Edição 206 | 27 Novembro 2006

A crise da participação política

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IHU Online

Na opinião da filósofa americana Lisa Disch, Hannah Arendt “persistentemente dirige nossa atenção para a crise da participação política que é uma entre outras tantas em nosso tempo”, mas que “é freqüentemente negligenciada”. E continua: “Uma das mais interessantes lições que acredito que Arendt extraiu da Revolução Americana diz respeito à necessidade de criar instituições que promovam liberdade política caso você queira que as pessoas a exercitem. Um dos comportamentos políticos apáticos de hoje se deve à falta de imaginação de nossas visões institucionais de democracia. Eleições competitivas e o sistema de dois partidos não acabam com isso!” As declarações foram dadas em entrevista por e-mail à IHU On-Line, com exclusividade, refletindo sobre a importância do legado arendtiano para compreender os tempos em que vivemos.

Disch leciona no Departamento de Ciência Política da Universidade de Minnesota, Estados Unidos. Suas especialidades são teoria política, história do pensamento político, teoria feminista, processos eleitorais e teoria democrática, entre outras.

Ph.D. pela Rutger University, EUA, é autora de inúmeras obras, dentre as quais citamos: Hannah Arendt and the Limits of Philosophy. New York: Cornell University Press, 1994. Recebeu vários reconhecimentos acadêmicos por suas pesquisas. O mais recente deles é o prêmio Arthur "Red" and Helene B. Motley Exemplary Teaching Award, 2001 – 2002.

IHU On-Line - Arendt dizia que não era filósofa, mas que sua profissão era a teoria política. Quais são suas principais contribuições para se repensar a política na atualidade?

Lisa Disch
- Arendt persistentemente dirige nossa atenção para a crise da participação política. Essa é apenas uma entre outras tantas em nosso tempo, mas é uma que é freqüentemente negligenciada. Como Arendt bem compreendeu, a simples felicidade de agir em público é rara, frágil e subestimada.

IHU On-Line - Uma das grandes preocupações dessa filósofa com relação à Modernidade era a tentação do homem para a interiorização e a conseqüente perda do espaço público ou a dignidade política. Essa preocupação ainda vale para o sujeito político contemporâneo?

Lisa Disch
– Sim, mas possivelmente de um modo diferente do que Arendt compreendeu isso. Ela era muito interessada no escapismo e em outras formas de cegueira voluntária às quais ela viu as pessoas se renderem durante o que veio a chamar-se Holocausto. Um dos problemas da sociedade de massas hoje é que as pessoas perdem tanto a privacidade quanto o gosto pela vida pública. Elas trabalham pelo salário até o ponto da exaustão, e então consomem ou dormem em seu tempo livre. Não há nem introspecção, nem comprometimento ativo/engajamento.

IHU On-Line - Levando em consideração a crítica de Arendt à política contemporânea, como podemos entender o comportamento político apático que hoje é uma realidade em nossas sociedades?

Lisa Disch
– Uma das mais interessantes lições que acredito que Arendt extraiu da Revolução Americana diz respeito à necessidade de criar instituições que promovam liberdade política caso você queira que as pessoas a exercitem. Um dos comportamentos políticos apáticos de hoje se deve à falta de imaginação de nossas visões institucionais de democracia. Eleições competitivas e o sistema de dois partidos não acabam com isso!

IHU On-Line - De que forma podemos compreender a afirmação de Arendt de que o território do qual emergiu o monstro totalitário é o mesmo de onde surgiu a democracia liberal?

Lisa Disch
– Possivelmente essa seja uma das reivindicações de Arendt que faríamos bem em reservar. Ela parece tomar (de Heidegger) a idéia de que tanto liberalismo quanto totalitarismo têm raízes na sociedade de massas. Essa crítica tem um contorno elitista inútil àqueles de nós que lutamos para promover a democracia sob essas condições.

IHU On-Line - Qual é a atualidade do pensamento de Arendt para a construção de uma ética-política feminista?

Lisa Disch
– As idéias de pluralidade de Arendt – a igualdade de todos em suas diferenças –, e natalidade  – a capacidade de começar algo novo –, inspiraram várias feministas, inclusive a mim. Além disso, como Nancy Hartsock argumentou alguns anos atrás, Arendt tem uma noção cooperativa e inter-subjetiva de poder como ação conjunta que é frutífero para o pensamento feminista. Embora o que Arendt tenha dito sobre política seja muito inspirador para as feministas, nós só podemos ir tão longe com uma pensadora que torne isso tão difícil quanto Arendt para analisar relações de poder pelas lentes do gênero.

IHU On-Line - E quanto à participação política das mulheres, a filosofia arendtiana serve de parâmetro e inspiração?
Lisa Disch
– Sim, mas nem mais nem menos que para a participação de qualquer um.

 

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