Edição 476 | 03 Novembro 2015

O engodo da classe média acomodada

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João Vitor Santos

Flavio Comim propõe uma reflexão acerca do que sustenta o sistema do capital do século XXI e ainda engana, atraindo as pessoas para uma falsa ideia de vida menos desigual
Foto: João Vitor Santos/IHU

A quinta-feira, 29-10, encerrou em clima de provocação. Em mais um encontro do Ciclo de Estudos O Capital no Século XXI – uma discussão sobre a desigualdade no Brasil, o economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Flávio Comim, debateu o tema Políticas públicas de regulação do capital e possibilidades para um Estado social no Brasil.

Como os demais painelistas, teve a fala iluminada por Thomas Piketty, e o Capital no Século XXI (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014). Entretanto, Comim desafiou a plateia a pensar porque esse capital especulativo e seu sistema financeiro, que é o verdadeiro gerador de riqueza no mundo hoje, sustenta-se sem que não haja resistências. “A renda não é só a renda e sim a legitimidade que ela carrega. O que nos faz sentir classe média? E pior: o que nos faz sentir acima da classe média?”, provoca o professor.

Comim chama a atenção para um sistema que faz com que se busque bens que lhe confiram uma significação, vendendo a ideia de que não se é pobre e que consegue acessar tais bens de consumo como os ricos. É o exemplo do carro. Quem tem, se vê desobrigado a depender do sistema público de transporte. Logo, tem autonomia, liberdade e vantagem sobre quem não tem. O mesmo funciona com smartphones, TV’s modernas de tela plana, viagens... “É uma forma de ilusão. As pessoas acham que consumindo esses bens do 1% mais rico fazem parte desse 1%”, explica. A perversidade está no fato de que, além de achar que se está nesse grupo, a classe média acaba alimentando o sistema com sua casa própria e bens que consume. “E acabamos tendo uma aceitação por algo que não entendemos. São as migalhas que sobram para além desse 1% mais rico que Piketty fala”, completa Comim.

O professor reconhece que há uma inclusão e que mais pessoas conseguem acessar bens que antes não se imagina para pessoas mais humildes. Outro exemplo que traz é a possibilidade de se viajar de avião. Mais pessoas – e de classe social mais baixa - fazem isso. “Mas ainda está distante de uma real mudança de paradigma. E é justamente essa ideia de mudança que incomoda essa classe do 1%”, aponta.

Comim traz esse cenário para se pensar além do que Piketty ilumina ao demonstrar que a renda do capital é muito superior a renda do trabalho. “Pois assim (olhando só para a renda do trabalho) se tem ideia que a desigualdade diminui, mas na realidade não. Os pobres estão cada vez mais pobres. A classe média vê seu dinheiro diminuindo e os ricos estão cada vez mais ricos”, pontua, ao atribuir esse movimento ao fato de, ao não olharmos para o papel do capital nesse século, não entendermos de fato o mecanismo que faz essa roda girar só a favor do 1%. ■

Confira a reportagem completa

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