Edição 205 | 20 Novembro 2006

Raízes do Brasil: uma obra aberta que convida para o diálogo

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IHU Online

Quem também colabora no debate sobre a contribuição da obra Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, é o professor Robert Wegner, pesquisador adjunto da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro. Wegner é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, e mestre e doutor em Sociologia. Eis a íntegra da entrevista concedida por e-mail. 

IHU On-Line - Como podemos fazer uma releitura do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, hoje? O que significa reler essa obra nos dias atuais?

Robert Wegner
- O livro foi escrito por Sérgio Buarque como um ensaio. O que significa isso? É uma obra aberta que convida o leitor para um diálogo. Raízes do Brasil não pretendeu ser um espelho da realidade, mas uma ferramenta para refletir sobre o Brasil. Por exemplo, a questão não é constatar se o homem brasileiro é cordial, ou se deixou de ser. A questão é nos interrogarmos sobre a nossa prática cotidiana, nossas opções políticas, que Brasil estamos construindo. Por isso, faz sentido sempre reler Raízes, pois em cada momento o leitor é outro, o país é outro e o livro também é outro. A cada leitura, o livro nos lança novas questões. Não respostas prontas. Isso tem tudo a ver com ensaio.
 
IHU On-Line - Quais os limites da obra?

Robert Wegner
- É não dar respostas definitivas. Quem procurar um programa político no livro não vai encontrar. E isto é interessante: era comum nos anos 1920 e 1930 que os livros de interpretação da história do País tivessem como fecho um programa. O País é este tal e tal, diante disso, o que fazer? E tentavam responder. A estrutura de Raízes do Brasil é semelhante. É uma história do Brasil seguindo uma linha cronológica e quando chega o capítulo conclusivo em que estaria este programa, o autor diz que não é possível fazê-lo.

IHU On-Line - Em que aspectos Raízes do Brasil mais avança?
Robert Wegner
- Sérgio Buarque foi o primeiro autor no Brasil a utilizar de maneira sistemática a obra de Max Weber. A partir da sua obra avançou a discussão sobre a (ausência de) ética do trabalho no Brasil e o uso do público para interesses privados. O conceito de funcionário patrimonial, que Sérgio Buarque trabalha com base em Weber, é o funcionário que usa o cargo público para atender a fins privados.
 
IHU On-Line - Que tipo de sociedade é descrita por Buarque de Holanda e o que ela tem a ver com a sociedade brasileira atual?

Robert Wegner
- Raízes do Brasil fala de uma sociedade marcada pela sua herança ibérica, marcada pela aventura, a imprevisibilidade ao invés da conduta metódica e do trabalho, e é uma sociedade da cordialidade. Contudo, o interessante do livro é que, ao mesmo tempo que apresenta este Brasil, está dizendo que, desde o início do século XIX, ele está em franca desintegração. Estaria surgindo um novo país que ainda não estava claro o que seria, mas que, em alguma medida, estava se distanciando das raízes ibéricas. O que este Brasil seria não estava claro: não se sabia se o País iria "esticar" suas raízes ibéricas até serem rompidas ou se este "esticar" iria apenas prolongá-las e, então, seríamos modernos sem deixar completamente de ser ibéricos. A questão é que, como até hoje não sabemos direito o que somos esta indefinição do livro é muito atual. Ajuda a pensar nossos dilemas e deveria ajudar a pensar o que queremos ser, que projeto queremos.
 
IHU On-Line - Como podemos retomar o conceito de “homem cordial” nos dias de hoje? Quem é o homem cordial contemporâneo? É o mesmo descrito por Buarque de Holanda?

Robert Wegner
- Certa vez, li uma reportagem em um jornal que tratava sobre violência. A chamada era mais ou menos assim: "Brasileiro deixou de ser cordial". Acontece que cordial, no sentido dado por Sérgio Buarque, não elimina a violência. A idéia da cordialidade se refere à pessoa que age segundo os impulsos do coração (cordis), sem nenhuma mediação da polidez. É um ser sem máscaras. Podemos achar isso bom e nos referirmos a isso como espontaneidade, etc. Acontece que a máscara, a polidez são necessárias para o funcionamento das instituições. Vamos pensar no funcionamento da burocracia adequadamente: um funcionário cordial dá em funcionário patrimonial. Favorece seus amigos e prejudica seus amigos com o poder que o cargo lhe dá. Para a burocracia funcionar, suas regras impessoais devem valer para todos. Isso envolve um processo de educação, de formação, ou seja, adoção de máscaras para agir de maneira igual perante todos, amigos e inimigos. Isto é descrito no livro como civilidade e nos impele a nos perguntarmos que mecanismos temos tido que cumprem o papel de educação para a sociabilidade.  Concordo que Sérgio Buarque valoriza a cultura brasileira, mas é preciso fazer um reparo. Como a idéia de homem cordial ficou famosa, muita gente acha que Sérgio Buarque disse que a cordialidade nunca acabaria e que ela era boa. Mas o autor é muito crítico ao "homem cordial". A crítica principal é que, com homens cordiais, não se tem democracia, burocracia. E há uma crítica mais pontual também que acho interessante: o homem cordial gosta de viver em sociedade para se libertar do "mau amor" que tem para consigo mesmo. É uma crítica muito dura.
 
IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre história, literatura e as noções de tempo e espaço que percorrem a obra Raízes do Brasil?

Robert Wegner
- Às vezes, lendo Raízes do Brasil, lembro de uma passagem de Walter Benjamin  sobre uma gravura de Paul Klee. Benjamin diz que o anjo da história tem o rosto voltado para trás, mas uma ventania não deixa que feche as asas e o lança à frente.

 

 

 

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