FECHAR
Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).
Ricardo Machado | Fotos: Ricardo Machado/IHU
O que parece mais grave na atual conjuntura nacional não é somente a crise econômica e política, incluída aí a crise institucional, mas a crise social, que começa a ser sentida nas camadas mais vulneráveis da sociedade brasileira.
O Brasil enfrenta um cenário de 282 demissões por hora no país, o que nos conduz a um cenário não somente de aumento no desemprego, mas também de radicalização da desigualdade.
Embora as saídas para o atual momento crítico não estejam dadas de pronto, retomar os intérpretes do Brasil pode trazer inspirações na busca de alternativas para os momentos de crise. O evento Desenvolvimento econômico, heterogeneidade estrutural e distribuição de renda no Brasil no pensamento de Celso Furtado, realizado na noite da terça-feira, 12-04-2016, no Auditório Central da Unisinos, em São Leopoldo, se propôs a recuperar a trajetória teórica de um dos principais economistas brasileiros.
Além do público de alunos da Unisinos, a conferência reuniu um grupo de sindicalistas da região do Vale dos Sinos, que devem participar sistemicamente dos eventos de economia ao longo de 2016.
"Celso Furtado parte da teoria econômica para fazer 'história'. E por isso o pensamento dele é original. Ele não é um historiador econômico e nem um economista tradicional. Ele faz essa passagem, usando as categorias da teoria econômica, daí o enorme impacto que ele vai ter", sustenta André Furtado, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
Desigualdade social e Heterogeneidade Estrutural
De acordo com André, a desigualdade é, antes de qualquer coisa, uma manifestação dos processos de transformação humana. O que torna problemática a existência da desigualdade é sua permanência sistêmica. Já a heterogeneidade estrutural é um ponto central no subdesenvolvimento. "O subdesenvolvimento consiste quando as duas instâncias operam em uma situação de acumulação capitalista, pois pode-se ter acumulação e a heterogeneidade e desigualdade permanecerem", explica o conferencista.
Causas da desigualdade
A desigualdade, argumenta André, está relacionada a um desequilíbrio nos processos de desenvolvimento. "O que permite a uma minoria se apropriar do excedente produtivo gerado por uma sociedade é uma estrutura institucional e jurídica que garante privilégios a certas classes", pontua. "O sistema de propriedade se apoia nos recursos naturais que vão garantir à classe dominante se apropriar dessa renda", complementa.
Heterogeneidade Estrutural
O conceito de heterogeneidade estrutural é uma ideia que Celso Furtado resgata de seu colega cepalino Aníbal Pinto. "O conceito sustenta que nos países subdesenvolvidos as evoluções tecnológicas tendem a ficar restritas a determinados setores e não se propagam para toda a sociedade", acentua. Quando se relaciona esta realidade ao cenário nacional há uma potencialização desta característica. "A densidade do capital é muito elevada porque as tecnologias produzidas nos países desenvolvidos geram um problema de transferência de tecnologia que não é a adequada à nossa realidade socioeconômica, agravando ainda mais os problemas estruturais e de desigualdade", frisa.
Países Desenvolvidos X Países em desenvolvimento
Ao passo que nos países desenvolvidos o progresso técnico e tecnológico acabou se propagando para vários setores da sociedade, permitindo com que trabalhadores tivessem maior acesso às tecnologias existentes e, a partir delas, criassem novas tecnologias, nos países subdesenvolvidos isso não ocorreu. "Por que os países subdesenvolvidos não reproduziram a mesma trajetória produtiva dos países desenvolvidos? Simplesmente por que somos sociedades afetadas pelos países desenvolvidos. Não se pode compreender isso como atraso, mas, sim, como resultado da expansão das sociedades capitalistas desenvolvidas. Portanto nossa realidade é composta por estruturas híbridas entre uma estrutura capitalista e uma sociedade pré-capitalista", esclarece o professor.
Desafios
Ocorre que os processos de globalização do final do século XX agravaram os processos de acumulação capitalista. "Após os anos 1990 a concentração de renda e de tecnologia se acentuou, elevando a produtividade, mas diminuindo radicalmente o poder de negociação dos trabalhadores, o que enfraqueceu a classe trabalhadora", reitera André.
Frente a um cenário de difícil reversão, o conferencista retomou a necessidade de mudança estrutural que nossas sociedades enfrentam, mas apostando numa maior redistribuição do acesso e na expertise dos processos de inovação tecnológica. "Como mudar e melhorar o desenvolvimento social? Obviamente a estrutura institucional é um aspecto central. Se quisermos mudar, precisamos atacar as instituições que produzem desigualdade. Isso precisa de luta social. Celso Furtado sempre apoiou os trabalhadores na luta pela melhoria de renda, é isso que precisamos mirar", argumenta.
André Tosi Furtado
Concluiu o doutorado em Ciências Econômicas - Université de Paris I. Atualmente é Professor Titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. André é filho de Celso Furtado.
Celso Furtado - Uma breve história
Celso Furtado escreveu 40 livros, sempre mantendo uma ideia coerente ao longo de sua obra. "Ele sempre perseguiu uma mesma ideia e foi se aprofundando no tema", ressalta André. Dentre as muitas coisas que Celso Furtado fez na vida, está o fato de ter sido parte da Força Expedicionária Brasileira – FEB, em 1945, na Itália, quando conheceu, pela primeira vez, o continente europeu. Antes de enveredar para economia estudou direito no Brasil e doutorou-se em economia na França, já em 1948. No ano seguinte passou a fazer parte da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL, o que lhe deu projeção internacional.
No ano de 1959 publicou uma de suas mais conhecidas obras, Formação Econômica do Brasil (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2003). Em 1960 propõe a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene; logo em seguida, em 1961, publica Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Como Ministro do Planejamento de João Goulart, em 1962, elabora o plano trienal e em 1964 é cassado, após o Golpe Civil-Militar. Vai para a França e fica lá até 1979, com a reabertura política e exerce o cargo de Ministro da Cultura, entre 1986 e 1988, afastando-se, definitivamente, de política institucional. Em 1997, ingressa na Academia Brasileira de Letras – ABL e, em 2004, falece vítima de enfarte.
A reportagem foi publicada nas Notícias do Dia, de 14-04-2016, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.