Edição 205 | 20 Novembro 2006

“Raízes do Brasil é um livro atual, que permanece conosco”

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IHU Online

A historiadora Maria Odila Dias foi aluna de Sérgio Buarque de Holanda e trabalhou com ele na faculdade. Ela aceitou conceder uma entrevista para a IHU On-Line por telefone, falando sobre o livro Raízes do Brasil, tema de capa da edição desta semana.

Maria Odila é mestre em História Social, doutora e pós-doutora em História Social pela USP. Atualmente é professora na PUC-SP e professora titular aposentada da USP. Entre seus livros publicados citamos Quotidiano e Poder. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995 e A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2005. É dela também a introdução ao livro Raízes do Brasil, publicado na coleção Intérpretes do Brasil, coordenada e prefaciada por Silviano Santiago e publicada pela Editora Nova Aguilar, em três volumes, em 2000. A introdução de Maria Odila Leite da Silva Dias, originalmente intitulado “Negação das negações” está nas páginas 901-928. Aí também pode ser consultada uma ampla bibliografia selecionada de e sobre Sérgio Buarque de Holanda.

IHU On-Line - Como podemos fazer uma releitura do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, hoje? O que significa reler essa obra nos dias atuais?

Maria Odila Dias
- Esse é um livro ainda bastante atual, porque trata de muitos impasses. Raízes do Brasil fala sobre as brigas do professor Sérgio com os modernistas e com os intérpretes do Brasil na época dele, ou com o impasse da sociedade brasileira diante de problemas que não se consegue superar. Talvez esse seja um dos pontos que chame mais nossa atenção na obra hoje. 

IHU On-Line - Quais os limites da obra? E quais as principais polêmicas do livro?

Maria Odila Dias
– Os limites se dão no sentido da contextualização, da época em que o livro foi escrito dos problemas do caminho que levou o historiador até a elaboração do trabalho. Toda obra tem a sua época. Um livro escrito em 1936 é sempre diferente de um livro escrito em 2006, ainda mais sobre o Brasil. Como se trata de um ensaio importante e que volta para o passado, Raízes do Brasil é um livro que permanece conosco. Mas ele suscitou polêmica, sobretudo, quanto ao homem cordial, que foi mal-entendido na época. O professor Sérgio irritava-se muito, lembrando do capítulo “homem cordial”, pela incompreensão do conceito na sua época. 

IHU On-Line - Como podemos retomar o conceito de “homem cordial” nos dias de hoje? Quem é o homem cordial contemporâneo? É o mesmo descrito por Buarque de Holanda?

Maria Odila Dias
- O professor Sérgio entendia por homem cordial a dificuldade de institucionalização que nós tínhamos. A política ficava sempre no âmbito das famílias, dos interesses, das facções, e o homem cordial era aquele que decidia não na câmara dos deputados, mas nos corredores da corte, negociando, fazendo compromissos com os opositores, nesse tipo de política de bastidor. O homem cordial seria aquele que procura sempre os seus interesses e que pode, inclusive, mandar matar a pessoa com a qual ele se entende com toda cordialidade. Era essa a figura que Sérgio Buarque elegeu para mostrar a corrupção que existia na política e que ele interpretava como um fenômeno histórico. E hoje temos uma corrupção no mundo globalizado.

IHU On-Line - A senhora pode falar sobre a crítica ao processo elitista de formação da nacionalidade que aparece em Raízes do Brasil?

Maria Odila Dias
- Essa é talvez uma das mensagens mais fortes do livro: mostrar o limite do projeto do Estado-Nação elitista e o problema da cidadania, que hoje é tão importante para nós e que continua pendente, em impasse. Ele critica muito as gerações que o antecederam e a sua, a do Estado Novo, por essa idéia autoritária de uma identidade fixa nacional. Ele dizia que esse era um processo histórico sempre em aberto, nunca determinado e que esse projeto elitista forjava uma idéia muito autoritária de identidade nacional que não correspondia à pluralidade e às diferenças do Brasil na época. Esse é um dos pontos mais interessantes de Raízes do Brasil.

IHU On-Line - Sérgio Buarque de Holanda criticava o conceito de uma identidade nacional permanente ou fixa. Como isso se deu no período do Estado Novo?

Maria Odila Dias
- É justamente em oposição às políticas do Estado Novo que ele se coloca. Sérgio Buarque se volta para um processo histórico, mostrando o contraste entre a ideologia nacionalista e esse processo histórico que vai identificando e reidentificando o País ao longo do tempo. Ele enfatiza a formação, o processo de formação dessa identidade nacional como algo muito diferente da ideologia nacionalista que estava na moda na época em que ele escreveu Raízes do Brasil.

IHU On-Line - Que tipo de sociedade é descrita por Buarque de Holanda e o que ela tem a ver com a sociedade brasileira atual?

Maria Odila Dias
- Talvez o ponto mais próximo que temos, e que é o gancho último de Raízes do Brasil, aponta o fenômeno da urbanização, que estava começando em 1936, mas que só vai fazer sentido na década de 1950. Ele critica a sociedade familiar, elitista, de interesses privados, em uma confusão entre o público e o privado. Sérgio Buarque acena para o fenômeno da urbanização como a possibilidade de superar aquele tipo de sociedade da república velha. E superar aqui seria no sentido de que a urbanização modificaria aquela política, que não conseguiria sobreviver num País com urbanização. Hoje nós temos outro mundo, mas ainda há resquícios disso.  

IHU On-Line - A senhora discorda de que existam vinculações entre Raízes do Brasil e os modelos teóricos weberianos. Pode explicar sua posição?

Maria Odila Dias
- Obviamente que Max Weber  estava presente no trabalho do professor Sérgio. Eu quero dizer que ele já tinha se encontrado como historiador nessa época e que, quando ele usa o tipo ideal do Max Weber, ele sempre está dizendo que se trata de uma ferramenta do historiador e que, na verdade, o tipo ideal não existe na sua abstração. Uma abstração é uma ferramenta, um modo de olhar do pesquisador. Mas eu digo isso porque o livro do professor Sérgio já tinha enveredado por um caminho que não é estritamente o caminho weberiano. Ele tinha descoberto a história, a historicidade principalmente, esse conceito que tinha uma conotação muito forte na época dele, de crítica. As teorias abstratas e as críticas a elas, ressaltando sempre a movimentação e os ritmos do tempo na história, as mudanças, o vir a ser, são coisas que ele já tinha antes de ir para a Alemanha, mas que ficaram mais claras depois do período em que ele conviveu com outras figuras da época. É mais uma questão da sensibilidade do historiador e do modo de ele trabalhar, criticando a fixidez de conceitos muito abstratos.

IHU On-Line - A senhora foi discípula de Sérgio Buarque. Como foi o convívio com ele?

Maria Odila Dias
- Fui aluna dele e depois trabalhei com ele na faculdade. O convívio foi de bastante amizade. Ele tinha uma personalidade muito interessante. Era um homem bem-humorado, muito engraçado, cheio de irreverência. Era o pai do Chico, uma figura. Lembro-me sempre da memória estupenda que o professor Sérgio tinha e do seu modo ímpar de escrever. Era um grande escritor. É difícil falar que ele não tenha deixado discípulos, pois, como grande escritor, ele tinha o próprio caminho. Aprendíamos muito com ele.

 

 

 

 

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