Edição 466 | 01 Junho 2015

Uma polícia militar e a lógica da guerra

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João Vitor Santos

José Claudio Alves destaca que essa concepção militarizada quer imprimir uma ordem urbana, mas só para alguns. Na verdade, gera tensões e conflitos para corporação e população

A capa do jornal carioca Extra, de 21 de maio, materializa uma situação trazida pelo sociólogo José Claudio Alves em sua conferência no Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum, realizada na quinta-feira, 28-05. No topo da página está a manchete que destaca a morte de um médico, esfaqueado enquanto andava de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas. Mais abaixo, é lembrada a morte de dois jovens em comunidades cariocas em uma das ações da PM. O primeiro crime choca, o segundo é mais comum e virou rotina. Para Alves, os fatos mostram os efeitos de uma polícia militarizada que busca impor uma ordem na Metrópole. “Mas essa ordem só existe para alguns”, destaca, ao lembrar que enquanto a classe média se choca com latrocínios na zona sul, a polícia entra nas comunidades matando e morrendo para impor suas regras.

O professor explica que se a polícia é militar, a lógica é de guerra. “E a essência, o que motiva, é vencer o inimigo. Ninguém vai para guerra para perder”. Guerra essa que se anuncia como guerra ao tráfico de drogas. Porém, na verdade, serve uma estrutura que defende uma ideia de ordem urbana que contempla poucos. “O papel que a polícia cumpre hoje é praticamente unilateral, é unidimensional, se estabelece a partir de uma lógica militarizada, que é a que predomina na sua formação. Teoricamente, ela está ali para garantir a ordem, a segurança, mas na verdade trata-se de um papel do Estado de garantir, sim, interesses em determinadas estruturas, determinados segmentos, determinados espaços sociais, econômicos e políticos que estão presentes ali”, analisa.

Na prática, o que acontece é a imposição de forças. De um lado o tráfico, e de outro a polícia. No meio, a população, principalmente as comunidades mais carentes. Alves, que vive na Baixada Fluminense, explica que a lógica institucionalizada é a de que a polícia chega aonde o tráfico comanda. Destitui o esquema do tráfico e ela mesma passa a operar o controle do local, movendo toda a lógica da ilegalidade. “Antes era o traficante que mandava e matava. Agora, é a polícia”, completa. As consequências são danosas para todos, inclusive para a própria corporação. “Temos a polícia que mais mata e mais morre, que também mais adoece. Sua estrutura hierarquizada imprime essa lógica e não permite uma horizontalidade dentro dos batalhões. Isso faz com que todas ajam da mesma forma, não questionem e sejam pressionados pelo comando”.

Herança da ditadura

Mas de onde vem esse espírito militar da polícia? José Claudio Alves explica que há um fator histórico importante. “Esse caráter de força de repressão da polícia se estabeleceu no período da ditadura. Isso desde o caráter hierarquizante até a questão do armamento, pois é preciso cada vez mais estrutura bélica para encarar essa guerra”. É por isso que o pesquisador considera que a polícia é a área que menos passou por uma redemocratização. “Tivemos isso em várias estruturas, mas a polícia continua tão repressora como naquele tempo.”

O debate sobre a desmilitarização da polícia emerge pós-manifestações de junho de 2013. Para Alves, “porque a classe média experimentou um pouquinho do gosto de como age a PM”. Por isso, considera importante o momento para “pegar carona no debate”. Mas destaca que ainda é preciso mais. “É errado pensar que para combater o tráfico é preciso repressão, guerra. É uma questão de saúde, de desenvolvimento de uma série de políticas para mudar a realidade das comunidades.” Dentro das corporações, há algumas iniciativas, algumas pessoas que começam a questionar o sistema depois de provar da angústia gerada por ele. “São ações pequenas, mas que devem ser destacadas.”

Uma desmilitarização não é tarefa fácil. O professor lembra que vai além de realinhamentos institucionais ou jurídicos. “Tirar as ‘divisas’ da polícia não resolve. Mas pode ser um começo.” Para ir além, é preciso políticas que mexam nas estruturas, criando uma polícia não de repressão, mas horizontalizada, disposta a dialogar e reconhecer a comunidade em que se insere. “Difícil, o cenário é complicado. Mas o cenário está posto.”

A polícia na Metrópole

Ainda antes da sua conferência, realizada na última quinta-feira, José Claudio Alves concedeu uma entrevista por telefone à IHU On-Line, que pode ser lida no sítio do IHU.

José Claudio Alves

Graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque, é mestre em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. É professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do ISER Assessoria.

Leia mais...

- Metrópole e Ordem Urbana. Pela desmilitarização da polícia. Entrevista com José Claudio Alves publicada nas Notícias do Dia, de 28-05-2015, no sitio IHU;

- As UPPs são uma fuga para a frente. Entrevista especial com José Cláudio Alves. Entrevista com José Claudio Alvez publicada nas Notícias do Dia, de 08-01-2015, no sítio do IHU;

- UPPS e a reestruturação do tráfico no Rio de Janeiro. Entrevista com José Cláudio Alves publica nas Notícias do Dia, de 24-10-2013, no sítio IHU;

- "A lógica do PCC é a lógica da sociedade brasileira". Entrevista com José Claudio Alves publicada nas Notícias do Dia, de 13-11-2012, no sítio do IHU;

- Rocinha: uma favela conveniente à classe média. Entrevista com José Cláudio Alves publicada nas Notícias do Dia, de 21-011-2011, no sítio IHU.

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