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Ricardo Machado
Em linhas gerais este foi o objetivo do XVII Simpósio Internacional IHU / V Colóquio Latino-Americano de Biopolítica | III Colóquio Internacional de Biopolítica e Educação, Saberes e Práticas na Constituição dos Sujeitos na Contemporaneidade. O evento, que ocorreu entre os dias 21 e 24 de setembro na Unisinos, em São Leopoldo, reuniu pesquisadores e pesquisadoras do Brasil e do mundo para debater questões sobre os modos de vida contemporâneos. O evento foi realizado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, PPG em Educação, PPG em Filosofia, PPG em Saúde Coletiva da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS e PPG em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.
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Longe do cânone, perto da vida
"Se é verdade que o capitalismo e as formas biopolíticas tendem a uma espécie de isomorfismo, tudo o que podemos perceber é uma heterogeneidade de exploração que é difícil de descrever como estágio, mas podemos ensaiar como tendência”, problematiza o professor e pesquisador Sandro Chignola. Nesse sentido, ele considera que a filosofia deve (ou deveria) estar a serviço da vida, não do cânone, provocando os participantes do evento.
Uma das características da exacerbação do individualismo, do impulso à ideia do indivíduo foi a expansão do grau de liberdade de temos, avaliou Benilton Bezerra Junior em sua conferência. Vivemos uma sociedade da autonomia generalizada. Nunca fomos tão autorizados a agir em conformidade com nossos interesses, não nos ajoelhamos diante de mais nada. Tudo passa a ser matéria de escolha individual. “Não vivemos mais a cultura do assombro, já que tudo pode ser matéria de nossa escolha. Isso comporta um grande grau de ideologia, não no sentido mais simples, mas tomada como fantasia que constitui a realidade que conhecemos, com a obliteração daquilo que é oculto porque um sintoma do conflito que não pode vir à tona sem que a realidade se transforme”.
O caminho que transformou a educação de um bem público a um processo de troca mercadológica foi percorrido pela estrada do neoliberalismo, segundo define o pesquisador e professor da Nova Zelândia Michael Peters. “O corte de serviços públicos por políticas de austeridade do Estado é resultante do processo de financeirização, que reduz qualquer produto ou serviço a uma moeda intercambiável. Nesse esquema, o estudante passa a ser considerado um consumidor e o professor um trabalhador do conhecimento, e a partir daí se financeirizam as relações educacionais”, ressalta.
“O liberalismo, desde seus primórdios, prega três eixos de liberdade: deixar as pessoas fazerem (mínimo comando do Estado), deixar as coisas acontecerem (livre regulação do mercado) e deixar as coisas irem (demanda e oferta livres). Entretanto, essa liberdade funciona dentro de intensos esquemas normativos, ao que se chama de engenharia social, a qual foi intensificada pelas políticas liberais”, explica Alexandre Filordi, professor e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, ao analisar a função-educador no contexto neoliberal.
O professor da Universidade de São Paulo – USP Julio Roberto Groppa Aquino construiu sua reflexão sobre educação e biopolítica a partir da citação de Michel Foucault em que diz: “Fabrico tamancos e encontro nisso um prazer quase erótico, porque fico contente quando alguém enfia o pé neles.” Ao analisar os desafios com relação à educação, o professor pondera. “A educação precisa, também, de um mergulho vertical no passado, pois a ausência de memória histórica é o horror dos mais velhos. Não se educa em tempos de guerra, é no armistício que se prolonga a experiência da educação. Todo o trabalho que merece esse nome será a ponte forjada entre as guerras que passaram e as faxinas que hão de vir”, frisa Julio. “Que calcemos nossos tamancos.”
Silvia Grinberg, professora e pesquisadora argentina, considera que “Não se pode, simplesmente, deixar morrer. Temos o costume ‘errado’ de querer viver. Há um movimento permanente de pessoas buscando viver. Então descrever os processos e as dinâmicas que estão por trás disso é importante, porque ao falarmos de populações excluídas, esquecemos que eles nunca estão fora, mas permanentemente dentro”. Nesse sentido propõe a inventividade como alternativa. “Hoje se pensa sobre fragmentos, opera-se sobre fragmentos. O problema é que, quando um fragmento cai, o sistema se mantém de pé. É preciso atravessar o labirinto, não abandonar as lutas por modos de vivências inventivas que se encontram na urbe”, avalia.
Em sua apresentação, o professor e pesquisador chileno Edgardo Castro abordou o pensamento de Giorgio Agamben e Roberto Esppsito. Refletindo acerca da obra de Giorgio Agamben, o professor recuperou aspectos dos conceitos de vida nua e inoperosidade. Mencionou, ainda, a peculiaridade da compreensão agambeniana de bios e zoe. O conceito de impessoal é, também, importante no pensamento de Esposito, que põe em debate o que parece ser um dos conceitos indiscutíveis do debate contemporâneo: o valor universal da categoria de pessoa.
Tentar compreender a maneira pela qual os processos de financeirização são incorporados pela medicalização da vida foi o esforço do professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Luis David Castiel. “A ética da financeirização gerencialista vigente, que é utilitarista, isto é, dá ênfase às escolhas individuais na busca de benefícios, mesmo que ele venha para poucos. A questão que se coloca é: O que se faz com os que não foram beneficiados?”, indaga o professor.
Segundo Andrea Fumagalli, pesquisador e professor italiano, as fronteiras entre a vida e a produção são manchas que se contaminam a todo o tempo e delimitar um e outro se torna cada vez mais difícil. “Temos uma série de dicotomias típicas do fordismo, ainda hoje, que resistem. Assim, são pensados o trabalho separado do lazer, o trabalho produtivo e o improdutivo. Pensamos estar fazendo algo livre e improdutivo quando estamos fazendo chat ou falando com amigos nas redes sociais. Mas estamos imersos num mecanismo de produção, que também produz valor de uso”, analisa.
“Cada um de nós tem que descobrir nossa verdade e dizer isso ao nosso diretor de consciência, dizer a verdade de si. Alguém que se constitui sujeito sempre fala essa verdade, assume a própria identidade. Mas falar a verdade também pode ser um ato de obediência. Esse detalhe foi identificado por Foucault nessa virada subjetiva de seu pensamento, que olha para o sujeito tanto como efeito do poder nos jogos políticos, quanto como governador de si”, assim sublinhou o professor Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo, ao analisar os processos biopolíticos contemporâneos.
Marco Antonio Jiménez García, professor mexicano, propõe uma postura corajosa frente à biopolítica e à vida. “Trata-se de uma atitude com relação a si mesmo, aos outros e ao mundo. A coragem da verdade coloca em risco o próprio sujeito, mas abre a possibilidade de não ficar preso em si mesmo”, provoca o professor. “É preciso colocar em causa o que nos constitui como sujeitos. O governo de si e a liberdade são exercícios que figuram e desfiguram a vida. Trata-se de assumir a transformação de nós mesmos como possibilidades de vida. Temos que tomá-la como uma experiência estética e vivê-la existencialmente”, ressalta.