Edição 205 | 20 Novembro 2006

A nanotecnologia e o impacto na sociedade

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II CICLO DE ESTUDOS DESAFIOS DA FÍSICA PARA O SÉCULO XXI: UM DIÁLOGO DESDE A FILOSOFIA

Os impactos sociais das nanotecnologias são inúmeros, disse o sociólogo Paulo Roberto Martins em entrevista por e-mail à IHU On-Line. E acrescenta: “Podemos dizer que, quanto à nanociência, a produção brasileira está no mesmo nível de qualidade do que é produzido na Europa ou nos EUA. O que não há é a possibilidade de se comparar os trabalhos em quantidades absolutas”. As afirmações adiantam aspectos da palestra que Martins ministrará em 22-11-2006, na Sala 1G119 do IHU, das 17h30min às 19h, intitulada A nanotecnologia e o impacto na sociedade. A atividade faz parte do II Ciclo de Estudos Desafios da Física para o Século XXI: um diálogo desde a Filosofia. 

Martins é pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo. Cursou graduação em Sociologia e Política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua tese intitula-se Trajetórias Tecnológicas e Meio Ambiente: A Indústria de Agroquímicos/Transgênicos no Brasil. Organizou a obra Nanotecnologia sociedade e meio ambiente. São Paulo: Xamã, 2006. Na edição 120 da IHU On-Line, de 25-10-2004,  intitulada O mundo desconhecido das nanotecnologias, disponível através do site www.unisinos.br/ihu, concedeu a entrevista O debate da nanociência exige a definição de um projeto estratégico para o país. Sobre o tema, conferir ainda as entrevistas especial com Wictor Carlos Magno, Nanotecnologia e nanociência, publicada em 19-10-2006, e ONG questiona benefício social da nanomedicina, publicada em 12-11-2006, ambas disponíveis para download no site do IHU. 

Nanotecnologia no Brasil sem qualquer controle social
 
IHU On-Line - Quais são os maiores impactos da nanotecnologia na sociedade?

Paulo Roberto Martins
- Não podemos falar em nanotecnologia no singular, mas sim em nanotecnologias, pois são de diversas matizes (diversas técnicas de manipular átomos e moléculas). Os impactos das nanotecnologias na sociedade são inúmeros. Por exemplo, no trabalho, muitos postos de trabalho poderão deixar de existir. Com a produção de vidro autolimpantes (um filme com componentes nano impede a aderência de qualquer coisa ao vidro) poderá significar a extinção do limpador de pára-brisa nos veículos. Logo, as fabricas de limpadores de pára-brisa deixarão de existir e, conseqüentemente os empregos. Este é apenas um exemplo do impacto da nanotecnologia na sociedade.

IHU On-Line - Que relações podem ser estabelecidas entre nanotecnologia, sociedade e meio ambiente?

Paulo Roberto Martins
- Ao possibilitar a manipulação de átomos e moléculas, a nanotecnologia proporciona a construção em laboratório de novos materiais (encadeamento de átomos e moléculas não encontrados na natureza) e de produtos híbridos (junção de matéria animada com inanimada, também não-existente na natureza). Tanto os novos materiais como os produtos híbridos podem ser qualificados como uma "nova natureza" . A interação entre a natureza (nos seus diversos ecossistemas) e a "nova natureza" é algo que não sabemos no que vai dar, e tampouco temos pesquisas em curso para saber o que poderá ocorrer desta interação. A sociedade, por sua vez, será afetada pela nanotecnologia conforme ela for incremental (neste caso a sociedade já tem experiência anterior) ou revolucionária (neste caso a sociedade não tem experiência prévia, como poderá ser o caso dos nanorrobôs). Com relação à sociedade, a nanotecnologia poderá determinar a destruição de postos de trabalho via fechamentos de fábricas e/ou ramos industriais e induzir o nascimento de outras fábricas e/ou ramos industriais em que novos conhecimentos serão exigidos da força de trabalho para que ela possa continuar. As nanotecnologias irão aprofundar o fosso (gap) que separa as sociedades desenvolvidas das sociedades subdesenvolvidas? Ou será uma tecnologia que possibilitará a diminuição deste fosso? Certamente esta é uma das relações que se estabelecerá entre nanotecnologia e as sociedades neste mundo globalizado.

IHU On-Line - E quais são as perspectivas que a nanotecnologia pode trazer para a descoberta de novos tratamentos de saúde e soluções alimentares?

Paulo Roberto Martins
- No campo da medicina, a nanotecnologia deverá contribuir para diagnósticos via os chamados chips laboratórios em que uma quantidade grande de exames poderá ser realizada on-line, em qualquer local, por um chip que faz isso, sem que a amostra tenha que ser encaminhada a laboratório. Outros aparelhos sofisticados de diagnósticos deverão indicar tratamentos preventivos para uma série de doenças, de tal forma que sejam eliminadas suas causas antes de elas se manifestarem. Quanto às soluções alimentares, eu diria o seguinte:

Fome - a fome reinante no mundo não é um problema tecnológico. Já existe capacidade produtiva para se alimentar toda a população do planeta. A fome no mundo é um problema de renda das pessoas. Quem passa fome não tem renda para adquirir alimentos. Também vendida como a solução para a fome no mundo, a nanotecnologia não irá resolver este problema.

É possível que a nanotecnologia venha a alterar o padrão tecnológico agrícola hoje existente (insumos, fertilizantes, adubos, agrotóxicos, mecanização, tipo e qualidade de produtos, tipo e quantidade de produtores rurais, novos conhecimentos necessários) impondo novas soluções alimentares. Isto poderá implicar em novos incluídos e excluídos deste processo produtivo.

Uma agricultura mais “inteligente” via sensores on-line em toda a área plantada com transmissão e tratamento de dados também on-line poderá aumentar a produtividade agrícola, aumentar o capital mínino para este tipo de atividade e deixar de produzir certas culturas que passam a ser “antieconômicas” nesta nova forma de organizar a produção agrícola.

IHU On-Line - Em 2004 o senhor concedeu entrevista à IHU On-Line falando sobre o projeto estratégico da nanotecnologia para o Brasil. Como definiria a situação desse projeto hoje, passados dois anos?

Paulo Roberto Martins
- O projeto evoluiu na medida que tínhamos quatro redes de pesquisa e agora temos dez. Nenhuma destas dez redes pertence ao campo das ciências humanas, o que denota uma clara opção por uma visão não-multidisciplinar da nanotecnologia. Assim sendo, o projeto involuiu por esta razão, e também na medida que está sendo conduzido sem qualquer participação ou controle social, ficando apenas a cargo dos cientistas, Estado e empresas a deliberação sobre o Programa Nano Brasil.

IHU On-Line - E quanto à situação da pesquisa nessa área em nosso país? Houve progressos de 2004 para cá?

Paulo Roberto Martins
- Sem discutir aqui o significado do que pode ser entendido por “progresso” da pesquisa em nanotecnologia, podemos dizer que com relação à nanociência a produção brasileira está no mesmo nível de qualidade do que é produzido na Europa ou nos EUA. O que não há é a possibilidade de se comparar os trabalhos em quantidades absolutas. Portanto, o que se faz no Brasil neste campo, se faz com muito boa qualidade. No que toca à transformação daquilo que é produzido pela nanociência em nanotecnologia as intensas dificuldades ainda estão presentes, o que significa que não houve avanços significativos neste campo. As razões são variadas, mas a principal delas se refere à ausência de empresas inovadoras no parque industrial brasileiro.

IHU On-Line - No que diz respeito ao incentivo governamental à nanotecnologia, aconteceu algum incremento ou a situação permanece semelhante?

Paulo Roberto Martins
- O incentivo governamental se ateve mais a iniciar uma segunda fase da nanotecnologia no Brasil com a construção de dez redes de pesquisas em novembro/2005 e a introdução da nanotecnologia na política industrial brasileira. Estes movimentos indicaram a um maior aporte de recursos para o desenvolvimento da nanotecnologia do que estava previsto no plano plurianual 2004/2007. Mais uma vez as ciências humanas foram excluídas deste processo de desenvolvimento da nanotecnolgia.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Paulo Roberto Martins
- Creio que um aspecto não questionado foi o relativo à participação pública e/ou controle social no desenvolvimento da nanotecnologia. No caso brasileiro, quase que integralmente, as pesquisas realizadas o são com recursos públicos. As prioridades para a alocação desses parcos recursos públicos em pesquisas no campo da nanotecnologia não têm qualquer participação pública. As prioridades são definidas apenas pelos “especialistas”, membros do governo federal, e empresários. Não há, portanto, controle social sobre estas pesquisas.

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