Edição 482 | 04 Abril 2016

Da consciência de liberdade ao progresso, trilhas hegelianas

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Márcia Junges | Edição Ricardo Machado

Manuel Moreira da Silva analisa as relações entre lógica e metafísica em Hegel

Longe de uma perspectiva binária, que percebe lógica e metafísica em separado, Hegel aborda a temática em perspectiva. “A Lógica especulativa ou a verdadeira metafísica não é, para Hegel, uma lógica e uma metafísica; ela é, a um tempo, lógica e metafísica. Sua principal característica radica no estabelecimento de um novo método científico, o método especulativo, entendido como ‘a consciência sobre a forma do automovimento interior do conteúdo desta’, procedimento que consiste em observar sem intervir e, portanto, em deixar a própria coisa — no caso, as chamadas essencialidades espirituais — mostrar-se ao pensamento e no pensamento”, explica Manuel Moreira da Silva, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Um dos aspectos do pensamento de Hegel, dentre tantos, que o entrevistado destaca, é a forma como o autor associa a consciência de liberdade a uma ideia de progresso. “Isso significa, portanto, que a importância da Ciência da Lógica consiste numa dedução especulativa da liberdade enquanto modo de ser próprio do humano na época moderna e, com isso, sua concepção do progresso como progresso da consciência da liberdade, sendo essa, enfim, sua atualidade”, observa.

Manuel Moreira da Silva é graduado e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Atualmente, é professor adjunto da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Guarapuava/PR).

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Em que consiste o projeto hegeliano de unificação da Lógica e da Metafísica?

Manuel Moreira da Silva - O projeto hegeliano de unificação da Lógica e da Metafísica consiste numa tentativa de refundação destas ciências no quadro teórico da assim chamada filosofia especulativa pura, isto é, da Lógica especulativa, que Hegel também designa como a verdadeira metafísica. Essa na qual, mediante a identificação do lógico e do metafísico, desaparece a cisão de forma e de conteúdo ou entre método e princípio; situação em que os segundos não mais se apresentam como exteriores em relação aos primeiros. Em vista disso, o referido projeto retoma e desenvolve o programa da metafísica entendida como ciência transcendental — iniciado por Duns Scotus  e, como tal, sistematizado por Christian Wolff  —, sob o influxo do programa kantiano  de uma Lógica transcendental, no que tange ao conteúdo especulativo, em oposição dialética ao programa crítico. Esse, por sua vez, ao inverter o procedimento usual da metafísica, que partia das coisas ou dos objetos dados para estabelecer um conhecimento a priori sobre os mesmos, ao partir do conhecer, ou do sujeito, concebe o transcendental apenas enquanto condição de possibilidade do conhecimento empírico, bem como as intuições, categorias e juízos aprióricos tão só enquanto leis do conhecimento da realidade, mas não também como leis da realidade. Neste sentido, mediante o que Hegel denomina a verdadeira crítica das formas de pensar puras — que as considera segundo o conteúdo particular delas próprias, ou seja, a realidade formal e a realidade objetiva das mesmas —, o seu projeto apresenta o automovimento do conteúdo imanente àquelas formas. Isso, ao mesmo tempo em que as assume enquanto determinações do conteúdo e, em vista disso, igualmente, aquele automovimento como a reflexão (Reflexion) do próprio conteúdo; logo, do pensar ou do conceito que — embora em seu início e em seu progresso, ambos para nós, se apresente respectivamente apenas em si (ou como ser puro) ou somente enquanto posto (ou como essência) — se determina no fim enquanto em si e para si ou, a rigor, em si e para si mesmo. Quando então Hegel pode afirmar que as determinações da Lógica especulativa são infinitas ou em si e para si mesmas; portanto conceitos, mais propriamente, determinações formais do conceito ou antes da ideia, da ideia pura ou absoluta.

 

IHU On-Line - Nesse caso, em que medida se pode falar em legitimidade e deslegitimação epistêmicas?

Manuel Moreira da Silva - Em ambos os casos, em dois sentidos. No primeiro caso, pode-se falar de legitimidade do projeto hegeliano na medida em que ele (1) assume para si o conteúdo especulativo da lógica e da metafísica de outrora e (2) apresenta-o sob o influxo do pensar transcendental; em vista disso, tal projeto (a) satisfaz os critérios de cientificidade deste pensar ao mesmo tempo em que (b) mantém os critérios de cientificidade daquela lógica e daquela metafísica. No segundo caso, o projeto hegeliano de unificação da Lógica e da Metafísica se deslegitima pelo fato de (1) não ser nem lógica nem metafísica no sentido tradicional e de também não se configurar como uma lógica transcendental no sentido de Kant, assim como por (2) introduzir no quadro teórico do idealismo da subjetividade a assim chamada subjetividade absoluta; a qual, como o conceito, ou mais propriamente como a ideia absoluta, encerra dentro de si todo o finito, compreendendo pois os opostos como postos no Absoluto de modo que não permaneça nenhum resto, não havendo nenhuma margem para a afirmação do finito ou do contingente como tais. Ainda em relação ao segundo caso, de um lado, o projeto de Hegel dispensa tanto os critérios de cientificidade da lógica e da metafísica de outrora quanto os da Lógica transcendental enquanto ciências determinadas e, de outro, porém, não chega a constituir os critérios pelos quais a Lógica especulativa e, por conseguinte, as ciências particulares do sistema da filosofia especulativa pudessem apresentar-se como ciências rigorosas. Ao suprassumir a episteme fundada na representação e o regime epistêmico desta, substituindo-a, portanto, pelo conceito especulativo (que também a suprassume), mas ao não apresentar os critérios de controle e de validação deste, a proposição hegeliana de uma ciência pura ou absoluta se deslegitima enquanto tal. Deslegitimação que se acentua com o fim da representação e com o advento da linguagem em geral e o da comunicação em particular, quando o ponto de vista do conceito — porque circunscrito à subjetividade — perde inclusive sua mediação recíproca com a representação e assim o seu revelar-se na consciência ou no sujeito.

 

IHU On-Line - Qual é a razão desse esforço hegeliano em unificar tais campos? Em que medida isso representa uma ruptura com a filosofia que era feita até então?

Manuel Moreira da Silva - Hegel tem duas grandes motivações para a sua tentativa de unificar Lógica e Metafísica. A primeira consiste na descoberta de que as determinações desta são de natureza propriamente lógica, bem como que as determinações lógicas são elas mesmas metafísicas. Algo já presente na lógica e na metafísica de outrora — embora não explicitamente —, quando da mútua pressuposição desses campos, por exemplo, em Christian Wolff. Tal pressuposição se exprime na consideração, retida por Hegel, das determinações de pensamento como as determinações fundamentais das coisas ou, o que é o mesmo, conforme Hegel, “de que o que é, pelo fato de ser pensado, é conhecido em si” (Enciclopédia, 1830, § 28). A segunda motivação consiste no fato de tanto a lógica quanto a metafísica de outrora terem sido extirpadas da lista das ciências e perdido assim a sua legitimidade, mas também no reconhecimento de que a metafísica “só é algo antigo em relação à história da filosofia” (Enciclopédia, 1830, § 27), mas que, “por si mesma, está em geral sempre presente” (ibid.). Isso, contudo, não representa uma ruptura com a filosofia anterior, nem com a lógica e a metafísica de outrora, nem com a lógica transcendental kantiana; é antes a tentativa de, partindo desta, vivificar aquelas. Constitui, porém, ao contrário, uma ruptura com os procedimentos tanto da lógica e da metafísica de outrora quanto da filosofia crítica de Kant.

 

IHU On-Line - Quais são as características da lógica e da metafísica hegelianas?

Manuel Moreira da Silva - A Lógica especulativa ou a verdadeira metafísica não é, para Hegel, uma lógica e uma metafísica; ela é, a um tempo, lógica e metafísica. Sua principal característica radica no estabelecimento de um novo método científico, o método especulativo, entendido como “a consciência sobre a forma do automovimento interior do conteúdo desta”, procedimento que consiste em observar sem intervir e, portanto, em deixar a própria coisa — no caso, as chamadas essencialidades espirituais — mostrar-se ao pensamento e no pensamento. Disso emerge outra característica essencial da Lógica especulativa, ela considera as determinações de pensamento em si e para si mesmas; portanto, como determinações infinitas (como conceitos), nas quais o que está em questão não é o caráter abstrato das mesmas, e sim o conteúdo especulativo — imanente a elas — que nelas se move e que faz delas os momentos de sua própria determinação enquanto conteúdo especulativo; ou ainda, os momentos do conceito, concebido por Hegel como o livre, o determinado em si e para si. O que significa, em suma — outro aspecto fundamental —, a passagem da substância a sujeito, consumando assim o projeto hegeliano.

 

IHU On-Line - Nesse cenário, qual é a importância da “Ciência da Lógica” e sua atualidade na Filosofia? Quais são suas recepções e críticas fundamentais?

Manuel Moreira da Silva - A importância da Ciência da Lógica (São Paulo: Barcarolla, 2011) de Hegel está em propor uma lógica propriamente filosófica, que não seja (a) nem uma propedêutica ao filosofar, (b) nem um instrumento a ser aplicado ao conteúdo ou, ainda, (c) um meio passivo pelo qual o conteúdo nos toca, mas antes, (d) uma ciência pura do puro pensar, na qual a consciência (ou o espírito que aparece), enquanto despojada de suas aparências, se sabe uma com a sua essência e, assim, a própria coisa em si que nesta se move. Isso significa, portanto, que a importância da Ciência da Lógica consiste numa dedução especulativa da liberdade enquanto modo de ser próprio do humano na época moderna e, com isso, sua concepção do progresso como progresso da consciência da liberdade, sendo essa, enfim, sua atualidade. Por esse viés, praticamente todo o pensamento posterior se mostra de algum modo — positiva ou negativamente — vinculado ao pensar hegeliano, cujas recepções e críticas fundamentais se encontram no marxismo, no existencialismo, no pensamento do ser e mesmo, mais recentemente, no pragmatismo e na filosofia analítica. Esses que pretendem se apropriar da Lógica hegeliana, dispensando seu caráter essencial de verdadeira metafísica ou filosofia especulativa pura.

 

IHU On-Line - Por que o começo da Lógica em Hegel não tem pressupostos?

Manuel Moreira da Silva - O começo da Lógica em Hegel, ou antes o início, não tem pressupostos porque a Lógica aí em questão é uma lógica da liberdade, uma lógica da autoconstituição do sujeito enquanto sujeito livre. Isso significa que o objeto da Lógica, isto é, o conteúdo que nela se investiga, não é nenhum substrato ao qual se deve apor categorias ou determinações de pensamento, nem categorias ou determinações de pensamento a serem apostas em determinado substrato. De fato, Hegel tematiza categorias e determinações de pensamento na Lógica, mas estas são consideradas enquanto livres de substratos e, mais que isso — mesmo enquanto formas familiares do pensar —, são objeto não de investigação ou de conhecimento, mas de reconhecimento, a rigor, de crítica, de uma verdadeira crítica (no dizer de Hegel) que as considera em seu conteúdo particular e valor próprios, e não apenas segundo a forma universal do a priori, em sua oposição ao a posteriori, como em Kant. O início, neste caso, não pode ter pressupostos porque estes impediriam a posição e a determinação mesma de si próprio do conceito, do conceito livre ou especulativo, que é o verdadeiro início, a essência que suspendeu seu reportamento a um ser ou seu aparecer, com o que sua determinação não é mais exterior, mas o subjetivo livre e autônomo que se determina dentro de si, isto é, o próprio sujeito.

 

IHU On-Line - Por que Hegel, no começo da Lógica, põe em discussão a questão do começo da Filosofia?

Manuel Moreira da Silva - Hegel põe em discussão a questão do início da filosofia ou da ciência já no começo da Lógica pelo fato de o início ser até então entendido apenas como um início para o pensar, portanto no sentido do conteúdo ou do princípio do pensar, conteúdo ou princípio do qual o pensar parte e, portanto, o considera a título de pressuposto ou ponto de partida. Hegel, no entanto, está interessado no início do pensar, no fato de que o início para o pensar seja também início do pensar; logo, igualmente na forma ou no método do pensar. Não obstante, considerados de modo exclusivo, conteúdo ou princípio e forma ou método excluem-se de modo recíproco e por isso se mostram respectivamente como imediato e como mediato, em ambos os casos passíveis de refutação. Hegel reconhece que o início é a um tempo imediato e mediato, ou, a rigor, imediato mediatizado; para isso, busca estabelecer ou antes explicitar a nova base que o permita pensar segundo esse início; que é, a rigor, um imediato mediatizado. Tal início não é senão o conceito ou mais precisamente a ideia.

 

IHU On-Line - Em que medida o idealismo absoluto hegeliano prova que o mundo é racional e que as categorias apresentadas não são somente categorias do pensar, mas do ser?

Manuel Moreira da Silva - O idealismo absoluto hegeliano é o idealismo do conceito, que assume, pois, como ponto de vista o ponto de vista do conceito. Esse idealismo, portanto, não prova que o mundo é racional ou que as categorias apresentadas, por exemplo, na Lógica, não são somente categorias do pensar, mas do ser; ao contrário, o idealismo absoluto hegeliano somente prova que o racional é efetivo e que o efetivo é racional. Isso tem a ver com o fato de tal idealismo consistir numa tematização do efetivo enquanto desenvolvimento da realidade objetiva, antes (na consciência natural) apenas representada (como em Duns Scotus ou em Descartes), portanto do real e da realidade agora, no espírito pensante, conforme Hegel, conceituados, em suma, ideais: a rigor, determinados enquanto conteúdo efetivo da ideia; caso em que o efetivo tem que ser necessariamente racional. Esse o motivo pelo qual o racional também tem de ser efetivo; neste caso, como realidade formal da ideia ou ainda do que é ou existe enquanto é ou existe, do que é sendo; logo, do próprio conceito, enquanto conceito formal ou subjetivo, em seu automovimento de realização ou de efetivação, em suma, de objetivação. Não se trata, por fim, para Hegel, de provar que as categorias apresentadas na Lógica, ou mais propriamente na Lógica objetiva, não são somente categorias do pensar, mas também do ser; trata-se antes de se liberar o próprio conteúdo especulativo dessas categorias mesmas, assim como também elas em relação a seus respectivos substratos materiais. Quando então aquele conteúdo pode aceder livremente ao conceito de modo que este, por seu turno, possa finalmente espiritualizar-se ou efetivar-se, objetivar-se; isto é, aceder ao solo do espírito, o único que, nas palavras de Hegel, “inicia-se apenas de seu próprio ser e só se relaciona com suas próprias determinações” (Enciclopédia, 1830, § 440).

 

IHU On-Line - Por outro lado, qual é a vinculação entre o Lógico e o Histórico em Hegel?

Manuel Moreira da Silva - A exigência da efetivação e da espiritualização do universal abstrato ou do conceito em geral, tal como programaticamente apresentada já em 1807, no parágrafo 33 da Fenomenologia do Espírito (conforme a edição brasileira de Paulo Meneses), pode ser dita uma expressão do vínculo do lógico e histórico, ou mais propriamente do historial, na medida em que esse vínculo tem por natureza essencial a manifestação (Manifestation) do primeiro no segundo, sendo este portanto a manifestação daquele, não o seu simples aparecimento (Erscheinung). O lógico é aqui o que Hegel designa pensar livre, que como tal se determina a si mesmo em sua autoconsciência universal e se faz conceito especulativo ou espírito livre, isto é, a própria Razão enquanto se manifesta assim livremente, de um lado, puramente no elemento do pensar, portanto como Razão autoconsciente, e de outro, a um tempo, na exterioridade do elemento historial, logo na história e como história, enquanto Razão que é. A história ou o historial por seu turno se mostram aqui enquanto o acontecimento do mundo (die Weltbegebenheite) e assim só pode ser devidamente concebida e efetivada enquanto histórica filosófica do mundo (philosophische Weltgeschichte); com o que se distingue da chamada história primitiva e da história reflexiva, segundo seus diversos matizes, comuns na época de Hegel e mesmo na sua posteridade. Essas que em geral se voltam apenas para o histórico (das Historische), não precisamente para o historial (das Geschichtliche); os quais Hegel fora o primeiro a distinguir e cuja distinção exemplificara na figura dos chamados homens historiais (die geschichtlichen Menschen) ou dos indivíduos histórico-mundiais (die welthistorischen Individuen). Não obstante, quando, no parágrafo 14 da Enciclopédia de 1830, Hegel afirma que “o mesmo desenvolvimento, que é exposto na história da filosofia, é exposto na própria filosofia, mas liberto daquela exterioridade historial, puramente no elemento do pensar”, ele rompe com tal vínculo; pelo menos com a necessidade de a história da filosofia ter que ater-se aos elementos espaciais e temporais nos quais o pensamento se conformou. Aqui pode-se notar que o elemento historial constituinte da exposição levada a termo na história da filosofia antecipa de certo modo a exposição propriamente filosófica; contudo, do ponto de vista da Coisa mesma, a exposição filosófica é anterior àquela e não tem por que subordinar-se ao elemento histórico ou ao historial, sendo este, como se afirmou acima, uma das manifestações do lógico. Uma das manifestações porque, conforme Hegel (Enciclopédia, 1830, § 384), há um manifestar ou, propriamente, um revelar da ideia abstrata, que se configura como passagem imediata e então como devir da natureza; um revelar do espírito livre, que se constitui como o pôr da natureza como de seu mundo (enquanto mundo do espírito) e, como reflexão, como o pressupor do mundo enquanto natureza autônoma; finalmente, um revelar no conceito, que se apresenta como um criar o mundo como seu ser (como ser do conceito), no qual, no dizer de Hegel (ibid.), ele (o conceito) se dá a afirmação e a verdade de sua liberdade. A manifestação histórica ou, a rigor, historial está no plano do revelar do espírito livre e justamente por isso apresenta um aspecto exterior e um aspecto interior, respectivamente, um que pressupõe e outro que põe. Este consiste no que acima se designou acontecimento do mundo, aquele a pressuposição do mundo como natureza autônoma. A ciência filosófica, ao contrário, isto é, o saber do espírito acerca de si mesmo enquanto espírito, na medida em que sua autoconsciência é objeto de sua consciência, expõe-se no quadro de um revelar no conceito, sendo aquele “criar o mundo como ser do conceito” a objetivação ou a efetivação mesma deste.

 

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Manuel Moreira da Silva - Embora muitos afirmem que Hegel retoma a concepção platônica da ideia, ele na verdade retoma e desenvolve a concepção scotiana da espécie inteligível e, a rigor, a concepção cartesiana da ideia como representação mental. Hegel, porém, na medida em que leva a termo a verdadeira crítica das formas puras de pensar, critica pontualmente a representação enquanto determinação finita, a qual, portanto, enquanto finita, ou apenas em si ou tão somente posta, não pode ter lugar na Lógica, cujas determinações são em si e para si e, por conseguinte, infinitas. Contudo, enquanto assume que a consciência faz para si no tempo representações dos objetos antes de fazer conceitos deles, e que só por meio do representar e voltando-se para este é que o espírito pensante avança até o conhecer e o conceber pensantes (Enciclopédia, 1830, § 1), Hegel se coloca plenamente no quadro teórico da lógica e da metafísica de outrora, mais que naquele da filosofia crítica. Aqui, de modo rigoroso, no campo da mediação entre o conceito objetivo e o conceito formal do ente, ou antes, no da oposição dialética entre a realidade objetiva e a realidade formal da ideia enquanto essa, no âmbito da própria concepção hegeliana, consiste na unidade do finito e do infinito, do ideal e do real, do subjetivo e do objetivo etc. Sua extrapolação dos limites da representação e sua ascensão ao conceito especulativo, porém, ao estabelecer um novo início da ciência, que não é mais aquele da metafísica transcendental scotiana e nem o da lógica transcendental kantiana, que permanecem solidários na representação, e portanto ao não assumir os critérios desta, bem como ao não estabelecer novos, perde de vista a legitimação mesma da Ciência da Lógica enquanto ciência propriamente dita. A fragmentação do espírito na época atual se encarrega de levar a termo a deslegitimação de tal ciência, enquanto tentativa de unificação da lógica e da metafísica outrora, na medida em que recusa e por isso se afasta, assim, tanto da representação quanto do conceito especulativo, bem como tanto da consciência que representa quanto da subjetividade livre que se concebe puramente a partir do conceito. ■

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