sujeira e líquidos para que não precisem ser lavadas com frequência, roupas de tecido sintético que enxugam super-rápido quando molhadas, roupas esportivas e de fitness feitas com tecidos inteligentes que se conectam a um aplicativo no smartphone que faz o monitoramento de seus exercícios físicos e sua saúde, roupas feitas de tecido de fibra óptica que brilham e mudam de cor no escuro, roupas climáticas que ajudam a esquentar ou resfriar o corpo do usuário e roupas feitas com telas flexíveis de LEDs que mostram estampas luminosas que podem ser baixadas e trocadas pelo smartphone.

Outras tecnologias de moda que ainda não foram lançadas são as roupas cujos tecidos se autorregeneram fechando buracos,  roupas que podem mudar de cor e baixar estampas direto no tecido, roupas cujos tecidos são usinas de energia que absorvem tanto a luz solar como a energia do corpo para carregar dispositivos eletrônicos. 


IHU On-Line - O que é tecnologia vestível?

Renato Cunha - A tecnologia vestível não é uma ideia nova; já existe há muito tempo. Todo tipo de objeto que levamos próximos ao nosso corpo e tenha uma funcionalidade prática, como um óculos e um relógio de pulso, é tecnologia vestível. Entretanto, com a miniaturização eletrônica estamos vendo uma nova indústria surgir com os wearables , que são tidos como o futuro da indústria eletrônica. Mas, ao mesmo tempo, essa indústria acredita que o futuro dos wearables são as roupas inteligentes. Esse é o poder que a moda tem, pois que outro tipo de produto é tão próximo das pessoas? Usamos roupas quase 24 horas por dia, e não existe no mercado nenhum produto fabricado por outras indústrias que tenha essa característica, por isso a moda é tão influente.

Tecnologia para o esporte

Com a miniaturização eletrônica estão surgindo novos materiais flexíveis e elásticos para serem usados em roupas e acessórias, criando-se assim um novo mercado de roupas inteligentes. O primeiro setor da moda a aderir a essa tecnologia vestível foi a moda esportiva e fitness. Várias novas startups de moda nessa área estão lançando novos produtos, como roupas, acessórios e sapatos inteligentes, que monitoram os exercícios físicos e a saúde do usuário através de sensores embutidos no tecido, que repassa as informações para o aplicativo no smartphone, dando ao usuário todos os dados gráficos de que ele necessita.

Tecnologia casual

Na moda casual, a tecnologia vestível ainda está engatinhando. Isso porque, diferente da moda fitness e esportiva, que utiliza essa tecnologia para monitorar os exercícios e a saúde, na moda casual e de luxo a tecnologia vestível terá que ter funções totalmente diferentes, mais voltadas à estética se quiser ganhar o interesse dos estilistas e empresários. Neste mercado estão surgindo vários tipos de relógios, joias e bolsas inteligentes, mas o mercado que será mais lucrativo com certeza serão as roupas, pois nem todo mundo vai querer investir num acessório inteligente. A tecnologia vestível para a moda casual e de luxo promete tecidos que poderão mudar de cor, estampa e textura através de um aplicativo no celular. 

Essas roupas poderão fazer isso através de minúsculas baterias feitas de materiais orgânicos camufladas no tecido que captam energia solar, energia cinética e calor da pele para produzir a energia para alimentar os dispositivos na roupa. Quando a moda chegar a esse nível, a forma como interagimos com nossas roupas vai mudar completamente, pois elas se tornarão eletrônicos. 


IHU On-Line – A Inteligência Artificial  tem sido usada na moda? De que maneira?

Renato Cunha - Por enquanto o único caso foi a parceria entre a IBM Watson e a grife de alta costura americana Marchesa, que criaram um vestido cognitivo para o evento beneficente Met Gala 2016, cujo tema era “Artesanal x Máquina: Moda na idade da tecnologia”. A modelo Karolina Kurkova brilhou no tapete vermelho com seu vestido cognitivo impulsionado por dados, feito com luzes LED que piscam e mudam de cor dentro das flores de tecido, de acordo com as respostas dos fãs no twiter da modelo. O vestido podia responder a cinco principais emoções: alegria, paixão, emoção, empolgação e curiosidade. 

O vestido foi criado para mostrar como artistas e designers podem se unir à tecnologia para criar novidades criativas. Para ajudar na criação do vestido, Watson aprendeu sobre as paletas de cores da Marchesa e extraiu centenas de imagens de vestidos criados pela marca feminina. O restante do processo envolvia escolher as cores e quais tecidos ficariam melhor para dar o efeito desejado. Com base em alguma característica, como luminosidade, flexibilidade e peso, um tipo específico de tecido foi selecionado. Acredito que a inteligência artificial ainda vai causar um enorme impacto na indústria da moda, auxiliando tanto no processo de produção como na criação de coleções. 


IHU On-Line – Em um de seus artigos, o senhor afirma que “a fusão da eletrônica com a moda vai mudar completamente a maneira como nos vestimos” . Como se dará essa fusão? Quais são as principais mudanças que ela trará ao ato de vestir-se? 

Renato Cunha - Acredito que a internet das coisas , inteligência artificial, máquinas de impressão 3D e de tricô 3D, juntamente com as novas tecnologias de tecidos inteligentes, vai mudar a forma como nos relacionamos com as roupas como nunca visto antes. Roupas inteligentes serão a maior evolução da moda, pois estaremos vestindo computadores e não um pedaço de tecido qualquer. Imagine usar roupas climáticas que ajustam a temperatura do corpo para que você nunca sinta calor ou frio, roupas que se autoconsertam se forem danificadas, roupas que mudam de cor e estampa fazendo com que você tenha centenas de variações numa única roupa, roupas multiuso com modelagem inteligente que se transformam em outros modelos, enfim as possibilidades da tecnologia vestível são enormes. No futuro, nossas roupas terão mais funções do que apenas vestir.


IHU On-Line – A inserção da tecnologia no mundo da moda pode trazer mudanças para a relação dos trabalhadores com as peças que produzem?

Renato Cunha - Sim, mas isso não está acontecendo somente na indústria da moda, mas em outras áreas também. Da mesma forma que a Revolução Industrial do século XIX dinamizou e acelerou a produção em massa de tecidos utilizando muito menos mão de obra humana, as novas tecnologias de produção têxtil irão fazer ainda mais. Robôs de inteligência artificial controlarão máquinas de impressão 3D e máquinas de tricô 3D para fabricar tecidos, roupas e acessórios quase sem a ajuda humana.

As fábricas do futuro terão máquinas inteligentes para fabricar coleções inteiras de forma sustentável, sem produzir resíduos com pouca mão de obra humana. Com o passar dos anos, essas fábricas vão se tornar comuns, ajudando a diminuir ou eliminando o problema do trabalho escravo na indústria da moda. Ao mesmo tempo essas fábricas automatizadas vão produzir localmente, eliminando a necessidade de fabricar em países como a China e demais países asiáticos. 

A China perderá seu status de “fábrica do mundo”, pois qualquer país ou cidade poderá ter uma fábrica inteligente para produzir tudo localmente. Mas essas tecnologias não vão acabar com a forma de fabricação artesanal de tecidos ou acessórios, pois sempre existirão clientes dispostos a comprar produtos feitos à mão. Como acontece com toda evolução tecnológica, os trabalhadores que antes confeccionavam roupas serão deslocados para novas funções que serão criadas pela indústria. 


IHU On-Line – Como está o mundo da moda no Brasil em relação ao processo de inserção da tecnologia?

Renato Cunha - As tecelagens de denim e as lavanderias de jeans são as que mais investem em novas tecnologias de produção. Algumas tecelagens de denim criaram tecidos que repelem mosquitos, tecidos antibacterianos que evitam mau cheiro, tecidos que têm alta elasticidade e superconfortáveis de usar, tecidos feitos com novas tecnologias de tingimento com pouquíssima água e sem produtos químicos perigosos, tecidos que não precisam de acabamento de lavanderia. E as lavanderias, por outro lado, investem em novos processos de acabamento mais sustentáveis, com máquinas que ajudam a eliminar o uso de água e produtos químicos na fabricação de jeans. Já nas tecelagens de malharia e tecido plano vejo pouca mudança, pois continuam em sua imensa maioria trabalhando com as duas fibras mais insustentáveis da indústria da moda, o algodão e poliéster comum.

Falta investimento em tecidos alternativos a essas duas fibras, pois o futuro da moda é a sustentabilidade. Tirando a EcoSimple, que investe no trabalho de reciclagem e sustentabilidade na fabricação de seus tecidos para moda e decoração, não conheço outra tecelagem que faça o mesmo trabalho. Sobre tecnologia vestível e tecidos inteligentes, não conheço nenhuma tecelagem ou marca de moda que explore esse nicho de mercado, nem mesmo na moda esportiva e fitness, o que é um completo absurdo.

Sem ousadia na indústria nacional

Eu acredito que falta ousadia para a maioria das tecelagens nacionais, que só querem fazer o arroz com feijão. Por exemplo, elaborei o projeto de um concurso onde jovens estudantes de moda criariam looks futuristas feitos com tecidos e detalhes decorativos em impressão 3D.  Uma multinacional de impressão 3D americana com escritório em São Paulo se interessou em patrocinar as impressões e procurei algumas tecelagens nacionais para patrocinar o projeto, mas nenhuma mostrou interesse. Esse seria o primeiro evento de moda no Brasil a unir moda de vanguarda e a tecnologia de impressão 3D. Entretanto, acredito que as tecelagens devem ter achado a iniciativa irrelevante, pois o que é relevante para elas é o feijão com arroz. Diante de um cenário desse, o que posso esperar da moda nacional?


IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Renato Cunha - Existe uma polarização na indústria da moda entre o fast fashion e o slow fashion . Acredito que o equilíbrio entre esses dois sistemas antagônicos seria o “caminho do meio”, como ensinou Sidarta Gautama , o Buda. Nomeie esse equilíbrio de “hybrid fashion” ou moda híbrida. A moda híbrida seria uma nova forma de agir e ser criativo em uma escala de pensamento maior do que a indústria da moda atual.  Ao combinar as melhores características que existem entre dois sistemas antagônicos, podemos assim criar novas características que nunca foram aplicadas antes.

A moda híbrida não substituiria os outros dois sistemas de produção, mas, sim, seria uma terceira alternativa para se criar uma moda sustentável, ética e produtiva, utilizando-se da alta tecnologia para criar novos tecidos e métodos de produção. Soluções inovadoras são necessárias para resolver ou melhorar as questões ambientais de maior importância, como trabalho escravo, desperdício de água, uso de energia e produtos químicos tóxicos .■

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