Edição 486 | 30 Mai 2016

Eu sou Bicha!

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Ricardo Machado

Marlon Parente, publicitário de 23 anos, gravou um documentário chamado Bichas e em menos de cinco meses soma quase meio milhão de visualizações no YouTube
Imagem de divulgação do filme

Bicha. O pequeno substantivo comum de cinco letras traz consigo a força de uma luta pela vida. Foi para afirmar a própria identidade e defender o direito civil de ser quem se é, que Marlon Parente, diretor do filme, arrumou emprestado uma câmera e um tripé, gastou R$ 10 reais na compra de um microfone de lapela e gravou Bichas, o documentário. “Após uma agressão que eu sofri na rua. Um homem armado ameaçou nos matar porque nos viu de mãos dadas”, relata Marlon, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. “Isso mexeu comigo e o vídeo é uma resposta direta: não podemos ficar calados”, defende.

O vídeo foi postado no YouTube em fevereiro deste ano. Em poucas semanas havia milhares de acessos. Em cerca de cinco meses o Bichas já conta com mais de 474 mil visualizações. “Recebemos histórias todos os dias de pessoas que se sentem representadas por um ou por outro personagem do filme e isso é muito lindo. Não estamos sozinhos”, afirma.

Marlon Parente tem 23 anos, é formado em Publicidade, mora e trabalha em Recife, Pernambuco. Atualmente trabalha como diretor de arte em uma agência de publicidade. O Bichas é sua primeira produção audiovisual. Para assistir o documentário acesse http://bit.ly/1TMWOEP. 

 

Confira a entrevista.


IHU On-Line – De onde veio a ideia de fazer “Bichas, o documentário”?

Marlon Parente - Após uma agressão que eu sofri na rua. Um homem armado ameaçou nos matar porque nos viu de mãos dadas e o mesmo gritava “vou atirar em vocês porque vocês são bichas”. Isso mexeu comigo e o vídeo é uma resposta direta: não podemos ficar calados. 


IHU On-Line – Como foi feito o documentário? Qual equipamento utilizado e quanto custou a produção?

Marlon Parente - Uma câmera, um tripé e um microfone lapela. Tudo foi emprestado e o microfone eu comprei por R$ 10 reais. [risos]


IHU On-Line – Você conhecia os entrevistados? Como foi e por que a escolha das pessoas que integram o filme?

Marlon Parente - Sim. Todos eram amigos. Eles foram escolhidos porque são pessoas muito bem resolvidas e que, assim como eu, já passaram do estágio de deixar se ofender ao ouvir a palavra “Bicha”.


IHU On-Line – Em menos de cinco meses o documentário soma quase meio milhão de acessos. Para além dos números, qual tem sido a repercussão do filme? 

Marlon Parente - As pessoas, de modo geral, sentiram-se tocadas pelo filme. Eles chegaram a nos contar que criaram coragem para assumir a homossexualidade para si próprios e para seus amigos e familiares. Recebemos histórias todos os dias de pessoas que se sentem representadas por um ou por outro personagem do filme e isso é muito lindo. Não estamos sozinhos. 


IHU On-Line – Logo após o lançamento e a expressiva recepção do documentário, você recebeu algumas ameaças. Que tipos de ameaças ocorreram? De onde vieram?

Marlon Parente - Eram apenas denúncias feitas de forma anônima, no Facebook. Não dava para saber exatamente quem, mas imagino ter vindo de uma galera homofóbica que não aguentava mais Bicha na timeline [risos]. A situação foi resolvida. O Facebook entrou em contato e tudo está bem. 


IHU On-Line – Qual a disputa simbólica que está em jogo na palavra “Bicha”?

Marlon Parente - Não há uma disputa. Não é um jogo. São vidas. A palavra Bicha vem sendo utilizada para nos diminuir e ofender. O que o filme propõe é uma ressignificação desta palavra para que, ao invés de ferir, ela seja símbolo de luta e de orgulho para todos os meninos homossexuais. 


IHU On-Line – Qual a importância de se discutir o tema da homossexualidade no Brasil? Como isso está relacionado à homofobia no país? 

Marlon Parente - A cada 27 horas uma pessoa LGBT morre no Brasil. Isso é um dado alarmante e absurdo! Estamos falando da causa da morte ser única e exclusivamente SER QUEM VOCÊ É. Quanto mais falarmos sobre o assunto, mais quebramos o estigma. 


IHU On-Line – Apesar dos limites e barreiras que determinada parcela da sociedade impõe à comunidade LGBT, como você avalia as conquistas políticas e sociais dessa população no Brasil?

Marlon Parente - O número de conquistas é absurdamente pequeno! Enquanto temos pessoas lutando pelo uso do seu nome social, outros brigam em seus governos para proibir que se fale sobre sexualidade nas escolas. O Brasil se encontra em um retrocesso gritante com o cenário político atual. A população LGBT possui um ou outro candidato que mete a cara e leva nossas questões, contra outras centenas de pessoas que insistem em dizer que a família é formada por pai, mãe e filhos. É triste.


IHU On-Line – Quais são os principais desafios à comunidade LGBT na busca à garantia de direitos civis?

Marlon Parente - Falta representatividade política. Como falei antes, não há quem seja por nós. Na verdade há sim, poucas e lindas pessoas, como o próprio Jean Wyllys,  mas estes ainda não conseguem força suficiente para garantir todos os direitos civis os quais necessitamos. Queremos respeito, porém nem isso a bancada evangélica nos permite. Está complicado.


IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Marlon Parente - As pessoas precisam falar das coisas que não compreendem ao invés de levantarem um discurso de ódio.  Bicha. Sapatão. Travesti. E muitas outras identidades estão sendo feridas por conta dessa mania feia. Preconceito é algo feio. Violência algo muito pior. E ambas matam. ■

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