Edição 474 | 05 Outubro 2015

A Primavera Árabe que se tornou Outono: o caso da Síria e suas implicações – para onde vamos?

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Carla Holand

“Mesmo com o apoio dos Estados Unidos aos rebeldes sírios contra a manutenção do regime e o apoio, ao mesmo tempo, da Rússia à Assad, um espaço foi aberto para a projeção de poder de países locais, como a Arábia Saudita, Irã e Turquia. As alianças pré-estabelecidas com as potências externas correm perigo e vem questionadas em diversos pontos, aja vista a desconfiança de Riade em relação a Washington pela aproximação diplomática deste à Teerã, em razão das negociações sobre seu programa nuclear”, analisa Carla Holand.

Carla Holand é graduada em Relações Internacionais pela UFRGS e tem mestrado em Estudos Estratégicos pela mesma instituição. Atua como docente de RI da Unisinos e tendo trabalhado também como professora da UFSM. E-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Eis o artigo.

Desde o início de 2011, quando dois governantes árabes de longa data  foram derrubados por levantes populares, o Mundo árabe e o Oriente Médio entraram em um período de turbulência. E, ao que parece, nenhum dos países da região deverá permanecer intocado por essa longa onda, que poderá ter duração de uma a duas décadas. 

Estas turbulências surgem a partir de uma mistura de competições, tanto de caráter doméstico, quanto geopolítico. Em nível local, é possível se ver lutas contínuas de poder e mudanças de alianças entre a maioria demográfica composta por jovens, a classe média educada e elites burocráticas estatais, assim como islamitas e não-islamitas e entre diferentes escolas do Islã politizado. Dois prolongados conflitos geopolíticos – o conflito israelo-palestino e a luta pelo predomínio na região do Golfo Pérsico – permanecem não resolvidos e altamente explosivos. Ainda uma terceira questão, o conflito na Síria e pela Síria, pode realmente abalar as fundações do sistema estatal no Oriente Árabe. Adicione-se a isso uma luta ideológica renovada entre os Estados sobre a ordem institucional doméstica adequada. Hoje, a competição sobre o predomínio no Golfo e no Levante está ligada à competição entre os diferentes modelos do Islã político, a saber: o modelo salafista wahhabita saudita, a abordagem mais moderna da Irmandade Muçulmana, o modelo islâmico-democrático do AKP da Turquia, e o exemplo iraniano de uma República Islâmica.

O que fazer, então, em meio a este difícil cenário de instabilidade, no qual ausência de participação política – a exemplo do reino saudita – de um lado, e lutas por mudanças políticas e sociais, de outro, se esbarram em âmbito regional em uma luta pelos países por projeção de poder?

Tomemos tão somente o caso da Síria. O regime sírio de Bashar al-Assad manejou e conseguiu sobreviver à Primavera Árabe. Contudo, através de uma guerra civil que se estende desde 2011, o Estado sírio caiu em um extenso outono desde então, com impactos sentidos em toda a região e fora dela. A Síria, dessa forma, tornou-se o objeto e ponto focal da dinâmica geopolítica regional. 

Devemos perceber que isso se deveu a fatores tanto de ordem externa quanto interna. A ausência de envolvimento externo direto desde a explosão do conflito sírio por parte de grandes potências como Estados Unidos, União Europeia, Rússia e China, denota um novo momento na região. Washington não possui o mesmo ímpeto de uma década atrás de implantar regimes democráticos e valer-se de intervenção militar direta para garantir, além de tudo, suprimentos energéticos importantes. Isso se deve, dentre outros fatores, a novas fontes energéticas como o gás de xisto e a produção de petróleo não convencional, tornando os Estados Unidos cada vez mais independente de importações da região.

Não há dúvida de que o desengajamento das grandes potências dá à arena regional uma prevalência importante e que até então fora de menor envergadura. Mesmo com o apoio dos Estados Unidos aos rebeldes sírios contra a manutenção do regime e o apoio, ao mesmo tempo, da Rússia à Assad, um espaço foi aberto para a projeção de poder de países locais, como a Arábia Saudita, Irã e Turquia. As alianças pré-estabelecidas com as potências externas correm perigo e estão sendo questionadas em diversos pontos, aja vista a desconfiança de Riade em relação a Washington pela aproximação diplomática deste à Teerã, em razão das negociações sobre seu programa nuclear. 

Em relação a estas duas potências regionais – Arábia Saudita e Irã – seus modelos de regime com base no Islã competem por primazia na região, juntamente com o modelo turco do AKP. Todos estes, com a Primavera Árabe, passam a se apresentar como alternativas de possíveis formas de novos regimes políticos na região. As demandas sociais, políticas e econômicas pelas populações se tornaram presentes desde então, ainda que muitas tenham sido abaladas pela volta de regimes com baixa participação popular – caso do Egito e de seu breve primeiro governo eleito democraticamente, que elevou pela primeira vez a Irmandade Muçulmana ao poder, e que foi deposto por um golpe militar. O soft power conquistado pelo Egito através de sua revolução em 2011 foi enfraquecido, bem como a Irmandade Muçulmana Egípcia e seus partidos aliados em outras localidades do Oriente Médio. Essa questão acabou por reforçar a influência regional saudita e dos emirados, limitou a influência turca e impactou na composição da liderança da oposição Síria. Em relação ao Irã, o país além de conseguir sobreviver às sanções impostas pela ONU, Estados Unidos e União Europeia, foi capaz de manter seu programa nuclear e um processo diplomático com o P5+1, bem como fortaleceu sua influência no enfraquecido e dividido Iraque e tem ajudado a manter seu aliado sírio no poder. É também provável que qualquer transição de poder que possa ocorrer em Damasco, terá de considerar a influência iraniana. 

Porém, há um ponto importante a ser considerado em relação a estas questões até aqui apresentadas: a crescente polarização confessional da política regional, o que afeta tanto Teerã quanto Riade, alastrando-se por toda a região. Essa polarização recai na confrontação sunita-xiita. A crescente disputa por influência nas questões políticas da região pela sunita Arábia Saudita e o xiita Irã é um ponto que vem, sem dúvida, influenciando as relações internacionais do Oriente Médio no momento, inclusive o conflito sírio. A Arábia Saudita apoia os movimentos contra o regime de Assad, mas certamente irá preferir ver um regime secular autoritário ou democrático emergir na Síria do que um Estado liderado pela Irmandade Muçulmana ou um governo de caráter radical como o Estado Islâmico, ainda que de cunho sunita . O Irã por sua vez, nunca esteve com tantas oportunidades de projeção de poder e de possível liderança na região. Contudo, a questão é se os países árabes adotariam um regime como o de Teerã e, ainda mais, um de caráter xiita . Para isto temos uma resposta: dificilmente. 

 

Expediente

Coordenadora do curso: professora doutora Gabriela Mezzanotti

Editor da coluna: professor doutor Bruno Lima Rocha

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