Edição 485 | 16 Mai 2016

A Construção Política do Brasil. Uma síntese

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Leslie Chaves

O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira produziu uma vasta bibliografia ao longo de sua carreira, que continua em plena atividade com a elaboração de análises aprofundadas sobre o contexto político e econômico do país e a proposição de novas teorias para interpretação e busca de soluções para as adversidades da realidade brasileira.

O Instituto Humanitas Unisinos promoveu duas oportunidades de reflexão sobre o pensamento do estudioso a partir da discussão de sua obra A Construção Política do Brasil. Sociedade, Economia e Estado desde a Independência (São Paulo: Editora 34, 2014). 

Gilberto Antonio Faggion, professor dos Cursos de Economia e Administração da Unisinos, apresentou uma síntese do livro no Ciclo de Estudos. Modos de existência e a contemporaneidade em debate. Reflexões transdisciplinares à luz de diferentes obras .

A seguir Gilberto Antonio Faggion, em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line, aponta os aspectos mais relevantes acerca do contexto histórico, social e econômico do Brasil, segundo a obra de Bresser-Pereira.  

Gilberto Antonio Faggion é graduado em Comércio Exterior e Administração de Empresas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos e mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente, é professor da Unisinos e integrante da equipe do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line - De que modo se organiza a obra? Qual é o argumento central que sustenta o estudo?

Gilberto Antonio Faggion - A obra se organiza em 23 capítulos e ainda mais um capítulo de conclusão. É um livro bastante extenso se considerarmos que em cada um desses capítulos é tratado um período diferente, um espaço, com variadas características políticas, históricas, geográficas, sociológicas, antropológicas, econômicas e sociais. Desse modo, são abordados muitos elementos dentro de cada uma dessas partes, sempre com o apoio de dados acompanhados de análises que deixam a obra extremamente rica, pois há uma interpretação dos números.

Um dos aspectos que chamam atenção é que ao longo do livro duas questões são utilizadas como fios condutores de organização do estudo. A primeira é: Por que o Brasil realizou de forma tão tardia a sua revolução industrial? Nessa pergunta está um dos itens centrais da obra. Bresser-Pereira diz que todos os países que hoje podemos considerar desenvolvidos passaram por uma revolução capitalista, normalmente burguesa e nacional, quando, a partir da formação de um Estado-nação, entraram na revolução industrial. No Brasil a revolução industrial só vai ocorrer em 1930, praticamente 200 anos depois de já haver ocorrido em países como Inglaterra, França, Holanda e Bélgica. 

A segunda questão que perpassa a obra, se aproximando mais da atualidade é: Por que o Brasil nos últimos 35 anos tem apresentado índices de crescimento que deixam a desejar, ou seja, um baixo crescimento? Desde o Plano Real, de 1994, o país tem um crescimento muito aquém do esperado.

A partir dessas duas questões é desenvolvido o argumento central da obra que é: Ao se formar os Estados-nações, originados da transição do sistema econômico mercantilista para o sistema capitalista, as classes sociais começam a se reconhecer e ver a necessidade de formar pactos e são esses acordos que vão marcando os principais momentos históricos e econômicos de cada país.

É interessante que ao longo do livro, além de uma série de dados de instituições e organismos com credibilidade, o autor se fundamenta em intérpretes do Brasil. Ele se utiliza das elaborações de pensadores clássicos como Marx, Weber e Keynes, mas especificamente quando fala do Brasil ele se apoia em obras de estudiosos brasileiros como Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Ignácio Rangel, Gilberto Freyre, Raimundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, que são intérpretes do Brasil. Desse modo, o livro também é riquíssimo culturalmente, na medida em que dialoga com esses autores para entender os diferentes momentos do país. 

 

Os ciclos e pactos políticos

Um aspecto importante que chama atenção e que ao mesmo tempo faz parte da organização do livro em si, é que o autor elabora um quadro que nos ajuda a entender os 23 capítulos. Ele diz que em todos os momentos é necessário haver pactos políticos e sociais entre a nação, ou povo, e seus governantes. Sem esses acordos os projetos não acontecem. Bresser-Pereira vai deixar muito claro que o Brasil teve três grandes ciclos e dentro dos quais estão os pactos.

O primeiro ciclo é o “Estado e Integração Territorial”, que começa na Independência e se estende até 1930. É o período onde se forma a ideia de Estado, de extensão territorial, no qual o “Pacto é Oligárquico”. Ou seja, as oligarquias fazem um pacto com o governo para a manutenção dos latifúndios, da concentração de terras e de poder, do sistema escravocrata e de uma cultura patrimonialista, entre outros elementos.

O segundo ciclo é o “Nação e Desenvolvimento”, que Bresser-Pereira define como o mais importante, pois é quando ocorre a revolução capitalista brasileira. Nessa revolução há dois pactos: 

- “Pacto Nacional-Popular de 1930”: firmado entre Getúlio Vargas e o povo, que entram em acordo sobre a necessidade de o Brasil se industrializar, e um dos caminhos encontrados foi a substituição de importações. Esse pacto dura cerca de 15 ou 20 anos, representando uma verdadeira revolução industrial brasileira.

- “Pacto Autoritário-Modernizante de 1964”: mantém a ideia do desenvolvimentismo do pacto anterior, mas não incluí o povo, pois vai se dar mais com a elite. 

O terceiro ciclo é o “Democracia e Justiça Social”, que para o autor começa justamente a partir do movimento de 1977, com o fim do regime militar. A burguesia, a classe industrial e o povo começam a ver a necessidade de democracia e maior participação nas decisões políticas. Nesse período se dão três pactos: 

- O primeiro é o “Pacto Democrático-Popular de 1977 e das Diretas Já”.

- O segundo o “Pacto Liberal-Dependente”, que acontece a partir de 1991 quando o Brasil se abre para o exterior e com isso muitas indústrias nacionais acabam indo à falência porque não tinham o mesmo nível de competitividade internacional. Se passa a operar na lógica do neoliberalismo.

- O terceiro é o “Pacto Nacional-Popular de 2006 a 2014”. Vejam que esse acordo não abrange o primeiro governo Lula, o qual governou ainda dentro do “Pacto Liberal-Dependente”. É no segundo mandato de Lula e agora no início do governo da presidente Dilma Rousseff que começa o “Pacto Nacional-Popular”. Entretanto, para Bresser-Pereira esse pacto ainda não se consolidou, uma vez que é necessário que o povo e os dirigentes consigam chegar a um acordo para colocar os planos em prática, o que ainda não houve no país.


IHU On-Line - Como a obra pode auxiliar a interpretação do cenário político e econômico de hoje no país?

Gilberto Antonio Faggion - Essa obra nos ajuda a entender as estratégias político-econômicas que têm sido adotadas pelos governos ao longo da trajetória do Brasil. Isso o autor vai nos mostrando a partir de dados e análises consistentes no livro. Perceber as estratégias de crescimento escolhidas em cada período auxilia no entendimento das ações de hoje.

Acompanhando passo a passo a história do Brasil a partir das análises do autor é possível ver que o país atravessou diversas crises, muitas delas até mais graves do que os problemas que estamos passando agora. Alguns desses momentos de instabilidade econômica foram nacionais, outros tiveram influência de elementos externos. Assim, é possível perceber que as crises são cíclicas, o país passa por esses momentos, enfrenta os problemas e acaba encontrando novas soluções. O interessante, quando se observa o que vem ocorrendo em um período extenso como o da Independência até os dias atuais, é perceber que as situações não são estáveis e nem sempre ocorrem do modo como foram planejadas, pois o mundo é dinâmico e há muitas variáveis interferindo nesses processos. 


IHU On-Line - Qual ponto do trabalho você destacaria entre os mais interessantes?

Gilberto Antonio Faggion - Um aspecto importante a se destacar é que o Bresser-Pereira, como estudioso que é, propõe uma teoria. Por oferecer uma consistente proposta teórica o autor é um dos intérpretes do Brasil. A proposta dele é o Novo Desenvolvimentismo, que se afasta tanto do Desenvolvimentismo clássico da época de Vargas, com uma intervenção mais forte do Estado impulsionando o crescimento do país; quanto do Liberalismo Econômico, onde o mercado é a grande força reguladora. 

Bresser-Pereira propõe novas ideias. Dentro dessas suas originais elaborações, o estudioso enumera cinco questões macroeconômicas que devem ser administradas para promover o desenvolvimento no Brasil: 

- Taxa de lucro: deve ser interessante para o empresário investir;

- Taxa de Juros: deve ser baixa, não para financiar apenas os rentistas, mas para financiamento da própria economia com investimentos e aumento de produção;

- Taxa de Câmbio: deve ser competitiva para gerar inovação em nível mundial;

- Taxa de Salário: que não pode ser altíssima a ponto de matar a taxa de lucro, mas deve ser justa suficientemente para a pessoa se sentir adequadamente remunerada;

- Taxa de Inflação: não deve fugir ao controle para não gerar instabilidades.

Esses seriam os cinco pontos macroeconômicos fundamentais que devem ser gerenciados para que se coloque em prática o plano do Novo Desenvolvimentismo.■

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